Opinião

Simplicidade como instrumento para a razoável duração do processo

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4 de fevereiro de 2023, 9h00

A advocacia, tal como acontece na vida, compreende uma sequência infinita de desafios que vão se sobrepondo e renovando a cada dia. Cada novo "degrau" que aparece na "escada evolutiva" da advocacia é uma oportunidade para que o advogado, a partir do seu esforço, conquiste a sua ascensão profissional.

Um novo desafio que se apresenta em 2023 é uma nostálgica "volta ao passado", mas em um cenário que, antes da pandemia de Covid-19, parecia ser um "distante futuro" retratado em um episódio da série distópica Black Mirror.

Com efeito, a necessidade de isolamento decorrente da Covid obrigou os órgãos e instituições participantes do sistema de justiça a se reinventar mediante o uso maciço da tecnologia para acelerar a virtualização dos processos judiciais (de forma a torná-los acessíveis de qualquer lugar via rede mundial de computadores) e implementar a realização remota das audiências (possibilitando a participação à distância), e o que se viu foi um incremento extraordinário na produtividade. Foi o limão azedo que virou uma doce limonada…

Ocorre que no final de 2022 foi aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) a Resolução nº 481, que em detrimento dos artigos 6.º (princípio da cooperação) e 236, §3º, ambos do CPC, praticamente eliminou as hipóteses de realização de audiências na forma remota ou mesmo a participação remota de algum ator processual nas audiências presenciais, trazendo de volta uma rotina muito penosa para muitos profissionais de ter que viajar em estrada de rodagem para se fazer presente em audiências designadas pelo Poder Judiciário. A limonada, infelizmente, se viu obrigada a virar limão ao retornarmos para uma espécie de "versão retrô" do PJE (tudo é eletrônico, menos a participação nas audiências).

Nesse contexto, não há como deixar de fazer as perguntas que não querem calar: qual a razão para vedar a algum dos atores processuais (em especial aqueles que não estão obrigados por Lei a residir na Comarca em que tramita o processo, ou seja, são obrigados a se deslocar) a opção para se for o caso, participar da audiência na forma remota? Qual o interesse público justifica obrigar o advogado a fazer do jeito mais difícil, mais oneroso, mais perigoso e mais trabalhoso se o método mais simples, mais seguro, mais econômico e menos trabalhoso se mostrou nos anos da Pandemia não só satisfatório, mas muito exitoso?

Todos esses questionamentos ganham muito relevo considerando não só a extensão territorial do Brasil (8.516.000 km²), mas de muitos estados da Federação, alguns deles com extensão territorial superior a diversos países (a extensão territorial de Minas Gerais é maior que da França e da Espanha), aliado à extrema capilaridade do Poder Judiciário, que muitas vezes não é acompanhada por outros órgãos e instituições participantes do sistema de Justiça (Advocacia pública e privada, Defensoria Pública, sistema prisional, etc.)

Annie Darling, uma escritora inglesa, uma vez escreveu com absoluta razão que ⁠"O tempo é o recurso mais precioso da vida". E considerando a necessidade de se proporcionar ao jurisdicionado uma "razoável duração do processo" seus atores não podem se dar ao luxo de se deslocar por centenas de quilômetros para participar de uma audiência, desprezando a alternativa de participar, sem prejuízo algum, remotamente.

Quantas manifestações, defesas, recursos, pareceres etc. deixarão de ser elaborados todos os dias nas dezenas de milhares de horas que serão gastas diariamente a partir de agora para que os profissionais do Direito do Brasil inteiro estejam presentes presencialmente ao invés de remotamente em uma audiência? Quanto desperdício de tempo em uma tarefa (deslocamento) que não traz para o processo judicial absolutamente nenhuma vantagem…

A par do prejuízo financeiro relativo ao investimento de recursos públicos para tornar realidade as audiências virtuais (todo equipamento e tecnologia gastos nessa experiência tão exitosa agora serão praticamente abandonados sem nenhuma razão que justifique) a manutenção da opção pela participação de alguns dos atores processuais nas audiências de forma remota traria imensa economia de recursos públicos para órgãos como a Advocacia Pública, Defensoria Pública, Sistema Prisional etc. que não possuem a mesma capilaridade do Poder Judiciário.

Para a advocacia privada, o retorno da necessidade de "deslocar para atuar em audiências" pode inviabilizar a participação do profissional em muitos casos, neutralizando uma das vantagens proporcionadas do processo virtual (acesso de qualquer lugar), ou seja, a instituição de um PJE "retrô" equivale a "dar com uma mão e tirar com a outra".

Mas a questão não pode ser analisada sob o ponto de vista estritamente financeiro. Muitos profissionais da advocacia privada e profissionais lotados em órgãos públicos (Advocacia Pública, Defensoria Pública, Sistema Prisional etc.) a partir de agora retornam com um antigo dilema de ter que viajar por centenas de quilômetros em estradas de rodagem para se fazer presentes nas audiências, ou seja, colocando em risco a sua vida. Como se não bastasse a participação remota nas audiências proporciona maior sustentabilidade ao evitar a queima de combustível fóssil decorrente do deslocamento com veículo automotor para estar presente no ato. Se antes esse deslocamento se justificava (não havia opção/alternativa) agora não mais…

Cada um dos fatores acima relatados (economia de tempo e dinheiro, segurança, sustentabilidade) pode parecer inexpressivo considerado apenas um caso concreto, mas ganha imenso relevo considerando o volume de processos em tramitação e o número de audiências diariamente realizadas nas dezenas de milhares de órgãos jurisdicionais espalhadas pelo país.

Nada justifica fazer o mais complicado em detrimento do mais simples. Uma frase atribuída a Leonardo da Vinci ensina que "a simplicidade é o último grau de sofisticação". E se os argumentos acima não bastarem, se expressarem loucura ao invés de sanidade, quem sabe possamos buscar na poesia a simplicidade e a empatia como outras fontes de inspiração:

"Que a arte nos aponte uma resposta
Mesmo que ela não saiba
E que ninguém a tente complicar
Porque é preciso simplicidade pra fazê-la florescer
Porque metade de mim é plateia
E a outra metade é canção.
E que a minha loucura seja perdoada
Porque metade de mim é amor
E a outra metade também"
 [1].

 


[1] Trecho da música Metade de Oswaldo Montenegro

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