Opinião

Habeas Corpus sem sujeito? Abstrativização desenfreada no Brasil

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7 de fevereiro de 2023, 20h53

Em dezembro de 2022, a ConJur publicou artigo [1] no qual Lenio Streck apresenta um novo round dos equívocos sobre a "cultura dos precedentes" à brasileira: "teses" de observância obrigatória firmadas até em sede de Habeas Corpus.

O presente ensaio problematiza esse round com um exemplo prático.

Antes, uma contextualização.

1. Precedentes, assentos e processo sem sujeito
Apesar de a teoria da separação dos poderes atribuir ao Judiciário a função de aplicar o Direito ao caso concreto, verifica-se uma tendência de abstração do concreto nas práticas judiciais brasileiras. As cortes se afastam cada vez mais da dimensão individual do fenômeno jurídico, por meio de teorias "precedentalistas" objetificantes, que visam apreender a complexidade do universo empírico em enunciados que tenham lugar em outros processos. Com isso, a regra se torna exceção e, no mais das vezes, apenas casos com repercussão considerável são efetivamente analisados e julgados (vide a recente "PEC da Relevância" no Recurso Especial).

Isso tem uma razão de ser.

Há muito, a "jurisprudência lotérica" [2] é um dos grandes problemas do Direito brasileiro. Chama atenção a quantidade de julgamentos díspares dados a casos semelhantes, fatos que desafiam os ideais de segurança jurídica e isonomia. Jurisdicionados desejam que as demandas sejam resolvidas de forma célere e consistente; ao mesmo tempo, deparam-se com a imprevisibilidade das decisões.

Fala-se, então, na necessidade de uniformização da jurisprudência, reforçada pelo CPC/2015, que atribui aos tribunais o dever de mantê-la íntegra, estável e coerente, com respeito aos precedentes judiciais. Nesse desiderato, o diploma normativo prescreveu, no artigo 927, observância obrigatória não só às decisões do STF em controle concentrado de constitucionalidade e enunciados de súmula vinculante, mas também aos incidentes de resolução de demandas repetitivas e de assunção de competência, enunciados de súmula do STJ, além das teses jurídicas firmadas em acórdãos dos recursos extraordinário e especial repetitivos.

Eis, portanto, os provimentos vinculantes, em vertiginosa produção no Direito brasileiro. Esses enunciados são concebidos pelo Poder Judiciário no julgamento de casos concretos, mas deles se deslocam para vincular problemas futuros, em tese de mesma natureza.

Os provimentos suscitam uma série de questões. Vejamos algumas:

Se esses institutos procuram expressar a ratio [3] de decisões, abstraída do contexto do caso julgado para vincular casos semelhantes no futuro, eles podem ser considerados precedentes?

Sua observância obrigatória não viola a separação de poderes?

Se eles têm características essenciais da legislação, em especial vagueza, pretensão universalizante e fim de solucionar problemas posteriores, como acreditar que sua crescente produção poderá reduzir o número de decisões conflitantes e alcançar segurança jurídica [4]?

Os mecanismos brasileiros são muito semelhantes aos assentos [5] portugueses, inicialmente concebidos como interpretações autênticas das leis pela Casa da Suplicação, responsável por fixar o sentido de determinado preceito legislativo em caso de dúvidas hermenêuticas. Depois de fixado, esse sentido adquiria o mesmo valor jurídico das leis e era registrado no livro dos assentos. Adiante, foi atribuída ao Supremo Tribunal de Justiça a tarefa de emiti-los, com força de lei, ao julgarem determinado conflito de jurisprudência.

Tais institutos foram decretados inconstitucionais pelo Tribunal Constitucional em 1993, com grande influência de António Castanheira Neves. A corte lusitana entendeu que a atribuição de mister legislativo aos órgãos judiciários fere a separação de poderes, pois os tribunais se limitam a julgar os casos concretos, de acordo com as formas processuais que objetivam a aplicação do Direito constituído (função judicial), enquanto cabe à Assembleia Nacional o mister de produzir as leis [6].

