Opinião

Operações anteriores e posteriores da operação de exportação

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1 de dezembro de 2023, 7h07

Sob a perspectiva das práticas fiscais internacionais, ao determinar a “não incidência” de contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre as “receitas decorrentes de exportação”, reconhece-se a influência da oneração por essas contribuições na carga tributária da cadeia produtiva repercutindo no preço dos produtos com destino ao exterior. (RE nº 759.244/SP, repercussão geral (tema 674), voto do relator ministro Edson Fachin, página 18 do acórdão).

Bom é dizer que o Supremo Tribunal Federal (STF) tem, em essência, as premissas, “para que seja imune, basta que, desde a realização da operação interna, já esteja assente a finalidade de levar aquela mercadoria ao exterior, atributo que pode ser provado, dentre outros elementos, pelo objetivo social da trading company. (…). Na falta de delimitação constitucional, devem ser considerados imunes as operações de exportação direta e indireta”. e “a imunidade foi prevista na Constituição de forma genérica sobre as ‘receitas de exportação’, sem nenhuma diferenciação entre exportação diretas ou indiretas”, (RE nº 759.244/SP, plenário de 12/02/2020, com repercussão geral — Tema 674, voto do ministro Edson Fachin, página 33 do acórdão e ministro Alexandre de Moraes, página 54 do acórdão).

No RE nº 564.413-8/SC, plenário de 12/08/2010, em repercussão geral, o relator ministro Marco Aurélio em seu voto cita a ementa do RE nº 166.772-9/RS, transcreve-se parte:

“CONSTITUIÇÃO – ALCANÇE POLÍTICO – SENTIDO DOS VOCÁBULOS – INTERPRETAÇÃO. O conteúdo político de uma Constituição não é conducente ao desprezo do sentido vernacular das palavras, muito menos ao do técnico, considerados institutos consagrados pelo Direito. Toda ciência pressupõe a adoção de escorreita linguagem, possuindo os institutos, as expressões e os vocábulos que revelam conceitos estabelecidos com a passagem do tempo, quer por força de estudos acadêmicos, quer, no caso do Direito, pela atuação dos Pretórios.

Ressalta-se, parte dos fundamentos do voto-vista do ministro Moreira Alves no RE nº 205.355 AgR, julgado em 1/7/1999, DJ 8/11/2002, na parte em que analisa a interpretação constitucional das imunidades tributárias, o seguinte:

Para a exegese da imunidade, como instituto constitucional que é, podem ser utilizados todos os métodos empregados na interpretação dos textos constitucionais, e, assim, sem se deixar de lado a exegese literal ou gramatical porque a interpretação não deve ultrapassar os limites do conteúdo significativo das palavras da norma, há de se usar necessariamente a interpretação lógica, onde, na hermenêutica constitucional, avulta o valor do elemento teleológico.”

No RE nº 598.468/SC, plenário de 20/05/2020, com repercussão geral (tema 207), no voto-vogal do ministro Gilmar Mendes, páginas 77 e 78 do acórdão, os seguintes trechos:

“Todavia, no RE 627.815 (tema 329), houve a sinalização de que, ao largo da interpretação estrita das regras imunizantes, também se admitiria o manejo da interpretação teleológica, na medida em que deveriam ser observadas as operações envolvendo o ato de exportação.

Cite-se a ementa do respectivo acórdão:

(…)

Portanto, afastou-se a tributação sobre ‘todas as receitas que resultem da exportação, que nela encontrem a sua causa, representando conseqüências financeiras do negócio jurídico de compra e venda internacional’.”


No RE nº 627.815/PR, plenário de 23/05/2013, com repercussão geral (tema 329), o voto da ministra Rosa Weber, página 30 do acórdão, em essência, o seguinte fundamento:

O fato de a imunidade ser concedida as “receitas decorrentes de exportação”, o adjetivo “decorrentes” confere maior amplitude a desoneração constitucional, suprimindo o alcance da tributação federal todas as receitas que resultem da exportação, que nela encontrem a sua CAUSA; evidenciando a desoneração as exportações por completo, a fim de que as empresas não exportem os tributos que, de outra forma, onerariam as operações de exportação, quer do modo direto, quer indiretos.

