Opinião

Desmistificando a pós-graduação em direito no exterior (parte 2)

Autores

  • Luís Henrique Perroni Fernandes

    é advogado sênior do escritório Pinheiro Neto Advogados bacharel em Direito pela PUC-SP LLM pela University of Pennsylvania Carey Law School e master in business economics pela Fundação Getúlio Vargas (FGV EESP).

  • João Vitor de Araujo Crepaldi

    é advogado sênior de Pinheiro Neto Advogados LL.M. em Direito pela Northwestern Pritzker School of Law (2019) e ex-international visiting associate no escritório Latham & Watkins em Chicago.

7 de fevereiro de 2023, 9h09

Continuação da parte 1

O aprimoramento acadêmico e profissional na área do direito pode se dar de diferentes maneiras, no Brasil ou no exterior. A opção pelo exterior certamente não é a mais trivial e isso se deve em grande parte à enorme assimetria de informações sobre o assunto. Quanto custa uma pós-graduação no exterior? Qual é a melhor idade para ir? Há opções de bolsa de estudos? E de financiamento? Quais são as faculdades mais renomadas em determinada área do direito? Qual é o efeito na carreira no curto e no longo prazo?

Não há fontes confiáveis que reúnam essas — e outras — informações sobre pós-graduação em direito no exterior de forma organizada, completa e gratuita. O bacharel em direito que queira estudar no exterior geralmente está diante de um quebra-cabeça difícil, de muitas peças, com diferentes formatos. E a resposta para resolver esse quebra-cabeça está pulverizada nos sites das universidades estrangeiras e, principalmente, nas conversas com ex-alunos.

Essa fase de exploração é lenta e demanda tempo, energia e certa "cara-de-pau". Em grandes escritórios de advocacia, em que há vários associados e sócios, é bem provável que a informação esteja perto. Na sala ao lado. No café. No almoço de equipe. No caminho de volta de uma reunião. É mais fácil a interação entre pessoas que já trilharam o caminho de estudo no exterior e os futuros candidatos.

Mas sabemos que a comunidade jurídica não é formada somente por grandes escritórios de advocacia. Pensando nisso, reunimos abaixo 20 perguntas comuns para quem tem curiosidade, planos, ou está decidido a cursar uma pós-graduação no exterior. Esse texto está dividido em duas partes, sendo a primeira parte contendo dez perguntas e respostas com maior foco no programa de pós-graduação no exterior e processo de admissão, e a segunda, com outras dez e perguntas e respostas com maior foco na carreira.

Esperamos que essas perguntas sejam um incentivo, não para cursar uma pós-graduação no exterior necessariamente, mas para que explorem, reflitam, pensem nos diferentes caminhos disponíveis e, assim, tomem decisões profissionais e acadêmicas fundamentadas.

Perguntas e respostas
11. Tenho uma família. Cursar pós-graduação no exterior é viável nesse caso?
Sim, é totalmente viável cursar uma pós-graduação no exterior tendo uma família. Neste caso, a decisão deixa de ser exclusivamente individual e deve levar em conta o momento de cada membro da família. A logística é um pouco mais complexa, mas é uma excelente oportunidade para aproveitar um momento especial e ter novas experiências em família.

Para casais sem filhos, há quem "suspenda" os projetos pessoais/profissionais no Brasil para acompanhar o seu par durante o período em que residirem no exterior. Alternativamente, há possibilidades de trabalhos remotos. Já aqueles que pretendem ir com seus filhos, é preciso considerar questões adicionais, tais como escola, pediatra, plano de saúde (que normalmente é um custo elevado em razão do maior número de pessoas), alimentação, facilidade de locomoção pela cidade, opções de lazer, entre outros detalhes que podem variar em cada situação.