A comparação entre os provimentos vinculantes e os precursores portugueses se justifica pelo vínculo genético que há entre eles: os institutos lusos foram trazidos para o Brasil na era colonial e, apesar de terem sido formalmente inutilizados no período republicano, influenciaram a criação dos "prejulgados" no CPC de 1939, bem como das "súmulas de jurisprudência dominante" no mesmo diploma processual e no seu sucessor, o de 1973. Influência que não deixa de ser notória — inclusive, fica mais evidente — no Código de 2015, com o dever de observância dos mecanismos enumerados no artigo 927.

No Brasil, Lenio Streck utiliza a Crítica Hermenêutica do Direito para discernir os provimentos vinculantes dos precedentes, legítimo instituto do common law: os primeiros se revelam numa relação geral-particular, enquanto os últimos, de modo particular-particular. É dizer: a decisão tomada pelo tribunal diante de um caso específico serve, justamente, para aquele caso específico; pode até ser utilizada como parâmetro em processos posteriores, desde que tenha sido construída de forma robusta e possua circunstâncias semelhantes, de modo a caracterizar-se como verdadeiro precedente. Não é esse o caso de uma "tese" de efeito vinculante, que visa aplicação geral e futura [7]. Na mesma linha, Georges Abboud adverte contra o paradoxo de se querer vincular tudo e sustenta a necessidade de (eterno) retorno ao caso concreto [8].

Essas concepções são confrontadas com o viés de doutrinadores como Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero, que, embora não equiparem provimentos vinculantes e precedentes, sustentam que as teses dos Tribunais Superiores já vinculam pela autoridade de quem as proferiu [9]. A interpretação dada pelas chamadas Cortes de Vértice a uma questão jurídica deve, nessa ótica, apenas ser aplicada pelas demais instâncias, de modo a reduzir a equivocidade dos textos legais e garantir a unidade do Direito.

Marinoni e Arenhart recorrem à doutrina do stare decisis para sustentar a desnecessidade de previsão normativa, constitucional ou infraconstitucional, que valide a construção de um "sistema de precedentes" [10].

Mas o problema é a desmedida — e desatenta — "importação" de modelos jurídicos, mormente de países de common law.

Pode-se arguir que a crítica ao precedentalismo mira a essência de cada sistema e a forma inadequada de sua internalização no Direito brasileiro, num apego demasiado às formas tradicionais. Assim, surgiriam as questões: embora as teorias importadas tenham, originalmente, determinado sentido, não é possível adequá-las a novas realidades? Se há algum problema nisso, os doutrinadores não deveriam trabalhar especificamente na superação dessas distorções causadas pela diferença cultural (que também carrega em si determinada tradição)?

Ainda, é possível sustentar que a interpretação proposta a partir da CHD se concentra excessivamente no sentido dos modelos de civil law e common law, o que a tornaria inadequada para compreender a cultura dos precedentes no Brasil.

Eis um ponto crucial para o debate, pois, se se critica o modelo nacional por ele não se adequar essencialmente ao modelo importado (essência tradicionalmente constituída), também é preciso, por coerência, defender a impossibilidade de se adotar qualquer mecanismo do common law no civil law.

Efetivamente, todavia, a tentativa de importação gerou sérias anomalias no Direito brasileiro, como as súmulas e teses, que não têm paralelo no common law. Vê-se um ímpeto de "trazer só a parte boa" — o efeito vinculante para estabelecer segurança jurídica —, mas também uma ignorância quanto ao elemento imprescindível do regime de stare decisis: o caráter histórico-constitutivo e sempre reinterpretativo dos precedentes judiciais, que jamais aceitaria a imposição de preceitos genérico-abstratos extraídos dos casos anteriores para simplesmente vincular litígios futuros.

Entender o precedente sob o prisma hermenêutico permite que ele, de fato, contribua para unidade do Direito, isonomia, segurança jurídica etc. Até porque esse instituto é utilizável de formas diversas nos ordenamentos e se mostra importante em qualquer sistema (sincronia entre a técnica de precedentes e a legislação). Ou alguém crê que nos Estados Unidos não há inúmeros dispositivos de lei, e que na França os julgados anteriores não são valorizados?