No RE nº 759.244/SP, plenário de 12/02/2020, com repercussão geral (tema 674), o voto do ministro Alexandre de Moraes, páginas 49, 50 e 54 do acórdão, em essência, o seguinte fundamento:

O escopo da imunidade do artigo 149, § 2º, inciso I, da Constituição é a desoneração da carga tributária sobre transações comerciais que envolvam a venda para o exterior, evitando-se a indesejada exportação de tributos, de modo a tornar mais competitivos os produtos nacionais para geração de divisas.

Para fins de incidência da imunidade tributária, a transação deve ser vista como uma só, que se inicia com a aquisição em solo nacional e finda com a remessa do produto ao exterior. É esse conjunto preordenado de transações que formaliza a exportação. O benefício alcança não apenas os exportadores, mas também todos quantos contribuem para que a exportação se verifique; a regra não visa a proteger apenas a pessoa do exportador, mas as exportações, fazendo com que os produtos cheguem ao mercado internacional com preços competitivos; a interpretação teleológica permite concluir que a imunidade há de obrigatoriamente abranger todas as operações que, de algum modo, concorram para que se perfaça a venda para o exterior.

No RE nº 759.244/SP, plenário de 12/02/2020, com repercussão geral (tema 674), o voto do relator ministro Edson Fachin, páginas 18, 19 e 33 do acórdão, em essência, o seguinte fundamento:

Sob a perspectiva das práticas fiscais internacionais, ao determinar a “não incidência” de contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico sobre as receitas decorrentes da exportação, reconhece-se a influência da oneração por essas contribuições na carga tributária da cadeia produtiva repercutindo no preço dos produtos com destino ao exterior.

Visando à neutralidade fiscal no fluxo internacional de bens e serviços, compreende-se que prevalece o princípio do destino em função da mercadoria/produto destinados ao exterior nas imunidades tributárias do artigo 149, § 2º, inciso I, do texto constitucional. A desoneração dos tributos que influa no preço de bens e serviços deve estruturar-se, a princípio, em formato direcionado a garantia do objeto, e não do sujeito passivo tributário, de modo que restrições à fruição do regime de imunidade tributária em decorrência da interposição de terceiros cujo objetivo único na cadeia é o agenciamento de mercadorias a adquirentes internacionais fora do país deve ser contemporizada em relação à finalidade das exonerações constitucionais e ao esforço exportador do potencial contribuinte.

Na “exportação indireta”, há a saída de mercadorias do estabelecimento do produtor-vendedor ao adquirente-exportador (empresa comercial exportadora ou trading company), sendo este que realiza a exportação. O melhor discernimento acerca do alcance da imunidade tributária nas exportações indiretas se realiza a partir da compreensão da natureza objetiva da imunidade, que está a indicar que imune não é o contribuinte, mas sim o bem quando exportado, portanto, irrelevante se promovida exportação direta ou indireta.

É irrelevante para fins de imunidade saber se a operação de exportação é conduzida com ou sem participação negocial de intermediário, isto é, se é da espécie direta ou indireta. Para que seja imune, basta que, desde a realização da operação interna, já esteja assente a finalidade de levar aquela mercadoria ao exterior, atributo que pode ser provado, dentre outros elementos, pelo objetivo social da trading company. Na falta de delimitação constitucional, devem ser considerados imunes as operações de exportação diretas e indiretas.

No Ag. Reg. nos Bem. Decl. no Recurso Extraordinário 850.113/RS, primeira turma de 03/04/2023, voto do relator ministro Roberto Barroso, páginas 6, 7, 10, 11, 12 e 13 do acórdão, em essência, o seguinte:

Resumo do caso. Quem paga a receita para o produtor rural pessoa física (cooperado) é a cooperativa. A cooperativa tem dívida junto ao produtor rural. O sujeito passivo da receita é o produtor, sujeitando-se à contribuição previdenciária do artigo 25, incisos I e II, da Lei nº 8.212/1991. Quem paga a receita para a cooperativa é a comercial exportadora ou a trading company. O sujeito passivo das receitas é a cooperativa, mas há imunidade do PIS e da Cofins.

