Opinião

Responsabilidade do despachante aduaneiro pela declaração na alfândega

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17 de fevereiro de 2023, 15h04

É-nos chegada às mãos por meio do ilustre despachante aduaneiro Marcelo Castro, do Ebimex (empresa especializada em comércio exterior), a Interpretação Prejudicial 12IP/2020, de 15/12/22, publicada no Diário Oficial, do Acordo de Cartagena nº 5.093, no dia 16/12/22, pelo Tribunal de Justiça da Comunidade Andina. Aqui um breve posicionamento.

Para entendermos a diferença entre a visão sobre o assunto no âmbito brasileiro e no caso Andino recomenda-se a leitura da íntegra da Solução de Consulta Cosit Nº 67, de 10 de Março de 2015 a ementa segue abaixo.

"SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 67, DE 10 DE MARÇO DE 2015. (Publicado (a) no DOU de 25/03/2015, seção 1, página 22) EMENTA: DESPACHANTE ADUANEIRO. AJUDANTE DE DESPACHANTE ADUANEIRO. OPERAÇÕES DE IMPORTAÇÃO E DE EXPORTAÇÃO. COMÉRCIO INTERNO DE MERCADORIAS ESTRANGEIRAS. VEDAÇÃO."

No Brasil, entende-se que a lógica a ser adotada é a da alínea "e" do inciso II do artigo 735 do RA/2009. A saber, da vedação de situações ocasionem conflito de interesses, que possam presumir risco ao desempenho imparcial, isento, impessoal, das atividades inerentes ao despacho aduaneiro.

Deveras, é incompatível com o princípio da impessoalidade, bem como da moralidade administrativa (logo, contrário ao interesse público) que uma pessoa atue como despachante, ou ajudante e ainda como importador ou exportador.

A solução de consulta nº 67 nos dá a segura interpretação a respeito do tema e que pode ser entendida como um raciocínio transnacional, haja vista que esses princípios estão presentes na maioria das constituições e legislações aduaneiras das Américas a fim de, em relação a responsabilidade objetiva, evitar confusão entre a pessoa do despachante e do importador.

Assim, tendo em vista que o importador é elemento indissociável da relação de comércio exterior, conforme a doutrina de Ricardo Xavier Basaldúa (território aduaneiro, importador, exportador e mercadoria) e que o despachante aduaneiro é um mero interveniente constituído por mandato (Princípio do Complemento Essencial), precário, sem contato com a mercadoria na maioria das vezes, atuando sob a supervisão de uma autoridade aduaneira, com atuação restrita a emitir papéis de acordo com a resolução, determinação e sistemas do Poder Público por meio do  Poder Aduaneiro (Princípios da Boa Fé e da Confiança Legislativa), não enxergamos como pode se permitir a responsabilização objetiva do despachante por qualquer questão relativa à precificação e custos do empresário do comércio exterior, dentro da transcrição na literalidade, integralidade e exatidão dos dados e documentos fornecidos pelo importador, conforme o sistema aduaneiro que, por causa dos inúmeros tratados e convenções, é uniforme. 

O despachante não tem, nem deve ter, acesso à contabilidade do Exportador ou Importador, apenas fazendo lançamento no sistema aduaneiro dos documentos emitidos pelo cliente, ficando por isto de fora da elaboração do custo das mercadorias, etc, os quais são definidos pela contabilidade interna do cliente.

A decisão Andina parece considerar um cenário aonde não há despachantes independentes, mas apenas vinculados às empresas de comércio exterior.