O próprio controle de constitucionalidade, que comumente se destaca a partir de Marbury v. Madison, só passou a se desenhar de forma mais estável muitos anos depois desse julgado. E se consagrou primeiro na Alemanha, inequívoco representante da tradição de civil law. Aí está a prova de que importações podem ser interessantes, ou de que a ideia de fracasso de "transplantes institucionais" nem sempre é acertada.

Os precedentes são, sim, bem-vindos no Brasil, mas é inapropriada a vinculação às teses: parafraseando Simone de Beauvoir, nenhum julgado nasce precedente, mas se torna, num processo de reiterada experiência diante dos casos decidendos.

A fixação de enunciados vinculantes ultrapassaria a sua própria condição histórica, caracterizando uma pré-posse ideal da experiência, em que os casos práticos são colocados à deriva. Quando estes são rejeitados pela realidade que deveria influenciar o processo de enunciação, a universalidade abstrata impede a formação do conhecimento jurídico. O caso é solucionado partindo-se do tribunal para o mundo como se a decisão fosse a própria representação do Direito, mas é do mundo que se tiram o sentido e possibilidades de significação [11].

Noutro aspecto, cabe perquirir, de forma resumida, se os provimentos permitem que o indivíduo tenha participação efetiva no processo.

O sujeito acaba ocultado pela abstração que distorce a índole do Judiciário, de resolver problemas concretos; afinal, ele não participa do procedimento em que foi produzido determinado padrão decisório. No caso dos recursos repetitivos, isso é ainda mais evidente: formada a tese, apenas são disponibilizados mecanismos de distinção aos que ingressarem com novas demandas, pois o conteúdo da "norma" (já que a tese é resultado de uma interpretação encerrada) não pode mais ser questionado.

Nas causas repetitivas, mecanismos de distinguishing são insatisfatórios, pois quem é diretamente interessado na causa sequer pode ser ouvido. Em contrapartida, entidades classistas participam do procedimento de tomada de decisão, manifestando interesses coletivos.

Então, além de sua inconstitucionalidade por falta de previsão na Lei Maior [12] e de assimilarem equivocadamente o stare decisis, os provimentos significam a reação do Judiciário à tardia formação da sociedade de massas à procura da justiça, numa razão instrumental que disfarça uma lógica econômica e exclui a efetiva participação do indivíduo nos casos decidendos. O que se vê é um processo sem sujeito [13].

2. Um olhar sobre o novo round morte ao HC?
Lenio Streck critica os precedentes que nem são precedentes, mas procedentes, uma vez que têm caráter prospectivo. Pior: eles chegaram à seara penal.

Um dos equívocos da pretendida vinculação obrigatória ocorreu no caso "André do Rap". A controvérsia se deu com a alteração do CPP pela Lei nº 13.964 (Pacote Anticrime), sobre a necessidade de se reavaliar periodicamente a prisão, nos termos seguintes:

Art. 2º. O Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), passa a vigorar com as seguintes alterações:
[…]
Art. 316. O juiz poderá, de ofício ou a pedido das partes, revogar a prisão preventiva se, no correr da investigação ou do processo, verificar a falta de motivo para que ela subsista, bem como novamente decretá-la, se sobrevierem razões que a justifiquem.
Parágrafo único. Decretada a prisão preventiva, deverá o órgão emissor da decisão revisar a necessidade de sua manutenção a cada 90 (noventa) dias, mediante decisão fundamentada, de ofício, sob pena de tornar a prisão ilegal.

A mudança foi justificada para atenuar a ausência de previsão de prazo máximo para esse tipo de medida cautelar. No entanto, mesmo após a entrada em vigor da lei, um mês depois, parcela dos magistrados ignorou o dispositivo e continuou a exceder, em muito, o prazo assinalado para reanálise da necessidade da prisão, ou mesmo não o fazendo.