Agravo interno cujo objeto é decisão monocrática que conheceu dos recursos, a fim de negar seguimento ao recurso da União e dar provimento ao recurso do contribuinte cooperativa.

A parte agravante União questiona é o provimento dado ao recurso do contribuinte, exatamente no ponto em que estende (amplia) a imunidade tributária prevista no artigo 149, § 2º, inciso I, da Constituição, em relação às receitas de venda do produtor rural para a cooperativa, para, posteriormente, ser objeto de exportação por intermédio de comercial exportadora ou trading companies.

Ao manter a incidência da tributação na hipótese em análise, o acórdão recorrido terminou por divergir do entendimento do Superior Tribunal Federal no tema 674 da RG (RE 759.244).

A cooperativa pratica dois atos, um deles é considerado típico (cooperativa-cooperado) e o outro atípico (cooperativa-mercado). A imunidade tributária alcança a operação de exportação indireta realizada por trading companies, portanto, imune ao previsto no artigo 22-A, da Lei nº 8.212/1991.

O poder de tributar deve considerar a comercialização feita pela cooperativa, e não a transferência entre o cooperado e a cooperativa. Nesse contexto, por se tratar de uma operação que tem por objeto a exportação, ainda que de maneira indireta, é de rigor a incidência da imunidade prevista no texto constitucional.

O agravo interno não merece provimento, portanto, não afasta a decisão agravada. Diante do exposto, nego provimento ao agravo interno.

É necessário considerar o voto-vista do relator para o acórdão ministro Alexandre de Moraes no Emb. Div. no Ag. Reg. no Recurso Extraordinário nº 1.367.071/PR, plenário de 22/02/2023, páginas 16 e 21 do acórdão, em essência, os seguintes trechos:

Efetivamente, a situação analisada no precedente e no presente processo não são idênticas. Todavia, os fundamentos em que se ancorou o Relator, bem como aqueles que aduzi ao votar, penso que autorizam a manutenção do acórdão recorrido, o qual deu provimento ao Recurso Extraordinário da empresa para assegura-lhe a imunidade quanto às contribuições sociais sobre as receitas obtidas pela venda do serviço de frete à comercial exportadora, para fins de exportação dos produtos.

(…)

Ocorre que o preço do frete inclui a carga tributária sobre ele incidente, a qual será repassada para a operação de exportação, quer seja ela realizada diretamente pela empresa exportadora, quer pela ‘trading company’.

(…)

Em conclusão, penso que, apesar de as situações fáticas analisadas na hipótese vertente e aquela do Tema 674 da repercussão geral serem distintas, os fundamentos adotados neste último são suficiente para assegurar que a norma imunizante abranja também as receitas oriundas do serviço de frete destinado à mercadoria a ser exportada, seja a empresa contratante a própria exportadora ou comercial exportadora, haja vista que, como aqui assinalado, o Tema 674 não se fez distinção entre a venda ao exterior ser realizada de forma direta ou indireta, desde que com o fim específico de destinar um produto à exportação.

Registre-se ainda que a interpretação dos conceitos utilizados pela Carta da República para outorgar competências impositivas não está sujeita à prévia edição de lei. Tampouco está condicionada à lei e exegese dos dispositivos que estabelecem imunidades tributárias. Trata-se de interpretação da lei maior voltada a desvelar o alcance de regras constitucionais, com absoluta independência da atuação do legislador tributário. (RE 759.244/SP, voto relator ministro Edson Fachin, tema 674, página 31 do acórdão).

Trata o presente artigo de vincular a matéria às atividades de empresa modestamente exportadora intermediária, não na condição de trading company, que contrata venda do serviço de frete nacional de produtos destinados a exportação realizada pela empresa transportadora, na qualidade de OTM, que emite o CTMC, nos termos da Lei nº 9.611/1998. Ainda não trata de auferir benefício fiscal (suspensão) do artigo 40 da Lei nº 10.865/2004.

Em face do exposto, e certificando que se está fazendo a coisa certa na hora certa e do jeito certo, eu entendo que a imunidade das contribuições sociais abrange também as operações anteriores e posteriores ao da operação de exportação, inclusive no caso de ser a contratante do frete nacional uma empresa modestamente exportadora intermediária, que não se reveste da condição de trading company.

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