A escolha da cidade é um dos principais itens para ser levado em consideração. E esta decisão dependerá em grande parte do perfil do casal e dos filhos. Em resumo, há duas opções básicas: (1) as chamadas "college towns", pequenas cidades ou distritos onde estão localizados grandes centros universitários, como é o caso das Universidades de Michigan, localizada em Ann Arbor, ou Virgínia, localizada em Charlottesville; ou (2) as cidades mais metropolitanas, como Nova York, Chicago ou Londres. No primeiro caso, há uma imersão na experiência estudantil americana de viver a — e na — universidade; nestes casos, há muitas oportunidades para se conhecer e vivenciar a cultura local, os estudantes estrangeiros formam grandes grupos e costumam fazer os seus próprios eventos, muitas vezes em suas casas. Já no caso de grandes cidades, há maiores opções de entretenimento, como bares, restaurantes, espetáculos etc.— uma vida de cidade grande que boa parte daqueles que aplicam para um LL.M. já estão acostumados. Fato é que, seja a primeira ou a segunda opção, sempre há chance de se viajar pelo país ou região para conhecer algo novo!

As universidades normalmente têm grupos e/ou programas voltados para famílias. Seja aulas especiais para aprimoramento do idioma, encontros para troca de experiências ou eventos culturais dentro e fora do campus.

No geral, as considerações adicionais para estudantes com famílias são facilmente superadas. É importante conversar com pessoas que já passaram por esta experiência com família para ouvir dicas do que fazer o que não fazer!

12. Há estruturas alternativas de cursos de pós-graduação?
Por diferentes razões, há quem encontre dificuldades em residir no exterior, ininterruptamente, por quase um ano. E, pensando nesses candidatos, há faculdades norte-americanas que oferecem o LL.M. executivo, em que a pós-graduação é cursada em modelo híbrido — alguns meses do ano presencial e outros remoto. É natural que a experiência seja diferente do LL.M. tradicional, seja pelo tamanho da sala, grau de interação com colegas e imersão em outro país, mas há também aspectos bastante positivos, como por exemplo um networking entre profissionais mais experientes. Faculdades de ponta como Columbia Law School, Berkeley Law, Northwestern Pritzker School of Law, entre outras, oferecem boas opções de cursos neste formato.

13. Como escolher a faculdade ideal no exterior para cursar? Para quantas faculdades eu aplico? Ranking importa?
Não há uma regra. Como há uma taxa de aproximadamente US$ 100 por inscrição, os candidatos costumam fazer uma seleção prévia. Há duas questões importantes para se considerar: (a) vale se inscrever nas faculdades em que realmente deseja estudar, considerando que o projeto é caro, longo e trabalhoso; (b) como há um lapso temporal entre a inscrição e a divulgação dos resultados, que pode ser de até seis meses, a sugestão é prestar todas as faculdades que tiver vontade de estudar para, então, fazer a escolha final; muita coisa pode mudar nesse período. Há quem preste 2, 4, 6, 10, 15 faculdades, inclusive em diferentes países.

A escolha final da faculdade geralmente é resultado de uma combinação de fatores. Renome da faculdade, renome dos professores na sua área de atuação ou de interesse, bolsa de estudos concedida pela faculdade, cidade em que a faculdade está localizada, clima, distância dos grandes centros (sobretudo para quem tem como objetivo trabalhar no exterior após o curso de pós-graduação ou investir em networking), eventual destaque de alguma outra escola, além do direito, que tenha interesse (e.g., business). É comum que cada candidato tenha a sua ordem de prioridade com relação à tais aspectos. É importante pesquisar em diferentes fontes!

14. Estou cursando a graduação em direito, mas tenho planos de estudar no exterior no futuro. Há algo que eu possa fazer desde já para aumentar as minhas chances de ingresso?
É perfeitamente comum que o desejo de estudar no exterior seja construído com os anos, ao longo da carreira. Mas há casos em que, desde a graduação no Brasil, o estudante tenha planos firmes de cursar um aperfeiçoamento no exterior. Independentemente do caso, é interessante que o aluno da graduação saiba, desde cedo, as diferentes oportunidades que a carreira pode oferecer.