Sucedeu-se uma série de impetrações de Habeas Corpus nos tribunais locais e no STJ em que se visava a soltura de pacientes segregados cautelarmente, até que um deles, conhecido como "André do Rap", ingressou na Suprema Corte com pedido liminar. O relator do caso, ministro Marco Aurélio, proferiu decisão monocrática com o fundamento de que André estava preso, "sem culpa formada, desde 15 de dezembro de 2019, tendo sido a custódia mantida, em 25 de junho de 2020, no julgamento da apelação" e, "uma vez não constatado ato posterior sobre a indispensabilidade da medida, formalizado nos últimos 90 dias, tem-se desrespeitada a previsão legal, surgindo o excesso de prazo" [14].

Entretanto, ao acolher pedido da PGR, o ministro Luiz Fux, então presidente, suspendeu a medida também em decisão monocrática (?!), adiante referendada pelo Tribunal Pleno, com a fixação de tese sobre a matéria: "A inobservância do prazo nonagesimal do artigo 316 do Código de Processo Penal não implica automática revogação da prisão preventiva, devendo o juízo competente ser instado a reavaliar a legalidade e a atualidade de seus fundamentos" [15].

Cabem três observações a respeito:

1) O Habeas Corpus é um instrumento de tutela da liberdade física do indivíduo positivado pelo Constituinte no artigo 5º, LXVIII, do Título II, que enuncia os direitos e garantias individuais. Em consonância com o sentido histórico desse instituto, a Carta Magna conferiu ao HC a natureza jurídica de ação constitucional, garantia individual e do direito à liberdade de ir, vir e ficar (art. 5º, inciso XV da CF); enfim, trata-se de um meio destinado a assegurar "o respeito, a efetividade do gozo e a exigibilidade" [16] desse direito. Resultado: um indivíduo fez uso do instrumento mais singular do ordenamento jurídico para que o Judiciário avaliasse o excesso de prazo em seu caso e restabelecesse a sua liberdade; ele teve o pedido negado e, ao cabo, "promoveu" uma tese prejudicial a todos os presos provisórios!

2) A tese foi fixada apenas nove meses após a entrada em vigor da lei. Não é de se presumir que tenha havido um necessário e intenso debate doutrinário-jurisprudencial sobre uma alteração tão relevante nesse espaço de tempo. No entanto, o STF já "sepultou" a questão, entendendo que, embora o texto normativo preveja que a prisão se torna ilegal caso não seja reavaliada em 90 dias, deve ser o juízo competente provocado para decidir sobre a matéria, afastando a soltura do paciente como consequência automática. Assim, criou-se a possibilidade de o juiz "remendar" uma situação jurídica reputada ilegal pela própria lei.

3) A definição de tese firmada por órgão judicante suscita questionamentos, pois tese é uma proposição para resolver determinado problema, representado por uma pergunta a ser respondida no final de um procedimento. No processo judicial, ela é aceita ou rejeitada pelo órgão julgador competente, que prolata uma decisão, resolvendo aquele conflito específico. Portanto, questiona-se: como é possível a existência de uma tese para resolver conflitos ainda inexistentes [17]?

O episódio "André do Rap" demonstra que o risco de engessamento, por meio da jurisprudência vinculante e seus provimentos, é outra peculiaridade decorrente da má compreensão sobre o regime do stare decisis. No Brasil, tornou-se possível que uma corte fixe orientação de observância obrigatória a partir de apenas um julgado. Há, portanto, mais teratologia: "jurisprudência vinculante que nem é jurisprudência", uma vez que está ausente a necessária multiplicidade de julgados em mesmo sentido sobre a questão [18].

Uma decisão concreta pode ser adequada para um caso e não para outros que sejam de mesma natureza, mas em circunstâncias distintas. É necessário estabelecer uma base adequada para que o caso decidendo seja influenciado pelo antecessor. Ademais, a efetiva contribuição da jurisprudência não vem das decisões isoladas, mas da constante casuística, da experimentação problemática, da incessante revisão dos casos concretos relevantes, com novos pontos de vista, que podem ser afastados ou assimilados, o que é absolutamente impraticável no uso de uma solução genérica e fixa [19].

