Opinião

Entendendo a decisão do STF sobre a relativização da coisa julgada

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18 de fevereiro de 2023, 7h06

Existem algumas frases tão repetidas no Brasil que viram até motivo de piada. Aliás, o brasileiro sempre foi muito bom e a sua criatividade é incrível para descrever até os momentos mais difíceis.

Costumo sempre repetir que "o Brasil não é para a amadores". E, recentemente, com o deslinde para o qual caminha a decisão do Supremo Tribunal Federal acerca da apreciação da limitação da coisa julgada, me veio uma bem antiga na cabeça, que caiu como uma luva: "No Brasil, nem o passado é certo!"

Mas o que foi decidido agora pelo STF? Simples assim: o contribuinte que tem uma decisão transitada em julgado (leia-se, uma decisão judicial definitiva, da qual não cabe mais recurso), reconhecendo o seu direito de não recolher determinado tributo, deverá passar a recolher o mesmo tributo tão logo o próprio STF decida que ele é devido em sede de repercussão geral. Automaticamente? Isso mesmo. Sem sequer ser previamente intimado, sob pena de ser exigido pelas autoridades fiscais, com multa e juros pelo atraso. Mas, "pode isso, Arnaldo?". Defendemos que não! Porém, "manda quem pode, obedece quem tem juízo".

A discussão é antiga. Trata da exigência da Contribuição Social sobre o Lucro que, depois de mais de 30 anos, retornou ao STF, por meio dos Recursos Extraordinários 949.297/CE e RE 955.227/BA, julgados agora em sede de repercussão geral (Temas 881 e 885), no qual a Suprema Corte confirmou a possibilidade de reversão automática da decisão transitada em julgado quando houver posterior julgamento contrário pelo STF, em controle difuso de constitucionalidade (mediante processo individual, diferente de Adin/ADC, por exemplo).

Desde a edição do Código de Processo Civil de 2003, quando se aprimoraram as discussões acerca da relativização da coisa julgada, passou-se a defender a possibilidade de que as decisões judiciais transitadas em julgado, especialmente nas hipóteses de relações tributárias continuativas (onde mês/mês, ano/ano, determinado tributo continua sendo devido), pudessem ser superadas por decisão contrária do STF posterior. O instituto processual civil previu expressamente que essa superação, seja em controle concentrado, seja com controle difuso, deveria se dar mediante ação rescisória, fixando, inclusive, novo termo de início do prazo, contado do trânsito em julgado da decisão do STF.

Pois bem. A decisão do STF que tanto se falou nesse início de ano judiciário não somente abala a cláusula pétrea que protege a coisa julgada (artigo 5º, inciso XXXVI, c/c artigo 60, § 4º, IV, CF), como desconsidera por completo a própria letra da lei processual (artigo 525, § 15, CPC). Traduzindo: a coisa julgada é uma garantia fundamental (ou será que era?), que não pode sequer ser objeto de emenda à Constituição. Ao permitir que ela seja automaticamente relevada, como agora decidido pelo STF, superou a Constituição e a própria legislação processual federal.

Importante esclarecer que, desde 2003, estamos nos acostumando com a possibilidade de revisão do tema transitado em julgado quando se tem uma posição do STF contrária posterior. Para isso, precisamos de segurança jurídica, de que a quebra da coisa julgada ocorra mediante um prévio julgamento justo, que observe o devido processo legal, via ação rescisória, respeitando os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Em que pese as decisões do STF em julgamentos tributários serem tema de manchetes de jornais, a grande maioria dos contribuintes possui enorme dificuldade em interpretar a complexidade das normas tributárias, especialmente compreender o alcance das decisões emanadas pela Suprema Corte. Por isso, a decisão do STF não pode transferir a todos os contribuintes a obrigação se acompanhar suas decisões, para que sejam obrigados a atendê-las imediatamente, especialmente quando já discutiu o mesmo tema em um processo individual e obteve uma decisão favorável transitada em julgado.

Como se pode perceber, a recente decisão do STF transfere a obrigação do Fisco — que é parte de todos os processos fiscais, de monitorar as decisões que lhe são desfavoráveis, e ajuizar a tempo as respectivas ações rescisórias —, para os contribuintes, que indiscutivelmente são parte menos privilegiada e mais prejudicada nessa relação.

E agora? O que fazer? Fé? "O brasileiro se sacode e não desiste nunca." Vamos que vamos. Porque com decisão do STF não se brinca. Mas se pode brincar com a Constituição? Eu acho que não!

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