Assim, pensando nessa possibilidade, o estudante da graduação deve se preocupar com o aprendizado/aperfeiçoamento da língua inglesa e com atividades extracurriculares que tornem o seu perfil mais interessante aos olhos dos avaliadores estrangeiros— como exemplos, podemos citar: monitoria, iniciação científica, grêmio estudantil, estágios, congressos, trabalhos voluntários, entre outras atividades que demonstrem força de vontade e liderança. Mas, uma dica: pare e pense nas atividades que façam sentido.

15. Ainda tenho dúvidas a respeito da minha carreira. Vale a pena investir em um curso de pós-graduação no exterior ou devo aguardar?
Há quem vá para o exterior para se aprofundar em sua área de atuação ou interesse, e há quem vá com o objetivo de se beneficiar da pós-graduação no exterior para fazer uma mudança de carreira. Os dois caminhos são perfeitamente válidos e relativamente comuns. No entanto, independentemente do racional por trás do projeto no exterior, é preciso que haja um amadurecimento pessoal anterior. É essa área que tenho interesse em aprofundar? Ou, ainda, tenho ideia de quais caminhos seguir ao mudar o direcionamento da minha carreira?

16. Os empregadores no Brasil costumam incentivar cursos de pós-graduação no exterior? Existe algum tipo de financiamento?
Há empregadores de menor porte que, por conta de sua estrutura enxuta, não possuem plano de carreira ou projeto de aperfeiçoamento estruturado. Nessa situação, o melhor seria conversar a respeito dos planos pessoais, pois é possível que cada situação seja tratada de forma individualizada. Mas, mesmo que eventualmente não haja incentivos financeiros, é bem provável que haja um apoio no processo, com cartas de recomendação e orientações. Com relação à empregadores de maior porte, principalmente escritórios de advocacia reconhecidos, é esperado que haja algum incentivo institucional, total ou parcial. É sempre recomendável que o potencial candidato, se possível, converse com os seus pares e superiores a respeito do projeto, para que este seja construído de forma conjunta.

17. Qual é o impacto na carreira de um curso de pós-graduação no exterior?
Diferentemente de outras áreas, o mercado jurídico no Brasil não costuma premiar especificamente os profissionais que concluíram cursos de pós-graduação no exterior. Os profissionais que vão para o exterior e regressam ao mercado brasileiro, eventualmente para o mesmo lugar em que trabalhava antes, costumam tratar esse movimento como um investimento na carreira que pode se materializar no médio ou longo prazo, em momentos mais estratégicos da carreira. Por exemplo, no momento de se tornar sócio do escritório de advocacia em que trabalha (em grandes escritórios, cursar um LL.M. e/ou ter experiência internacional tem se tornado um requisito cada vez mais comum àqueles que almejam a sociedade). Há casos, no entanto, em que o profissional retorna para o Brasil, mas não para o mesmo lugar em que estava antes; nessa situação, é possível que o curso de pós-graduação seja contabilizado de alguma forma no processo de negociação, mas é difícil quantificar a importância que a pós-graduação terá no processo decisório.

18. É possível trabalhar nos Estados Unidos após o curso de pós-graduação?
Sim. Os alunos que concluem a pós-graduação em direito no exterior nos Estados Unidos são elegíveis para o visto Optional Practical Training (OPT), que basicamente autoriza o aluno a ficar mais um ano no país, contado da data de conclusão do curso, desde que comprove oferta de emprego formalmente recebida na área jurídica. Esses alunos podem atuar em escritórios de advocacia americanos como advogado visitante (visiting associate) — também chamado de advogado estrangeiro — sem que haja necessidade de ser admitido nos exames regulares para exercício da profissão nos Estados Unidos (o chamado bar exam). Em geral os escritórios realizam processos seletivos bastante competitivos e os advogados estrangeiros costumam ficar de seis meses a um ano exercendo a posição.