Nesses pontos, também, as teses do STJ e do STF prestam um desserviço à adequada compreensão do que é, de fato, um precedente.

O Tribunal, quando realiza a análise apenas de questões de alcance genérico e de pensamento jurídico geral, objetivando somente um efeito multiplicador, deixa de considerar a problemática que circunda o caso concreto e de realizar seu verdadeiro papel, de participação qualificada na construção da jurisprudência.

Deve-se, portanto, rejeitar todas as vias que conduzem às decisões de cunho autônomo e que se desintegram do corpus iuris, com aplicações predeterminadas que se desligam da gênese casuística, verdadeiro “DNA” do pensamento jurídico. Repetindo Castanheira Neves, a fixação a priori sempre induzirá a uma codificação judicial em que a lei concorre com a jurisdição, desprezando a problemática do caso concreto, indispensável para alcance da justiça, tão-só para o Direito atingir "fins no futuro, de um reino abstracto, de uma sociedade abstracta, de uma humanidade abstracta, de um espaço que não encarna" [20].

 


[1] Equívocos sobre a "cultura de precedentes" à brasileira: novo round: www.conjur.com.br/2022-dez-08/senso-incomum-erros-cultura-precedentes-brasileira-round.

[2] AZEVEDO, Álvaro Villaça. Os assentos no direito processual civil. Justicia. Ano XXXIII, V. 74, São Paulo: Ministério Público de São Paulo, 1971. p. 116. O autor discorreu que, sem um coerente pronunciamento dos tribunais ante as manifestações das partes, "[…] a Justiça descamba para um campo lotérico, aleatório, onde comandam as forças indecisas das paixões humanas". Em mesmo sentido: CAMBI, Eduardo. Jurisprudência lotérica. Revista dos Tribunais, v. 786, abr./2001. p. 108-128.

[3] Neil Maccormick já advertia que "sem um entendimento teórico dos precedentes e de conceitos-chave como o de ratio decidendi, não podemos de fato implementar nenhuma doutrina jurídica do precedente. Como sempre, a questão não é se devemos ter ou não uma teoria; a questão é apenas se devemos ter uma teoria articulada, bem pensada e, de preferência, correta, ou se podemos ficar contentes com uma teoria implícita, inarticulada e provavelmente incorreta" (Retórica e o estado de direito: uma teoria da argumentação jurídica. Imprenta: Rio de Janeiro, Elsevier, Campus, 2008, p. 194). Com isso já nos damos conta de que nem nos países de common law há consenso sobre "o que vincula” em cada precedente.

E para se ter uma ideia dessa complexidade, "por vezes, na mesma decisão, poderá haver uma regra geral que abranja, além de X, os indivíduos Y, Z e outros em mesma situação no futuro. Com isso, uma vez que pode haver várias ratio decidendi em diferentes níveis de generalidade, umas pontuais (ou específicas) e outras gerais, então não há que se falar em uma única ratio decidendi. Todas essas regras, portanto, têm força de precedentes. Essas decisões que variam em graus de generalidade, porém, precisam ser imprescindíveis ao resultado da decisão. Do contrário, não serão ratio decidenti, mas obiter dicta, o que nos faz concluir que embora os argumentos obter dicta possam ter graus distintos de generalidade, não são elas imprescindíveis ao resultado da decisão" (MEDINA, José Miguel Garcia. Código de Processo Civil Comentado. 2. ed., e-book, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015, p. 494). De toda forma, a compreensão-distinção entre obiter dicta e ratio decidendi carece de cuidado no Brasil, uma vez que, como salienta Streck, a identificação da ratio de um julgado costuma ser objeto de apropriação pelo próprio Tribunal decisor.

