Opinião

Defensoria Pública e o debate sobre o "zero-rating" e a internet patrocinada

Autor

  • Vitor Valdir Ramalho Soares

    é defensor público estadual (ES) coordenador de atendimento ao cidadão na Grande Vitória coordenador cível (em exercício) membro do Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor (Nudecon) pós-graduando em medicação e negociação de conflitos membro do Legal Informatics Laboratory (LI_LAB) do Centro de Direito Tecnologia e Inovação (DTIBR) e autor de artigos.

8 de fevereiro de 2023, 6h38

"Acesso patrocinado" ou "internet patrocinada" é a possibilidade de os usuários acessarem determinados sites ou aplicativos sem que o acesso seja debitado da franquia de dados contratada com as empresas de internet (empresas de telecom).

De acordo com a Wikipédia, o termo "internet patrocinada" é um gênero com algumas espécies, dentre elas a "zero-rating de aplicativos", situação em que "as operadoras tomam a iniciativa de oferecer o acesso patrocinado a um grupo de aplicativos ou serviços, sem exigir nenhuma forma de tarifa por parte dos provedores de conteúdo e aplicativos" [1].

No Brasil, é comum que as empresas de telecom (Vivo, TIM, Claro) permitam aos consumidores que continuem usando WhatsApp, Instagram e Facebook (todos de propriedade da Meta Plataforms, Inc.) mesmo que consumidor não tenha créditos em seu plano de dados contratado.

O tema é relevante, principalmente levando em conta pesquisa do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e do Instituto Locomotiva, pela qual a maior parte da população com planos pré-pagos fica sem dados até o dia 19 do mês, e a partir daí usa apenas os apps oferecidos em zero rating [2].

Alguém pode perguntar: "mas que mal há nisso, já que o consumidor continuará usando os aplicativos de forma gratuita, mesmo depois de encerrada a franquia do plano de dados"?

Apesar de a princípio parecer algo bom disponibilizar acesso a aplicativos mesmo depois de "ter acabado a internet", argumentos contrários mostram que há muitos males nisso, sendo o principal deles a restrição e limitação no acesso à informação e comunicação, já que o consumidor passará a se informar exclusivamente pelas notícias que chegam naqueles aplicativos escolhidos a dedo por terceiros, e não os consumidores.

Outros males, ainda podem ser: 1) o "zero-rating" pode levar a práticas anticoncorrenciais; 2) pode ser usado para favorecer determinadas empresas ou aplicações; 3) pode limitar o desenvolvimento de novas aplicações e serviços; 4) pode aumentar as desigualdades em termos de acesso à Internet.

Nesse raciocínio, alguns estudiosos sobre o assunto [3] defendem ser necessária maior proteção à neutralidade da rede, ou seja, a internet deveria estar disponível da mesma forma para todas as pessoas, não sendo possível que uns possam acessar apenas alguns aplicativos, enquanto outros possam acessar todos (bastando ter dinheiro para tanto).

Agora que foi explicado o conceito de internet patrocinada, a pergunta surge: por qual motivo a Defensoria Pública precisa entrar nesse debate? Em primeiro lugar, porque cabe a essa instituição atuar na promoção de direitos humanos [4], o que significa que seus membros devem agir de forma proativa com o objetivo de ser um megafone para a voz das pessoas necessitadas. Isso significa que não cabe aos membros da Defensoria Pública decidir por si sós o que merece ou não atuação, devendo ouvir as pessoas envolvidas com o objetivo de atuar ao lado delas na busca da solução de suas demandas sempre com objetivo de redução das desigualdades sociais e viabilizar maior autonomia na tomada de decisões [5].

Além disso, está previsto na Constituição que a Defensoria Pública é "expressão e instrumento do regime democrático", ou seja, a Instituição é manifestação clara da democracia, além de ser um instrumento para se fortalecer o regime democrático de forma ampla.

Por essas razões, considerando ser público que movimentos sociais e associações de defesa do direito dos consumidores estão à frente do assunto [6], cabe à Defensoria Pública participar democraticamente do debate por duas razões principais: 1) para defender a neutralidade da rede; e 2) para atuar — inicialmente de forma extrajudicial — no sentido de que as empresas de telecom possibilitem acesso aos sites e aplicativos das Defensorias sem debitar o serviço na franquia de dados da população necessitada.

A segunda razão exposta no parágrafo anterior tem a ver com o fato de o acesso à justiça ser um direito que funciona como cláusula pétrea [7], e a Defensoria Pública ser o instrumento público previsto na Constituição Federal para que seja garantido esse direito.

Assim, levando em conta que os sites e aplicativos das Defensorias Públicas brasileiras funcionam como centrais de atendimento às pessoas necessitadas — disponibilizando agendamento eletrônico, serviços de chat e chatbot, diálogo via WhatsApp com atendentes etc —, quando o cidadão/assistido/usuário acessar os sites e aplicativos com endereço defensoria.br, tal acesso não deverá será computado no plano de dados contratado com a empresa de telecom, pois não é justo que as pessoas necessitadas, com planos pré-pagos, tenham acesso ao WhatsApp, Facebook e Instagram, mas fiquem impossibilitadas de acessar o serviço essencial da Defensoria Pública.

Nesse raciocínio, em janeiro de 2023 a Defensoria Pública do Espírito Santo, por meio de seu Núcleo Especializado de Defesa do Consumidor (Nudecon), expediu Ofícios às empresas de telecom brasileiras com o intuito de abrir debate sobre o assunto, tendo expectativa de iniciar um debate profícuo que possa ser espraiado pelas demais Defensorias pelo Brasil.

Por fim, fica aqui a sugestão para que as associações defensoriais e as Defensorias Públicas ingressem no debate com objetivo de viabilizar a aprovação do Projeto de Lei 3.883/2019, o qual prevê a possibilidade de acesso a serviços digitais essenciais (em sentido amplo) sem desconto em seu pacote de dados [8].

 


[4] CF/88. Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal

[5]LC 80/94: Art. 3º-A. São objetivos da Defensoria Pública: I – a primazia da dignidade da pessoa humana e a redução das desigualdades sociais; (…) III – a prevalência e efetividade dos direitos humanos;

[7] CF/88. Art. 5º, LXXIV – o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

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