"Pela Interpretação Preliminar 12-IP [1] 2020, de 15 de dezembro de 2022, publicada no Diário Oficial do Acordo de Cartagena nº 5093, de 16 de dezembro de 2022, o Tribunal de Justiça da Comunidade Andina estabeleceu os seguintes critérios legais interpretativos em relação à responsabilidade de um terceiro autorizado (despachante ou despachante aduaneiro) pela veracidade ou exatidão das informações ou valor declarado na alfândega: 1 … Em conformidade com o disposto no artigo 8.o da Decisão 571, a Declaração Andina de Valor (a seguir designada por DAV) é um documento comprovativo da declaração aduaneira das mercadorias importadas, que deve conter informações relativas aos fatos e circunstâncias relacionados com a transação comercial das mercadorias que serão sujeitas a determinação do valor aduaneiro. … Além disso, em conformidade com o disposto no artigo 11°, primeiro parágrafo, da Decisão 571, a responsabilidade pela elaboração e assinatura do DVA incumbe ao comprador ou ao importador da mercadoria sujeita a avaliação. Além disso, o regulamento acima mencionado prevê que os países membros da Comunidade Andina podem autorizar o representante legal ou terceiros — naturais ou legais  que não sejam o importador ou comprador, a preparar e assinar um VAD em seu nome. O que precede, por força do princípio do complemento indispensável (…) e através da legislação nacional aplicável. (…) … Por outro lado, o artigo 13.º da Decisão 571 estabelece que quem elaborar e assinar uma AVD assume a responsabilidade perante a administração aduaneira nacional pelos seguintes aspetos: '(…) a) A veracidade, exatidão e exaustividade dos elementos constantes da declaração de valor; b) A autenticidade dos documentos apresentados em apoio destes elementos; e, c) A apresentação e disponibilização de quaisquer informações ou documentos adicionais Judicial necessários para determinar o valor aduaneiro das mercadorias'. Nesse sentido, o último parágrafo do referido artigo 13, prevê que a violação das disposições da referida norma será considerada como contraordenação, sem prejuízo da aplicação das disposições comunitárias e nacionais sobre controle aduaneiro e fraude, que são aplicáveis em cada caso específico. … No entanto, esta Corte considera pertinente distinguir dois cenários: a) O primeiro quando o comprador ou importador das mercadorias sob avaliação é quem prepara e assina a WAGON, uma vez que é claro que ele é a pessoa que participou diretamente da negociação, conhece o valor, os fatos e as circunstâncias comerciais que deram origem à transação da mercadoria importada, e é aquele que tem acesso direto aos documentos (contrato, fatura comercial, etc.) que servem de suporte para sua declaração. Neste caso, é razoável que o referido comprador ou importador, sendo o sujeito passivo da obrigação fiscal aduaneira, ou o seu representante legal no caso de uma pessoa coletiva2 , assuma absoluta e diretamente a responsabilidade prevista no artigo 13.º da Decisão 571. b) O segundo cenário surge quando o DAV é elaborado e assinado por um terceiro autorizado em nome do comprador ou importador, como pode ser o caso de despachantes aduaneiros, que atuam como profissionais auxiliares destinados a facilitar a operação aduaneira em nome de terceiros e não participam diretamente da transação comercial que deu origem à importação da mercadoria que será valorada, pelo contrário, são apenas encarregados de cumprir as formalidades e procedimentos relacionados com uma operação de importação ou exportação; ou seja, preparam e assinam um DAV com base nas informações e documentação fornecidas pelo comprador ou importador. Na medida do previsto no direito nacional do Estado-Membro em causa. Ibidem. Nota Judicial 012-2022 8 Neste caso, o terceiro autorizado (despachante ou despachante aduaneiro) não será responsável pelos aspectos previstos no artigo 13 da Decisão 571 se somente se limitar a transcrever de forma precisa, confiável e literal no DAV as informações e documentação que foram fornecidas pelo comprador ou importador. Isto aplica-se aos princípios da boa-fé e da confiança legítima, repita-se. Assim, para determinar a responsabilidade de um terceiro autorizado pela veracidade ou exatidão das informações ou do valor declarado à Alfândega, referida Corte considera que devem ser levados em consideração os seguintes critérios: Um terceiro autorizado (despachante ou despachante aduaneiro) assumirá a responsabilidade prevista no artigo 13 da Decisão 571, nos seguintes casos: 1) Quando não incluir todas as informações e documentação fornecidas pelo comprador ou importador no DAV. Ou seja, eue, como já mencionado, pode ser uma agência de corretagem ou um despachante aduaneiro. Nota Judicial 012-2022 9. Os dados relativos à importação (descrição da mercadoria, origem, quantidade, valor, peso, qualidade, entre outros) não correspondem em sua literalidade, integridade ou exatidão aos dados e documentos efetivamente fornecidos pelo comprador ou importador, relativos à mercadoria sujeita a avaliação; 2) Quando, apesar de ter utilizado as informações e a documentação fornecidas pelo comprador ou importador, estas tenham sido erroneamente transcritas no DAV ou registados de forma parcial ou inexata; ou, 3) Quando, apesar de terem utilizado como base para a preparação do DAV as informações e a documentação fornecidas pelo comprador ou importador, os valores declarados forem ostensivamente ou desproporcionadamente baixos ou não corresponderem à realidade comercial de tais transações; ou, se os dados forem manifestamente inexatos, falsos ou fraudulentos".

Assim a legislação aduaneira brasileira obsta, peremptoriamente, a que a pessoa que seja despachante aduaneiro, ou ajudante de despachante aduaneiro, possa ter nessas atividades, direta ou indiretamente, os mesmos interesses do exportador ou importador.

Conforme citado na fundamentação da citada Cosit 67, de forma mais precisa, sendo o objetivo da norma afastar potenciais conflitos de interesses, deve-se entender por atuação direta ou indireta na exportação ou importação de mercadorias qualquer situação que torne uma pessoa registrada como despachante aduaneiro, ou seu ajudante, interessado, como o é o exportador ou o importador, em operações de exportação ou importação.

Por isso, dada a natureza de função pública da atividade de despachante aduaneiro, e de seu ajudante, a salvaguarda do interesse público — a que visam os princípios administrativos mencionados precedentemente  impõe concluir na referida Decisão Aduaneira que qualquer sócio de uma pessoa jurídica cujo objeto social seja a exportação ou importação de mercadorias, ou o comércio interno de mercadorias estrangeiras, é interessado nessas operações e, portanto, não pode ser um despachante aduaneiro, ou ajudante de despachante.

Em via inversa o despachante, também, não pode ser responsabilizado por atos dos empresários de comércio exterior em operações de importação ou exportação, mas somente por responsabilidade civil decorrente da extrapolação de sua função.

Por fim, cabe lembrar que os conceitos empresariais e contábeis são desenvolvidos de acordo com standards internacionais pelo que a decisão andina parece ser mais um caso de desconhecimento judicial pleno acerca dos meandros da atividade aduaneira, problema que também ocorre no Brasil. 

É o nosso posicionamento, s.m.j.

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