Opinião

O Tema nº 1.226 do STJ e o futuro das stock options no Brasil

Autor

  • Sérgio Luiz Beggiato Jr.

    é advogado no escritório Rücker Curi – Advocacia e Consultoria Jurídica (Curitiba) mestrando em Administração na Universidade Federal do Paraná (UFPR) pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC-MG e em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG bacharel em Direito pela UFPR graduado em Segurança da Informação na Universidade Católica de Brasília (UCB) e Membro do Núcleo de Estudos em Direito e Economia (Nede/UFPR) e do Grupo de Estudos em Análise Econômica do Direito (Graed/PUC-PR).

29 de dezembro de 2023, 19h16

Na última semana do expediente forense de 2023, o Superior Tribunal de Justiça afetou os REsps nº 2.069.644/SP e 2.074.564/SP para julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, para “definir a natureza jurídica dos planos de opção de compra de ações de companhias por executivos (stock option plan), se atrelada ao contrato de trabalho (remuneração) ou se estritamente comercial, para determinar a alíquota aplicável do imposto de renda, bem assim o momento de incidência do tributo” (Tema 1.226).

Os planos de stock options são ferramentas muito utilizadas para atração e retenção de talentos (bem como para alinhamento de interesses) ao oferecerem a possibilidade de determinados colaboradores (empregados, diretores, conselheiros consultivos, prestadores de serviço, etc.) adquirirem ações ou quotas da empresa, normalmente em condições diferenciadas e mediante o cumprimento de determinados requisitos contratualmente estabelecidos.

Ainda que a legislação brasileira trata do tema na Lei das Sociedades por Ações (artigo 168, § 4º), os planos de outorga de opção de compra de ações também são utilizados por startups. A ausência de regulamentação (o PL nº 2.724/2022, que trata do Marco Legal das Stock Options atualmente aguarda análise da Câmara dos Deputados) acaba por gerar diversas dúvidas a respeito do tratamento jurídico das stock options no direito brasileiro, como sua natureza jurídica (se salarial ou mercantil) e seu regime de tributação.

Porém, curiosamente há pouca controvérsia sobre a natureza jurídica dos planos de stock options no âmbito da Justiça do Trabalho. O Tribunal Superior do Trabalho há tempos vem reconhecendo sua natureza mercantil, e não salarial:

O programa pelo qual o empregador oferta aos empregados o direito de compra de ações (previsto na Lei de Sociedades Anônimas, n. 6404/76, art. 168, § 3º) não proporciona ao trabalhador uma vantagem de natureza jurídica salarial. Isso porque, embora a possibilidade de efetuar o negócio (compra e venda de ações) decorra do contrato de trabalho, o obreiro pode ou não auferir lucro, sujeitando-se às variações do mercado acionário, detendo o benefício natureza jurídica mercantil. O direito, portanto, não se vincula à força de trabalho, não detendo caráter contraprestativo, não se lhe podendo atribuir índole salarial[1]

É importante que se diga, ainda, que, para que seja configurada a natureza mercantil do benefício, devem estar presentes os seguintes elementos: assunção de risco para o beneficiário (que fica sujeito às variações dos preços das quotas ou ações); onerosidade (é necessário que haja o pagamento do preço estipulado); e voluntariedade (a adesão ao programa deve ser realizada livremente pelo beneficiário).

A origem das polêmicas sobre a natureza jurídica (e consequente tributação) dos planos de stock options decorre, então, do posicionamento da Fazenda Pública[2], que se reflete também no entendimento do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre a matéria.

A jurisprudência do Carf se firmou no sentido de que o fato gerador da incidência do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) — e da contribuição previdenciária — ocorreria quando o empregado “exerce o direito em relação às ações que lhe foram outorgadas”, tendo como base de cálculo “a diferença entre o valor de mercado na data do efetivo exercício e o preço no momento do exercício das opções”[3].

O Carf justifica esse posicionamento por entender que a diferença positiva entre o valor de mercado das ações e o preço do exercício configuraria um provento[4] — atraindo, portanto, a incidência do artigo 43, inciso II, do Código Tributário Nacional.

Ainda que de maneira indireta, o Carf acaba por adotar o entendimento de que os planos de stock options teriam natureza salarial ao ignorarem o fato de que as ações/quotas são compradas (adquiridas onerosamente, portanto) pelo beneficiário do plano. Ou seja: há necessariamente um desembolso financeiro para a aquisição das quotas, que se traduz em risco para o adquirente de que sua participação societária se desvalorize futuramente e, ao invés de implicar em acréscimo patrimonial, lhe gere prejuízo. Além disso, como já mencionado anteriormente, o exercício da opção de compra é uma faculdade do beneficiário do programa de stock options (ao qual a adesão, ademais, também, é voluntária), que poderá abrir mão da compra da participação societária quando preenchidos os requisitos para o exercício do direito — sem que isso lhe gere qualquer direito a indenização ou compensação financeira.

Essas características (o risco ao beneficiário, somado à onerosidade na aquisição das quotas ou ações e à voluntariedade para o exercício do direito) são típicas de contratos mercantis, o que demonstra o desacerto da posição majoritária do Carf.

Nesse sentido, o texto do Marco Legal das Stock Options, de autoria do senador Carlos Portinho, reconhece expressamente a natureza mercantil do plano (artigo 2º, parágrafo único) e, consequentemente, estabelece que o “ganho auferido pelo beneficiário de plano de opções estará sujeito à tributação pelo imposto sobre a renda no momento da venda das participações societárias adquiridas em razão do exercício da sua respectiva opção” (artigo 17). A redação do PL nº 2.724/2022 positiva diversas práticas já difundidas pelos agentes econômicos, podendo servir de orientação para o posicionamento do Superior Tribunal de Justiça.

Espera-se, portanto, que o STJ prestigie as características essencialmente comerciais do instituto sob pena de reduzir os incentivos para utilização dos planos de stock options diante do encarecimento dos programas em função da incidência de encargos tributários, trabalhistas e previdenciários para empresas e trabalhadores.


[1] RR-217800-35.2007.5.02.0033, 6ª Turma, Relator Ministro Mauricio Godinho Delgado, DEJT 03/12/2010

[2] É mencionado no acórdão do ProAfR no RECURSO ESPECIAL Nº 2069644 – SP que “a r. decisão da Ministra Presidente da Comissão Gestora de Precedentes pontuou que, conforme informação prestada pela Fazenda Nacional, constam, “no sistema interno da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, mais de 500 processos tratando do assunto e tramitando perante as seções judiciárias federais”.

[3] Acórdão nº 2401-010.677, 2ª Seção de Julgamento, 4ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, Relator Rayd Santana Ferreira, Data da Sessão: 06/12/2022

[4] Acórdão nº 2301-010.223, 2ª Seção de Julgamento, 3ª Câmara, 1ª Turma Ordinária, Relator Maurício Dalri Timm do Valle, Data da Sessão: 02/02/2023.

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  • é advogado no escritório Rücker Curi – Advocacia e Consultoria Jurídica (Curitiba), mestrando em Administração na Universidade Federal do Paraná (UFPR), pós-graduado em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), em Compliance e Integridade Corporativa pela PUC-MG e em Filosofia e Teoria do Direito pela PUC-MG, bacharel em Direito pela UFPR, graduado em Segurança da Informação na Universidade Católica de Brasília (UCB) e Membro do Núcleo de Estudos em Direito e Economia (Nede/UFPR) e do Grupo de Estudos em Análise Econômica do Direito (Graed/PUC-PR).

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