Opinião

Prematura ou imatura saída da conciliação do processo sancionador ambiental?

Autor

  • Bruno Malta Pinto

    é advogado especializado em Direito Ambiental do Escritório William Freire Advogados Associados mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) especialista em Direito Constitucional pelo Anhanguera ex-servidor público da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) e professor da pós-graduação em Direito da Mineração do Centro de Estudos em Direito e Negócios (Cedin).

7 de fevereiro de 2023, 7h08

Muito se tem comentado e escrito acerca do novo Decreto Federal nº 11.373, de 1º de janeiro 2023, que trouxe alterações  dentre revogações, alterações textuais e acréscimo de dispositivos  no Decreto Federal nº 6.514/2008 que, por sua vez, dispõe sobre infrações e sanções administrativas ao meio ambiente, estabelece o processo administrativo federal para apuração dessas infrações.

Dentre as mudanças alardeadas, a revogação dos dispositivos que previam a conciliação ambiental merece destaque e análise. Desde a sua implementação no Decreto Federal nº 6.514/2008, por intermédio das alterações nele promovidas pelo Decreto Federal nº 9.760/2019, é bem verdade que de muito pouco espaço gozou o instituto para se firmar e consolidar no cenário dos processos administrativos sancionadores.

Embora a previsão da conciliação ambiental nesses processos de apuração de infrações ambientais tenha se dado, conforme mencionado, a partir do decreto publicado em 12 de abril de 2019, as audiências de conciliação somente puderam, de fato, ter alguma perspectiva de implementação com a publicação da Instrução Normativa Conjunta MMA/Ibama/ICMBio nº 02/2020 [1], publicada em 30 de janeiro de 2020.

Ainda assim, não se pode esquecer que o arcabouço de regras para a concretização das conciliações se deu em meio ao contexto pandêmico de emergência de saúde mundial causada pelo coronavírus, o que levou à suspensão de audiências até então programadas, só vindo a serem retomadas em 30 de novembro de 2020, quando foi publicada a Portaria Conjunta nº 589/2020, que retomou as audiências de conciliação ambiental.

Nota-se, nessas breves linhas, que desde a sua previsão até a revogação operada pelo Decreto Federal nº 11.373/2023, não se completaram 3 anos de efetiva implementação da conciliação ambiental no âmbito dos processos administrativos sancionadores.

Medir o sucesso ou insucesso desse instituto durante o breve período de vigência das disposições normativas que o previram é, no mínimo, leviano, seja porque há falta de uma métrica e de dados aptos a embasar uma análise minimamente segura, seja porque a consolidação de qualquer instituto jurídico depende  mais uma vez  de tempo.

Conforme informações prestadas pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Hídricos [2], entre a publicação da Instrução Normativa Conjunta MMA/Ibama/ICMBio nº 02/2020 e a decretação da emergência mundial de saúde pública, foram realizadas 05 (cinco) audiências. Com a retomada autorizada pela Portaria Conjunta nº 589, de 27 de novembro de 2020, a autarquia federal [3] informou que no ano de 2021 houve 1507 conciliações, sendo que dessas, 67% (sessenta e sete por cento) foram frutíferas. No primeiro quadrimestre de 2022 estimou-se a celebração de 595 acordos.

Considerando-se, além do cenário pandêmico, o notório sucateamento dos órgãos ambientais (federais, estaduais ou municipais, mas, aqui, os federais), os números não parecem desalentadores mas, precisam ser medidos e melhor estudados. Certo é, porém, que sacrificar o instituto e comemorar a sua extirpação dos processos sancionadores ambientais é leviano e apressado.

Voltando olhos para a conciliação adotada no âmbito dos processos judiciais, veremos que há mais de uma década que o Judiciário se debruça sobre esse que é um instrumento de pacificação social, tendo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editado a Resolução n. 125/2010, dispondo sobre a Política Judiciária de Tratamento Adequado dos Conflitos de Interesse no Âmbito do Poder Judiciário. Quatro anos mais tarde, editou a Resolução nº 50/2014, com a finalidade de estimular e apoiar os tribunais na adoção de técnicas consensuais de resolução de conflitos e, mais recentemente, em 2020, com a Resolução n. 325, reconheceu como macrodesafio do Judiciário a questão acerca da prevenção de litígios e adoção de soluções consensuais para conflitos.

Não se desconsidera que há pressupostos jurídicos essencialmente diversos quando se comparam os processos judiciais e os administrativos. Nota-se, porém, que a construção dessa cultura jurídica alternativa de solução de conflitos nos processos judiciais se dá no curso do tempo, porque é um processo e, como tal, demanda  além do tempo  medição, análise, ajustes e paciência e, somente assim, a ferramenta ou instrumento da conciliação pode ser adequadamente utilizada.

