O patrão de si mesmo

A competência para julgar ações de autônomos e de profissionais liberais

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7 de dezembro de 2023, 8h25

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça do Trabalho 2024, lançado na última quinta-feira (30/11). A versão online é gratuita, acesse pelo site do Anuário da Justiça (clique aqui para ler). A versão impressa está à venda na Livraria ConJur (clique aqui ).

Embora tenha explodido com a liberação da terceirização e com a exploração de novas modalidades de contaproprismo, como a pejotização e o trabalho por aplicativos, o trabalho autônomo já é praticado há algum tempo no Brasil. O IBGE mostra, por exemplo, que o número de trabalhadores autônomos atingiu a marca de 25,7 milhões em 2022. Os números mostram ainda que, desse total, apenas 25% estavam na formalidade, com a devida inscrição no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas, o famoso CNPJ que deu origem aos neologismos do novo trabalhismo “pejota” e sua derivada “pejotização”.

A figura do trabalhador autônomo já estava prevista na Lei 5.890 de 1973 nos seguintes termos: autônomo é o trabalhador “que exerce habitualmente, e por conta própria, atividade profissional remunerada; o que presta, sem relação de emprego, serviço de caráter eventual a uma ou mais empresas; o que presta serviço remunerado mediante recibo, em caráter eventual, seja qual for a duração da tarefa.” Já a Lei 13.467/2017, a afamada reforma trabalhista, introduziu na CLT o artigo 442-B para dizer que autônomo não é empregado: “A contratação do autônomo, cumpridas por este todas as formalidades legais, com ou sem exclusividade, de forma contínua ou não, afasta a qualidade de empregado prevista no artigo 3º desta Consolidação.”

Em agosto de 2023, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a Justiça do Trabalho não tem competência para julgar processos de contrato de autônomo. O entendimento é do ministro Luiz Fux ao cassar decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região (Campinas). Para o STF, a Justiça especializada tem competência para julgar processos apenas no que se refere ao período regido pela CLT, em casos de contratações que migram posteriormente para outras modalidades.

O caso concreto trata do contrato de motorista de caminhão autônomo. Fux firmou o entendimento com base na Ação Declaratória de Constitucionalidade 48, que trata da Lei 11.442/2007, que dispõe sobre o transporte rodoviário de cargas, determinando que quando os requisitos previstos na lei são atendidos, a relação entre a empresa e o transportador autônomo deve ser tratada como sendo de natureza civil e comercial não configurando vínculo empregatício.

Uma categoria importante de trabalhadores autônomos é constituída pelos representantes comerciais. Segundo o conselho profissional da categoria, em 2021, havia 720 mil representantes comerciais no país. Com a atividade regulamentada pela lei 4.886/1965, o representante comercial trabalha na intermediação dos negócios de uma empresa. Pode ser tanto pessoa física quanto pessoa jurídica, mas conforme determinação expressa da lei, não tem vínculo de emprego com a empresa que representa.

Para Luiz Vera e Elias Jabbour, do KLA Advogados, contudo, “o representante comercial pode vir a ser caracterizado como empregado da empresa representada, desde que estejam preenchidos os requisitos elencados no artigo 3º da CLT: pessoalidade; subordinação; onerosidade; e habitualidade”, como escreveram em artigo na revista eletrônica Consultor Jurídico.

Em 2020, no julgamento do RE 606.003, com repercussão geral (Tema 550), o STF decidiu que a competência para processar e julgar ações que envolvam contratos de representação comercial autônoma é da Justiça comum, e não da Justiça do Trabalho. O recurso foi apresentado contra decisão do TST que reconheceu a competência da Justiça especializada para julgar ações que envolvam a cobrança de comissões referentes à relação jurídica entre um representante comercial e a empresa por ele representada.

Segundo o TST, a Emenda Constitucional 45, de 2004, teria retirado da Justiça comum a atribuição de examinar processos que tratem de controvérsias sobre relação de trabalho. Para o ministro Luís Roberto Barroso, no entanto, entre o representante comercial e a empresa representada há uma relação comercial e não vínculo de emprego ou relação de trabalho.

Outra modalidade de trabalho é o profissional liberal. Diferentemente do MEI e do trabalhador autônomo, o liberal trabalha por conta própria, mas tem uma formação específica e é registrado em um conselho profissional, a exemplo, de médicos, que tem o CRM, correspondente ao registro no Conselho Regional de Medicina, e dos advogados, que também têm o número da OAB atinente a sua inscrição na Ordem. Também são profissionais liberais veterinários, dentistas, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, nutricionistas, psicólogos, administradores, engenheiros, entre outros.

