Convenção nº 158 da OIT: análise e perspectiva
23 de fevereiro de 2023, 16h22
"Acabou a dispensa sem justa causa. Haverá o retorno da estabilidade no emprego." Estas e outras notícias estão sendo apregoadas em razão da iminente conclusão do julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a pendência envolvendo a Convenção 158, da OIT (C. 158).
Não há fundamento para tais notícias alardeadas pela imprensa, embora seja esse o desejo de alguns saudosistas inconformados com o novo rumo que a Constituição de 1988 deu ao regime da livre dispensa do trabalhador, quando a estabilidade foi substituída por indenização compensatória.
A C. 158 estabelece regras de dispensa do empregado, devendo a empresa justificar o motivo, sob pena de sua reintegração no emprego, salvo indenização compensatória, se assim o ordenamento jurídico interno permitir.
Foi aprovada pelo Congresso em 1992[1], ratificada em 1995 e promulgada em 1996[2]. A vigência, no território brasileiro, deu-se a partir de 05 de janeiro de 1996, com status de lei ordinária. No entanto, foi denunciada pelo então presidente da República, ao final de 1996[3], sob a justificativa de que o Brasil, naquele momento, não tinha condições econômicas de cumpri-la. Mas o verdadeiro motivo era outro: alguns magistrados do trabalho passaram a considerar, de forma equivocada, a vigência da convenção como a retomada da estabilidade, perdida em 1988.
A finalidade da convenção é proteger o trabalhador contra a dispensa arbitrária ou sem justa causa[4]. Tal proteção não se confunde com estabilidade no emprego, tendo em vista a possibilidade do término do contrato de trabalho por motivos relacionados à conduta e capacidade do trabalhador e ao bom funcionamento da empresa, entre outros. Estes são exemplos de causas justificadas, que, à luz da C. 158, autorizam o término do contrato de trabalho. "Causa justificada" não é sinônimo de "justa causa".
Mesmo dispensado sem justificativa plausível, o artigo[5] da C. 158 autoriza a conversão da reintegração em indenização compensatória, como já ocorre entre nós com dispensas discriminatórias[6].
Não bastasse, o próprio STF assentou, na ADI 1480, o caráter programático da C. 158 e a necessidade de "ulterior intermediação legislativa para efeito de sua integral aplicabilidade no plano doméstico"[7]. Portanto, de acordo com jurisprudência do STF, a C. 158 é "mera proposta de legislação dirigida ao legislador interno"[8].
Por outro lado, o STF atribuiu caráter supralegal aos tratados e convenções internacionais de direitos humanos incorporados na ordem jurídica brasileira antes do advento da EC 45/2004[9]. A C. 1589 com status supralegal, é hierarquicamente inferior às normas da Constituição Federal e, portanto, não teria o condão de afastar a aplicação do artigo 7º, I, da CF, e tampouco a indenização compensatória prevista no artigo 10, I, do ADCT. Os dispositivos supracitados, em apertada síntese, prescrevem que — até que seja promulgada lei complementar — a dispensa sem justa causa ou arbitrária é possível, mediante indenização compensatória, fixada em 40% do saldo do FGTS.
Em 1997, foi ajuizada perante o STF a ADI 1625. Discute a constitucionalidade do Decreto nº 2.100/96 — que denunciou a C. 158. No julgamento, que segue pendente até hoje, foram formadas três correntes distintas.
A primeira, encabeçada pelo ministro relator Maurício Corrêa, que votou pela parcial procedência, condicionando a validade do Decreto nº 2.100/96 a referendo do Congresso . Foi acompanhado pelo ministro Ayres Britto. A segunda, liderada pelo ministroNelson Jobim, que divergiu e votou pela improcedência, reconhecendo a prerrogativa do presidente da República de denunciar, sem aprovação do Congresso, tratados e convenções internacionais. Foi acompanhado pelos ministros Teori Zavascki [10] e Dias Toffoli[11]. A última corrente foi firmada pelo Ministro Joaquim Barbosa, que entendeu pela inconstitucionalidade do decreto. Foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski e Rosa Weber. Ainda não votaram os ministros Gilmar Mendes, Nunes Marques e André Mendonça. Espera-se a conclusão do julgamento ainda em 2023.
Como se vê, não há fundamento jurídico para o alarmismo propagado pela imprensa. Ainda que a C. 158 volte a integrar o ordenamento jurídico brasileiro, não teria o condão de afastar ou se sobrepor às normas constitucionais e dependeria de ulterior regulamentação para produzir efeitos futuros, tendo em vista o seu caráter programático.
Portanto, mesmo voltando a integrar o ordenamento jurídico interno, a C. 158 possui eficácia limitada (norma programática) e não proíbe a despedida sem justa causa, além de admitir a indenização compensatória no lugar da reintegração. Não se pode retroceder no tempo e cometer o mesmo erro do passado, imaginando que uma Convenção da OIT possa revogar o regime de dispensa livre, introduzido pela Constituição de 1988.
[1] Decreto Legislativo n. 68, de 16/09/1992.
[2] Dec. 1.855, de 10/04/1996.
[3] Dec. 2.100, de 20/12/1996.
[4] Art. 4: Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.
[5] Art. 10: Se os organismos mencionados no artigo 8 da presente Convenção chegarem à conclusão de que o término da relação de trabalho é justificado e se, em virtude da legislação e prática nacionais, esses organismos não estiverem habilitados ou não considerarem possível, devido às circunstâncias, anular o término e, eventualmente, ordenar ou propor a readmissão do trabalhador, terão a faculdade de ordenar o pagamento de uma indenização adequada ou outra reparação que for considerada apropriada.
[6] Conf., nesse sentido, o art. 4º, da Lei 9.020/1995.
[7] ADI 1480-MC, Relator: CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 04/09/1997, DJ 18-05-2001.
[8] Idem.
[9] RE 466343, Relator: CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009.
[10] Apesar de ter acompanhado a divergência, o Ministro entendeu pela necessidade da participação do Congresso Nacional no processo de denúncia, porém, propôs a conservação de todos os atos de denúncia realizados pelo Presidente da República.
[11] O Ministro Dias Toffoli propôs a seguinte tese jurídica: “denúncia pelo Presidente da República de tratados internacionais aprovados pelo Congresso Nacional, para que produza efeitos no ordenamento jurídico interno, não prescinde da sua aprovação pelo Congresso”.
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