Os críticos da conciliação ambiental nos processos sancionadores se apressaram em afirmar que se trataria de (mais uma) fase procedimental, servindo de entrave burocrático à cobrança das multas aplicadas em autos de infração. O argumento, entretanto, não se sustenta porque, como afirmado, os números não permitem  ainda  uma conclusão nesse sentido.

Além disso, a previsão de uma fase conciliatória, ou melhor, a sua extinção agora com o Decreto Federal nº 11.373/2023, não é garantia de celeridade ou eficiência administrativa na análise, processamento e julgamento desses processos sancionadores, que como sabido, tem prazo para acontecer, sob pena de ver-se fulminada a pretensão de cobrança da multa.

Colocada de outra forma a questão: a exclusão de uma etapa procedimental não resolve o problema do sucateamento dos órgãos ambientais federais. Ou seja, se falta pessoal para conciliar, faltaria também para analisar, processar e julgar esses mesmos processos sancionadores. E isso, sem falar dos servidores que faltam para fiscalizar e licenciar atividades capazes, ainda que potencialmente, de causar impactos sobre o meio ambiente.

Ainda na esteira das críticas que foram feitas à conciliação ambiental nos processos sancionadores federais afirma-se que, pragmaticamente, pouco ou nenhum viés de "conciliação" as poucas audiências realizadas tiveram.

Isso porque o Núcleo de Conciliação previsto nas regras que balizaram o instituto era formado por servidores e, dessa forma, não haveria um terceiro desinteressado (imparcial), apto a conduzir o procedimento conciliatório.

Além disso, ao fim e ao cabo, o que se propunha nessas audiências conciliatórias não era nada diverso dos meios legalmente previstos para a solução dos processos (pagamento com desconto, pagamento parcelado e conversão da multa em serviços de preservação) previstos na instrução normativa conjunta.

Ao teor da crítica poderia ser oposta a falta de amadurecimento procedimental e institucional do instrumento da conciliação nos processos sancionadores, como aqui se tem sugerido. Ademais, de volta aos números oficiais, se no ano de 2021 foram realizadas 1507 audiências de conciliação, dentre as quais 67% foram consideradas exitosas, o que sugere que uma das soluções legais para encerramento dos processos foi adotada, significa que o instrumento não era o entrave para a cobrança das multas ambientais e bem ou mal, com desrespeito ou acatamento aos direitos dos cidadãos/autuados, serviu de via seguramente mais rápida para extinguir processos e garantir receita aos cofres públicos.

De toda forma, com a extinção do instituto da conciliação ambiental nos processos administrativos sancionadores ante a alteração promovida pelo novo decreto, abre-se o questionamento quanto à realização das audiências que foram solicitadas pelos autuados antes dessas alterações e quanto à abertura de prazo para apresentação de defesa nesses casos.

Com a extirpação do instituto do cenário jurídico dos processos sancionadores não há que se falar em direito adquirido à realização da fase conciliatória por se tratar de regra de natureza processual e, por isso, aplicável desde logo, acompanhando-se a dinâmica procedimental.

Por outro lado, é inegável o dever da Administração Ambiental em promover novas notificações em todos aqueles processos sancionadores em que houve manifestação do autuado pela realização da fase conciliatória, já que o contraditório e a ampla defesa, além de se constituírem em princípios de todo e qualquer processo administrativo, são garantias constitucionais.

O novo Decreto Federal nº 11.373/2023 veio na esteira de uma gama de publicações normativas do novo Governo logo nos primeiros dias de sua gestão, em clara resposta à gestão ambiental anterior.

A modificação processada no Decreto Federal nº 6.514/2008, tal como se deu e especificamente no que se relaciona à conciliação ambiental aqui brevemente analisada, parece-nos imatura, porque mal avaliada e, a pretexto de resolver um problema relativo à ineficiência administrativa, desconsidera outras causas para o problema, sem, por ora, solucioná-los.

 


[1] A IN MMA/Ibama/ICMBio nº 02/2020 foi revogada pela IN MMA/Ibama/ICMBio nº 01/2021.

[3] No sítio eletrônico do Instituto Chico Mendes para Conservação da Biodiversidade não foram encontrados resultados e índices relacionados às conciliações ambientais.

Autores

  • é advogado especializado em Direito Ambiental do Escritório William Freire Advogados Associados, mestre em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista em Direito Constitucional pelo Anhanguera, ex-servidor público da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) e professor da pós-graduação em Direito da Mineração do Centro de Estudos em Direito e Negócios (Cedin).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!