Nesta modalidade, o STF tem entendido ser lícita a pejotização de profissionais liberais para prestar serviços na atividade-fim do contratante. A tese foi adotada pela 1ª Turma no julgamento de um recurso em que a Santa Casa de Bom Jardim (RJ) questionou decisão do Tribunal Superior do Trabalho reconhecendo a ilegalidade da terceirização do trabalho de médicos. A relatoria da ação (RCL 39.351) coube à ministra Rosa Weber. O caso é de 2020.

O entendimento também foi aplicado a um caso de contrato de associação firmado entre uma advogada e um escritório de advocacia (RCL 53.899), em que o ministro Dias Toffoli concedeu liminar para suspender os efeitos da reclamação trabalhista em fase de execução. Em outro caso, que tratava de médicos prestadores de serviços terceirizados em um hospital (RCL 47.843), o ministro Alexandre de Moraes lembrou ser lícita a terceirização por pejotização. Desse modo, não é possível alegar irregularidade na contratação de pessoa jurídica formada por profissionais liberais para prestar serviços terceirizados na atividade-fim da contratante.

O ministro Nunes Marques lembrou na ADPF 324 que o STF reconheceu que a terceirização não resulta, isoladamente, na precarização do trabalho, na violação da dignidade do trabalhador ou no desrespeito a direitos previdenciários. Cristiano Zanin também cassou decisão que reconheceu vínculo de emprego entre técnico de radiologia e hospital. Na decisão, Zanin ressaltou que a Suprema Corte entendeu ser possível a terceirização de qualquer atividade econômica.

Ao analisar um pedido de vínculo de um advogado mantido associado ao escritório, o ministro Alexandre de Moraes destacou que a interpretação conjunta de precedentes da corte admite o reconhecimento da licitude de outras formas de relação de trabalho que não a relação de emprego regida pela CLT, como na própria terceirização ou em casos específicos. E considerou que, transferindo o entendimento da corte para o contrato de associação entre advogado e sociedade de advogados, “tem se a mesma lógica para se autorizar a constituição de vínculos distintos da relação de emprego”.

Assim o advogado pode ter relação de trabalho como sócio de um escritório, como prestador de serviços na forma de pessoa jurídica ou de pessoa física e como empregado de uma empresa. E todas essas formas de relacionamento profissional são lícitas.

No que se refere à pejotização versus terceirização, o STF, em 2020, julgou improcedentes as ações contra a chamada Lei das Terceirizações (Lei 13.429/2017), que permite a terceirização da atividade-fim da empresa. O mesmo entendimento vem sendo transferido para ações que tratam da pejotização da atividade-fim.

Em artigo na ConJur, o professor Ricardo Calcini explica, contudo, que são questões distintas. “Terceirização envolve uma triangulação. Ou seja, uma empresa contratante e uma empresa contratada que presta serviços terceirizados por meio de seus funcionários. Pode ser para atividade-fim ou atividade-meio. Já a pejotização é quando se confunde a mesma empresa contratada com o profissional que vai executar o serviço”, explicou.

A “pejotização” do trabalhador por contratos civis de prestação de trabalho entre pessoas jurídicas é um fenômeno que tem crescido no país. Existem vários tipos de empresas individuais que podem suportar um trabalhador por conta própria, variando de acordo com o seu porte. Existe a Micro Empresa (ME), com um teto de faturamento de R$ 4,8 milhões por ano, e o Microempresário Individual, com limite de faturamento anual de R$ 81 mil (tramita proposta para elevar o limite para R$ 120 mil).

A explosão de MEIs no mercado aponta para um pretenso sucesso da modalidade. Segundo dados do IBGE, são 13,2 milhões de trabalhadores que em vez de carteira assinada têm um CNPJ. Mais da metade deles (53%) abriu sua empresinha nos últimos três anos. Sete em cada dez empresas em atividade no Brasil são MEIs. Representam 19,2% do total de ocupados formais. Mas apenas 105 mil MEIs eram empregadores.

Do total, 50% dos MEIs atuavam no setor de serviços, sobretudo na área dos cuidados de beleza. Cabeleireiras e manicures somam 1,2 milhão de MEIs e respondem por 9% do total de empregados nessa modalidade. Em segundo lugar aparece o comércio varejista de vestuários e acessórios, com 940 mil MEIs (7%), seguido de bares e restaurantes, com 827 mil (6%).

ANUÁRIO DA JUSTIÇA DO TRABALHO 2024
4ª edição
Número de Páginas: 260
Editora: ConJur
Versão impressa: Livraria ConJur, clique aqui para saber mais
Versão digital: disponível gratuitamente no site do Anuário da Justiça (anuario.conjur.com.br), acesse

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