Opinião

Auxílio-acidente: interesse de agir na revisão de aposentadoria rural

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23 de fevereiro de 2023, 6h37

A TNU (Turma Nacional de Uniformização) dos Juizados Especiais Federais definiu que o valor recebido a título de auxílio-acidente deve gerar efeitos no benefício de aposentadoria por idade rural, firmando o seguinte: "É correto considerar-se, no período básico de cálculo (PBC), para fins de revisão da renda mensal inicial (RMI) do benefício de aposentadoria por idade rural, o período em que o segurado percebeu auxílio-acidente, nos termos do art. 36, § 6º, do Decreto nº 3.048, de 6 de maio de 1999" (PUIL, 0503318-17.2019.4.05.8107).

O texto busca analisar se a parte pode ajuizar diretamente a ação para obtenção dessa revisão ou se necessita de prévio requerimento administrativo, cumprindo, inicialmente, citar a tese estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal, no Tema 350:

"I – A concessão de benefícios previdenciários depende de requerimento do interessado, não se caracterizando ameaça ou lesão a direito antes de sua apreciação e indeferimento pelo INSS, ou se excedido o prazo legal para sua análise. É bem de ver, no entanto, que a exigência de prévio requerimento não se confunde com o exaurimento das vias administrativas; II – A exigência de prévio requerimento administrativo não deve prevalecer quando o entendimento da Administração for notória e reiteradamente contrário à postulação do segurado; III – Na hipótese de pretensão de revisão, restabelecimento ou manutenção de benefício anteriormente concedido, considerando que o INSS tem o dever legal de conceder a prestação mais vantajosa possível, o pedido poderá ser formulado diretamente em juízo – salvo se depender da análise de matéria de fato ainda não levada ao conhecimento da Administração –, uma vez que, nesses casos, a conduta do INSS já configura o não acolhimento ao menos tácito da pretensão; IV – […]"

Para o que nos interessa, cabe destacar do referido tema:
1. Há necessidade de prévio requerimento administrativo:
1.1. Para configurar interesse de agir o requerimento deve ser indeferido ou,
1.2. Exceder o prazo legal para sua análise.
2. Desnecessário o prévio requerimento administrativo:
2.1. Quando o entendimento do INSS é contrário à pretensão (ex. reconhecimento de trabalho rural abaixo de 12 anos de idade);
2.2. Em pedido de revisão, restabelecimento ou manutenção do benefício, pois a conduta do INSS já configura o não acolhimento, ao menos tácito, da pretensão.

Uma olhada rápida pode levar à conclusão de que o fato de o benefício ter sido concedido sem o acréscimo do valor do auxílio-acidente configuraria o item 2.2, gerando, assim, o interesse de agir para o ajuizamento da ação.

Todavia, para configurar essa hipótese de desnecessidade de prévio requerimento, parte-se da presunção de que o INSS já indeferiu (expressa ou tacitamente) a pretensão objeto da revisão.

A situação ora tratada não se encaixa no item 2.2. É que o servidor do INSS deveria ter cumprido o contido no Decreto 3.048/1999:

"Art. 36. No cálculo do valor da renda mensal do benefício serão computados:
[…]
II – para o segurado empregado, inclusive o doméstico, o trabalhador avulso e o segurado especial, o valor do auxílio-acidente será considerado como salário de contribuição para fins de concessão de qualquer aposentadoria, nos termos do disposto no § 8º do art. 32. (Redação dada pelo Decreto nº 10.410, de 2020).
[…]

§ 6º. Para o segurado especial que não contribui facultativamente, o disposto no inciso II será aplicado somando-se ao valor da aposentadoria a renda mensal do auxílio-acidente vigente na data de início da referida aposentadoria, não sendo, neste caso, aplicada a limitação contida no inciso I do § 2º do art. 39 e do art. 183."

