Opinião

Momento adequado para impugnação de árbitro fundada em suspeição

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11 de fevereiro de 2023, 10h54

Para quem atua em âmbito arbitral, seja como advogado, parte ou mesmo árbitro, a discussão não é nova. No entanto, mais um precedente relevante foi escrito na tentativa de trazer luz à espinhosa questão relativa ao momento adequado para impugnação de árbitro fundada em suspeição.

Em novembro/2022, a 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo negou a anulação de sentença arbitral pretendida com fundamento em suposta parcialidade do árbitro arguida posteriormente à conclusão do procedimento arbitral.

Na hipótese submetida à apreciação do Judiciário paulista, após ter sido condenada em procedimento arbitral ao pagamento de mais de R$ 4 milhões, a parte que pretendia a anulação alegou que um dos árbitros componentes do painel seria amigo íntimo da parte adversa e tinha, com ela, relações profissionais. Argumentou-se que o árbitro violou o dever de revelação ao não ter feito constar do formulário a suposta proximidade aos adversários e que, portanto, a sentença arbitral não teria sido proferida de forma imparcial, com a independência e lisura que a Lei 9.307/96 exige.

Em síntese, a improcedência dos pedidos foi declarada em primeira instância e confirmada no TJ-SP ao relevante e fundado entendimento de que não teria havido a descoberta de fato novo após a conclusão do procedimento arbitral pela parte que pretendia a anulação da sentença, mas sim, que se tratava de "alegação nova de fato pretérito (…) de conhecimento público e que era de fácil verificação antes mesmo da própria instauração do procedimento arbitral (…)", conforme ressaltado pelo desembargador relator Jorge Tosta (Apelação nº 1097621-39.2021.8.26.0100).

Sabe-se que superada a fase de instauração e aceitação de uma arbitragem, passa-se à indicação dos árbitros, sendo que, após isso, cada indicado recebe um formulário/questionário da Câmara Arbitral para responder, indicar dados e informações relevantes, dentre elas, as de caráter pessoal, profissional ou qualquer outra que indique impedimento, suspeição ou prejuízo na atuação no procedimento ou, ainda, que denote dúvida justificada quanto à imparcialidade, independência e/ou prejudique a hígida atuação no procedimento.

Trata-se de obrigação legal e positivada no artigo 14, §1º, da Lei 9.307/96, que impõe o dever de revelação antes da aceitação da função. O §2º do citado artigo, por sua vez, dispõe que o árbitro somente poderá ser recusado por motivo ocorrido/conhecido após sua nomeação; ou antes, quando não for nomeado diretamente pela parte.

Em que pese a matéria atinente a extensão e profundidade do dever de revelação também gerar calorosos debates na comunidade jurídica e, não por vezes, culminar em alegações de parte a parte num procedimento arbitral, o que se deve ter em mente é que o árbitro indicado deve dispor acerca dos motivos pelos quais estariam ou não suspeito ou impedidos de atua.

Por mais que seja um dever ético, legal e que sobre o árbitro paire as regras de responsabilidade civil, também é um dever (legal e moral) das partes litigantes investigarem os indicados ao painel arbitral, o histórico de atuação, vínculos profissionais e até mesmo pessoais, sociedades que integram ou integraram num passado recente, dentre outros fatores que podem ser arguidos e solicitados os esclarecimentos em prazo próprio e dentro da arbitragem.

Se mesmo após eventual esclarecimento apresentado pelo árbitro houver dúvidas ou indícios de parcialidade ou vinculação a algum dos litigantes, a parte que se sentir prejudicada pode (e deve) comunicar ao Tribunal Arbitral para que faça instaurar o "Comitê de Impugnação", que será responsável por avaliar e julgar a questão de forma independente.

Isto é, de um jeito ou doutro, a impugnação deve se dar ainda no âmbito do procedimento arbitral e em fase própria. Se, após a fase de indicação dos árbitros e, consequentemente, de impugnação, as partes se calarem — ou porque realmente não têm nada a desabonar a atuação dos indicados ou porque simplesmente não se manifestaram — os árbitros estarão aceitos e legitimados a processar e decidir. Obviamente que se durante o curso do procedimento arbitral as partes tomarem conhecimento de fato efetivamente "novo" e que passe a impedir ou que já impedia a atuação daquele árbitro, deverá alegar e comprovar imediatamente e na primeira oportunidade que tiver.

