Opinião

Desconsideração da PJ no processo trabalhista e veto presidencial ao PL 3.401

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23 de fevereiro de 2023, 19h31

Em meados de dezembro do ano passado, foi publicado o despacho de veto integral, emitido pelo presidente da República, ao projeto de Lei nº 3.401/2008. O intuito desse projeto é disciplinar o procedimento judicial de desconsideração da personalidade jurídica das empresas, instituindo critérios específicos e objetivos para o atingimento dos bens dos sócios e figuras assemelhadas para responder por dívidas empresariais. Com isso, o PL retornou ao Congresso, onde o veto poderá ser rejeitado ou mantido.

Dentre as disposições do PL, estão previstas a necessidade de indicação específica, pela parte que postular a desconsideração da personalidade jurídica, dos atos praticados pelos sócios, administradores, membros ou instituidores que ensejariam a respectiva responsabilização.

Adicionalmente, ficaria instituída a necessidade de oitiva do Ministério Público para decretação da desconsideração, além de vedada a adoção da medida de ofício pelos juízes e tribunais. Tal medida tem como objetivo oportunizar à pessoa jurídica o pagamento da dívida ou a indicação de bens, para satisfazer a obrigação, antes da decretação da desconsideração de sua personalidade jurídica.

Apesar das previsões já contidas no Código Civil e no atual Código de Processo Civil sobre a matéria, o PL em questão tenta dar enfoque ao estabelecimento de limitações à aplicação desordenada do instituto jurídico, que, na esfera trabalhista,é frequentemente utilizado em violação do princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica e do próprio direito de propriedade dos sócios, gerando prejuízos e insegurança na condução das atividades empresariais.

Todavia, diante de possíveis inconstitucionalidades e de contrariedade ao interesse público, o PL acabou vetado. A falta de cautela na tratativa de temas específicos, a exemplo da imposição da necessidade de declaração judicial da desconsideração da personalidade jurídica para o prosseguimento de procedimentos nas esferas administrativas, poderia impactar negativamente outros ramos do Direito.

Do ponto de vista trabalhista, vale lembrar que apesar de previsto na legislação civil e, mais recentemente, na legislação processual civil brasileira, cujas regras são aplicáveis subsidiária ou supletivamente em âmbito trabalhista, o instituto da desconsideração da personalidade jurídica ainda não possui regras materiais e procedimentais específicas, o que leva à ausência de uniformidade em sua aplicação.

Exemplo disso são as inúmeras reclamações trabalhistas em trâmite na Justiça do Trabalho, nas quais a inclusão de sócios para responder pessoalmente pelas dívidas da pessoa jurídica ocorre quase que automaticamente, bastando a constatação de inadimplemento da dívida pela empresa, e, muitas vezes, sem a instauração do competente incidente.

Essa situação se dá, de fato, pela inexistência de regramento específico sobre a matéria nesta esfera, o que deixa à mercê da interpretação dos magistrados e da aplicação das normas gerais de direito comum a resolução das questões relativas à responsabilização pessoal dos sócios pelas dívidas trabalhistas da pessoa jurídica.

Esse contexto, inclusive, levou a jurisprudência trabalhista majoritária à adoção da chamada "teoria menor" para a decretação da desconsideração da personalidade jurídica, em aplicação analógica ao disposto no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor. Segundo essa teoria, basta a insolvência da pessoa jurídica para que seja possível a responsabilização pessoal de seus sócios, de maneira oposta à previsão do artigo 50, do CC, a qual, intitulada "teoria maior", prevê a possibilidade de atingimento do patrimônio dos sócios apenas quando restar comprovado o abuso da personalidade jurídica ou a confusão patrimonial.

Em suma, atualmente, em muitos casos, basta o inadimplemento da dívida trabalhista pela pessoa jurídica para que o sócio seja chamado a responder. Ou seja, mesmo nas situações em que é instaurado o incidente processual, tal medida não basta para garantir maior segurança jurídica, já que mesmo quando oportunizada a apresentação de defesa e observado rito processual mínimo, muitas vezes prevalece o apelo quanto à hipossuficiência do empregado e a natureza alimentar do crédito trabalhista, levando à expropriação do patrimônio pessoal do sócio.

Apesar da decisão presidencial pelo veto, é inegável que sua tramitação reacendeu as discussões sobre o tema da desconsideração da personalidade jurídica, rememorando, no âmbito trabalhista, a urgência de uma legislação clara e precisa, prevendo as hipóteses que ensejariam a situação tão excepcional de atingimento do patrimônio pessoal dos sócios.

Por isso, caso mantida a rejeição do veto presidencial, diante dos motivos que levaram o então chefe do Poder Executivo a tal decisão, espera-se que o Congresso se atente para a necessidade de uma legislação que efetivamente regulamente o procedimento da desconsideração da personalidade jurídica na esfera trabalhista, a fim de garantir a segurança que se espera em relação ao instituto.

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