E isso está ratificado na Portaria Dirben/INSS 991, de 28/3/2022:

"Art. 194. Para a aposentadoria requerida ou com direito adquirido, bem como para óbito ocorrido a partir de 11 de novembro de 1997, data da publicação da Medida Provisória nº 1.596-14, convertida na Lei nº 9.528, de 10 de dezembro de 1997, o valor mensal do auxílio-acidente integrará o PBC para fins de apuração do salário de benefício, o qual será somado ao salário de contribuição existente no PBC, limitado ao teto de contribuição.
§ 1º. Se, dentro do PBC, o segurado tiver recebido auxílio-doença, inclusive decorrente de acidente de qualquer natureza, concomitantemente com auxílio-acidente de outra origem, a renda mensal desse será somada, mês a mês, ao salário de benefício daquele, observado o teto de contribuição, para fins de apuração do salário de benefício da aposentadoria.
§ 2º. Inexistindo período de atividade ou gozo de benefício por incapacidade dentro do PBC, o valor do auxílio-acidente não supre a falta do salário de contribuição.
§ 3º. Ocorrida a situação do § 2º, a aposentadoria e a pensão por morte serão no valor do salário mínimo.
§ 4º. Tratando-se de segurado especial que não contribui facultativamente em gozo de auxílio-acidente, o valor mensal do benefício vigente na data do início da aposentadoria será somado ao valor desta, não sendo, neste caso, aplicada a limitação de um salário mínimo."

Se o servidor do INSS não cumpriu o referido artigo 36, II, § 2º, do Decreto 3.048/1999 e a citada Portaria Dirben, isso se deve a equívoco ou desconhecimento.

Portanto, o segurado tem ao seu dispor o recurso na via administrativa para obter o seu pedido (repita-se: aceito pelo INSS no mérito e, sem motivo, não aplicado ao caso). O processo revisional está ao alcance do segurado e disciplinado na Instrução Normativa (IN) 128/2021:

"Art. 583. A revisão é o procedimento administrativo utilizado para reavaliação dos atos praticados pelo INSS, podendo ser iniciada de ofício, mediante controle interno, a pedido do titular ou seu representante, por determinação judicial ou recursal, ou por determinação de órgãos de controle externo, observadas as disposições relativas à prescrição e decadência.
[…]
Art. 584. Em se tratando de revisões a pedido do titular ou seu representante, quando do processamento da primeira revisão, deverá ser analisado o objeto do pedido, bem como os demais critérios que embasaram a concessão.
Parágrafo único. Nas revisões a pedido subsequentes, a análise deve se ater ao objeto do pedido.
[…]
Art. 586. Os efeitos financeiros do processamento de revisão com novos elementos serão fixados na DPR.
§ 1º. Nas revisões a pedido do interessado ou de ofício, ressalvado o disposto no § 2º, não sendo identificado novo elemento, os efeitos financeiros serão fixados na DIP, observada a prescrição."

E não há razão para não conceder os efeitos financeiros desde a entrada do requerimento administrativo originário, pois as informações sobre o auxílio-acidente recebido pelo segurado que postula a aposentadoria estão todas nos bancos de dados do INSS. Daí, totalmente incorreto seria decidir que se tratasse de "elemento novo", querendo levar os efeitos para a data do pedido de revisão (se eventualmente esse novo erro acontecesse, aí sim estaria configurado interesse de agir, permitindo uma ação quanto à data de início dos efeitos financeiros).

Portanto, o segurado não dispõe de interesse de agir quanto ao pedido judicial de revisão, pois não há necessidade de provimento judicial para obter sua pretensão. Não custa lembrar:

"[…] O interesse processual se consubstancia na necessidade de o autor vir a juízo e na utilidade que o provimento jurisdicional poderá lhe proporcionar." (NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado [livro eletrônico]. 6. ed. – São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021).

Concluindo, cabe ao segurado requerer revisão administrativa, pois o entendimento do INSS é favorável ao seu pleito. Eventual ajuizamento sem esse prévio requerimento significará ofensa ao decidido pelo STF no Tema 350. Somente terá interesse de agir se o pedido de revisão tiver efeitos financeiros que não sejam da data de início da aposentadoria.

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