[4] Entre diversas outras, destaca-se: i) a aplicabilidade-vinculação do "sistema de precedentes" brasileiro às demais áreas do Direito, como trabalho, penal e administrativo; ii) num regime democrático, a lei não vincula, mas a tese – interpretação dada pelo Judiciário ao texto equívoco –, sim; iii) as teses não seriam meras universalizações das rationes decidendi? (STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: 50 verbetes fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. 2. ed. Belo Horizonte: Casa do Direito, 2020, p. 354-355).

[5] Os assentos foram trazidos para o Brasil na época da transferência da Família Real portuguesa e influenciaram, mais tarde, a criação de outros provimentos vinculantes.

[6] PORTUGAL. Tribunal Constitucional. Acórdão nº 810/1993. Publicação: Diário da República, nº 51/1993, 2ª série, de 2 de março de 1994. Disponível em: <http://www.tribunalconstitucional.pt/tc//tc/ acordaos/19930810.html>. Acesso em: 23 mar. 2021.

[7] STRECK, Lenio Luiz. Precedentes judiciais e hermenêutica: O sentido da vinculação no CPC/2015. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 152-153.

[8] ABBOUD, Georges. Processo Constitucional Brasileiro. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. p. 1633.

[9] MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz. Comentários ao Código de Processo Civil: artigos 926 ao 975. Luiz Guilherme Marinoni; Sérgio Cruz Arenhart, Daniel Mitidiero (Coords.). São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 69.

[10] Idem, p. 52-53.

[11] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Os Tribunais Superiores são órgãos transcendentais? https://www.conjur.com.br/2016-dez-03/eduardo-costa-tribunais-superiores-sao-orgaos-transcendentais.

[12] Dos provimentos descritos no art. 927 do CPC, apenas as decisões da Corte Suprema em controle concentrado de constitucionalidade e as súmulas vinculantes possuem previsão na CF/88. As demais hipóteses normativas de vinculação, portanto, foram inseridas “por conta própria” do “novo” código. O constituinte atribuiu ao STF o pronunciamento sobre questões versadas no artigo 102 da Carta Magna, enquanto o artigo 105 trata das atribuições do STJ. E, excetuando-se o caso de súmulas vinculantes, não se extrai da Lei Maior qualquer dispositivo autorizador de que os órgãos judiciais emitam essas teses; seu mister é o julgamento de processos, recursos, lides subjetivas. Nesse sentido: NERY JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 17. ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2018. p. 2.052 e 2.057.

[13] Para uma crítica do "sistema de precedentes" brasileiro a partir de Castanheira Neves e Max Horkheimer, ver: MARTINS, Caio Alcântara Pires. Provimentos vinculantes: dos assentos ao processo sem sujeito. Dissertação (Mestrado em Direito Constitucional) – Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa-IDP, Brasília, 2021. Disponível em: 43129265.pdf (idp.edu.br).

[14] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão monocrática no Habeas Corpus nº 191.836, Relator: Min. Marco Aurélio, Data de Julgamento: 02/10/2020, Data de Publicação: DJe 07/10/2020. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15344621754&ext=.pdf>. Acesso em: 08 nov. 2021.

[15] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Decisão de julgamento na Suspensão de Liminar n.º 1.395-MC-Ref, Rel. Min. Luiz Fux (Presidente), DJe de 4/2/21. Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=6025676>. Acesso em: 07 nov. 2021.

[16] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 7. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991, p. 360.

[17] Bem por isso, Lenio Streck diz que se está diante de uma tentativa de fornecer "respostas antes das perguntas" (Precedentes judiciais e hermenêutica: O sentido da vinculação no CPC/2015. 2. ed. Salvador: JusPodivm, 2019. p. 68).

[18] STRECK, Lenio Luiz; ABBOUD, Georges. O que é isto – o precedente judicial e as súmulas vinculantes? 3. ed. rev., atual. Porto Alegre: livraria do advogado, 2015, p. 115.

[19] NEVES, António Castanheira. O instituto dos assentos e a função jurídica dos Supremos Tribunais. Coimbra: Coimbra, 1983. p. 631-632.

[20] Idem, p. 661.

 

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