É importante dispor que a omissão do árbitro não significa, por si só, possível impedimento, suspeição ou atuação parcial ou faltado independência. Em casos concretos, deve o juiz avaliar a relevância do fato não revelado para decidir eventual ação anulatória, conforme Enunciado 110 da 2ª Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial do Conselho da Justiça Federal (CJF).

No processo em que o TJ-SP negou a anulação, sequer omissão do árbitro se tratava. O árbitro impugnado declarou na fase de indicação do painel arbitral, que, no passado, a sociedade de advogados da qual é sócio teria atuado em litígio para uma parte então ligada a uma das litigantes na arbitragem, mas que não guardava estrita relação com as litigantes ou com o procedimento arbitral a que fora indicado, não enxergando motivos para declinar da indicação.

Assim, houve oportunidades e "gatilhos" para investigar e agir a tempo e modo, isto é, à época da indicação/impugnação dos árbitros durante o próprio procedimento arbitral. Aquele que "se sentiu prejudicado" teve conhecimento de fatos que poderiam ter sido alegados contemporaneamente às informações reveladas, mas optou pelo silêncio, insurgindo somente após ter uma sentença desfavorável a seus interesses.

O TJ-SP ainda pontuou que a parte estaria a praticar ato contraditório, justamente porque teve oportunidade e condições de investigar previamente os motivos de suspeição/impedimento do árbitro, mas somente o fez após a decisão desfavorável, "evidenciando manifesto comportamento desleal e atentando contra os deveres de transparência e colaboração que deve existir em todo procedimento arbitral, como, a propósito, em qualquer procedimento de caráter jurisdicional". Ainda, entendeu que a parte estaria a violar a boa-fé — imperativo de conduta positivado no artigo 422 e ss. do Código Civil — dispondo que "uma das funções primordiais da boa-fé objetiva, que é a de limite ao exercício de direitos subjetivos, notadamente a vedação a comportamento contraditório, o que parece estar evidenciado no caso dos autos, na medida em que houve a aceitação dos árbitros sem qualquer restrição e, após a sentença arbitral desfavorável, a alegação de quebra do dever de revelação, com base em fatos pretéritos que os autores sabiam ou deveriam saber e que, a rigor, nem mesmo implicaria na quebra da necessária isenção e imparcialidade do árbitro".

A hipótese, portanto, determinava uma atuação da parte no âmbito do procedimento arbitral e em fase própria, sobretudo porque teve elementos para agir desde as informações fornecidas pelo árbitro no formulário.

Diversa é a situação em que uma parte toma conhecimento de um fato efetivamente novo após a sentença arbitral e que possa ter influído no julgamento. Por mais que a parte tenha o dever de investigar e o árbitro de revelar, pode ser que algo não tenha sido informado, descoberto ou possível de ser verificado quando do curso do procedimento, devendo a parte fazer prova 1) do conhecimento do fato novo; 2) da impossibilidade de conhecimento prévio desse fato; 3) dos motivos pelos quais entende que teria influído no julgamento e 4valer-se de procedimento judicial próprio no prazo decadencial de 90 dias contados do recebimento da notificação da respectiva sentença, parcial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos.

Deve-se ter em mente que a Lei precisa estabilizar situações jurídicas e dar às partes a segurança de que determinada decisão será firme, não sendo razoável pensar que uma parte que alegue prejuízo não tenha se insurgido durante o procedimento arbitral quando tinha, inclusive, elementos para.

Obviamente que toda análise deve ser casuística para que se profira a decisão judicial mais justa e adequada a determinado caso, como ocorreu no julgamento da Apelação Cível nº 1055194-66.2017.8.26.0100, também pelo TJ-SP e no mesmo ano de 2022, em que foi anulada sentença arbitral por um dos árbitros ter atuado, no passado, com uma das partes litigantes, ocasionando a devolução à Câmara para formação de novo Painel Arbitral e julgamento.

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