Não se trata de um processo fácil. Há poucas oportunidades específicas para os estudantes brasileiros no em escritórios de advocacia. Nos Estados Unidos, o evento mais conhecido a respeito do tema é a feira de estágio realizada pela Universidade de Nova York. De qualquer forma, o mais comum é que estudantes sejam recomendados por seus empregadores brasileiros às firmas estrangeiras, o que gera um estreitamente de relações entre os escritórios. Para aqueles que não podem contar com um potencial "patrocínio", é ainda mais recomendada a participação em eventos realizados na faculdade, durante os quais é possível interagir com diversos profissionais de mercado e expandir a sua rede de relacionamento.

A permanência do aluno estrangeiro após o curso de pós-graduação nos Estados Unidos, para além do um ano concedido pelo visto OPT, geralmente depende da admissão do aluno no exame de habilitação e de patrocínio de visto próprio para tanto. Embora o mais comum seja o estudante regressar para o Brasil ou estender a sua experiência durante o período concedido pelo OPT, há casos em que os alunos decidem seguir com a carreira nos Estados Unidos.

19. Trabalho em empresa, órgãos públicos, ou organizações internacionais. Faz sentido cursar uma pós-graduação no exterior?
Ainda que grande parte dos bacharéis em direito que optam por cursar uma pós-graduação no exterior sejam advogados em escritórios de advocacia, em razão do maior acesso à informação e de programas de incentivos mais robustos, a realidade é que tais cursos não são voltados unicamente para esse perfil. Aliás, as universidades estrangeiras buscam, durante o processo de seleção de candidatos, uma diversificação de trajetórias e perfis que possam proporcionar interações, dinâmicas e discussões mais interessantes. Por isso não é raro, embora não sejam maioria, nos depararmos com funcionários públicos, advogados internos de empresa, entre outros tantos perfis, que também se beneficiarão da rede de relacionamentos, da rica variedade de matérias oferecidas, dos professores altamente sofisticados, de uma infinidade de eventos interessantes, entre tantas outras atividades.

20. É possível validar o diploma do exterior no Brasil?
Há normas emitidas pelo Ministério da Educação a respeito da revalidação de diplomas de cursos de graduação e ao reconhecimento de diplomas de pós-graduação strictu sensu (mestrado e doutorado), expedidos por estabelecimentos estrangeiros de ensino superior. A impressão que se tem é que esse reconhecimento tem ficado cada vez mais complexo, razão pela qual praticamente não se tem notícias recentes de reconhecimento bem sucedido.

***

As perguntas e respostas acima foram identificadas com base em nossa experiência recente nos Estados Unidos e no conteúdo recebido pela página do Instagram "Por Dentro do LLM", foro de divulgação de informações e trocas de experiências entre alunos, ex-alunos e entusiastas de cursos de pós-graduação em direito no exterior.

Fazemos a ressalva de que, ainda que grande parte das respostas às perguntas acima tentem partir de uma média, trata-se de pontos de vistas dos autores que, por conta de sua subjetividade, não podem ser tratadas como regras. É importante que todos os temas abordados acima sejam pesquisados e debatidos. Trata-se, portanto, de um ponto de partida para a navegação — necessária e saudável — no mundo dos cursos de pós-graduação no exterior.

Autores

  • é advogado sênior de Pinheiro Neto Advogados, criador do projeto "Por Dentro do LLM", LL.M. em Direito pela University of Pennsylvania Carey Law School (2021) e ex-visiting associate no escritório Gibson, Dunn & Crutcher, em Nova York.

  • é advogado sênior de Pinheiro Neto Advogados, LL.M. em Direito pela Northwestern Pritzker School of Law (2019) e ex-international visiting associate no escritório Latham & Watkins, em Chicago.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!