Opinião

Arbitragem nos setores de infraestrutura social: saúde e saneamento

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5 de fevereiro de 2023, 6h33

As discussões quanto à possibilidade de solução de controvérsias envolvendo a Administração Pública por meio da arbitragem estão hoje datadas no Brasil. Se a redação original da Lei nº 9.307/96 não impedia a via arbitral para dirimir tais litígios, as alterações nela promovidas pela Lei nº 13.129/15 tornaram a conclusão inconteste. Remanesce um debate residual, mas importante, acerca da extensão da arbitrabilidade dos conflitos públicos  a demandar ainda a fixação de critérios para a identificação dos "direitos patrimoniais e disponíveis".

Já bem desenvolvida e em franca ascensão no setor privado e em diversos setores públicos de "infraestrutura econômica" (como energia elétrica, petróleo e transportes), a arbitragem ainda está para ser testada em setores que aqui denominamos de "infraestrutura social", a exemplo do saneamento básico e da saúde. Ao que se tem notícia, inexistem até hoje no Brasil processos arbitrais de destaque instaurados para solucionar litígios no saneamento e na saúde pública.

No contexto do saneamento básico há explicação até certo ponto convincente para isso, visto que apenas com o novo marco legal do saneamento, aprovado em julho de 2020 (Lei nº 14.026/20), a celebração de contratos e parcerias com o setor privado passou a ser autorizada e incentivada em maior escala, potencializando o surgimento de conflitos a serem submetidos à arbitragem (inclusive perante a ANA).

Na saúde, contudo, o remansoso cenário de judicialização exclusiva não parece encontrar justificativa razoável, senão no apego à tradição. Parcerias firmadas para construção e gestão de unidades públicas de saúde de grande porte existem no Brasil há (pelo menos) um quarto de século, experimentando larga profusão especialmente na última década. Contratos de Gestão com Organizações Sociais, Parcerias Público-Privadas (PPPs) e Concessões de Uso de Bem Público estão dentre as modalidades mais utilizadas por gestores públicos para pactuar junto à iniciativa privada, com ou sem finalidade lucrativa, a construção, equipagem e gestão de hospitais, UPAs e demais unidades. 

Poderia ser aventado como empecilho para a arbitragem em Contratos de Gestão o fato de as Organizações Sociais não terem fins lucrativos e, por conta disso, não possuírem recursos suficientes para antecipar à câmara arbitral quando da instauração do procedimento. O obstáculo, contudo, é contornável sem grande dificuldade, por alternativas como 1) a autorização de previsão, pela entidade em seu plano de trabalho, de rubrica para a formação de fundo de provisão a ser utilizado para adiantamento de custas arbitrais em caso de litígio; 2) a criação de regras que posterguem o recolhimento das custas arbitrais ao final do processo, pelo derrotado; dentre outras possíveis de cogitação.

Nos setores de infraestrutura econômica, os parceiros privados possuem finalidade lucrativa e executam projetos cujos fluxos de caixa preveem e garantem uma taxa de retorno do capital investido, o que torna, em tese, mais suportável às partes gerenciar o tempo e o custo do processo judicial. Nas parcerias celebradas com Organizações Sociais, ao contrário, a entidade recebe do Poder Público exclusivamente os recursos públicos de que necessita para executar o objeto da avença e para manter sua estrutura operacional, sem um centavo sequer de sobra ou lucro. Pois bem: se a arbitragem é vista como trunfo em setores altamente lucrativos, por abreviar o tempo de solução do litígio, isso se torna muito mais sensível e necessário nas demandas envolvendo Organizações Sociais, que não possuem sobra de caixa para suportar a execução de contratos deficitários, nem mesmo por um mês.

Felizmente, contratos celebrados nos setores de saúde e de saneamento já têm previsto a arbitragem como mecanismo de solução de controvérsias; desde aqueles mais antigos (como os contratos de concessão administrativa firmados em 2014 pelo estado de São Paulo para construção e gestão de hospitais estaduais), até os mais recentes (a exemplo dos contratos de concessão firmados pelo estado do Rio de Janeiro em 2021, para prestação de serviços de saneamento básico). Trata-se, portanto, de opção que já está se consolidando no campo jurídico.

Resta saber quando e como ocorrerá sua consolidação no campo prático.

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