Opinião

Direito da vítima à entrevista com o Ministério Público

Autor

  • Silvio Roberto Matos Euzébio

    é promotor de Justiça do Ministério Público de Sergipe titular da 2ª Promotoria de Justiça da Infância e Adolescência de Aracaju pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Federal de Sergipe ex-juiz de Direito e autor de artigos jurídicos.

31 de agosto de 2023, 6h37

Com a modificação do artigo 185, §5°, do Código de Processo Penal (CPP), foi introduzido o direito do réu se entrevistar com o seu advogado ou defensor acerca do ato processual e das suas consequências.

A norma tem com o objetivo assegurar o contato para possibilitar a melhor forma de exercício da garantia do contraditório e da ampla defesa. A mudança representou um verdadeiro divisor de águas no tocante à concretização do direito fundamental ao processo.

O comportamento da vítima era relevante apenas para fins de dosimetria da pena, na forma do artigo 59, do Código Penal (CP), ou pela sua legitimidade constitucional para a propositura de Ação Penal Privada Subsidiária da Pública, em caso de inércia do Órgão Ministerial. cf. artigo 5º LIX, da Constituição.

Pois bem. A mudança de posição do Direto Processual Penal, verificada a partir do direito à defesa do réu, deve seguir na linha evolutiva em direção e proteção das pessoas, agora no tocante à atenção à vítima, por muito tempo negligenciada à condição de figurante, limitada a conceder autorização para instauração de procedimento investigatório ou deflagração da ação penal, artigos 5º 19, 24, 29, e 30 do CPP, 100, do CP, e posteriormente lembrada para discussão de eventual reparação, cf. atenção, cf. artigo 91, I, do CP, artigos 72, 74, e 89, § 1º, I, da Lei 9.099/95, e posteriormente cf. artigos 387, IV, do CPP, alterado pela Lei nº 11.719/2008.

Vale lembrar que a atenção com a vítima teve novo capítulo com a edição da Lei n° 11.340/2006, no seu artigo 11, V, posteriormente modificado pela Lei nº 13.894/2019, estabelecendo o direito à informação sobre os seus direitos.

Com edição das Resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) nº 253/2018, alterada pela de nº 386/2021, e da Resolução do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) nº. 243/2021, a vítima finalmente deixa de ser objeto e passa a ser sujeito de Política de Proteção de Direitos em face da sua condição.

Neste caminho, da acolhida à vítima, é preciso, retirar do papel forma de, efetivamente, atender, acolher e orientar a vítima no Processo Penal ou Infracional.

Já havia sido reconhecido direito da vítima ser informada da solução ou desfecho do processo, inclusive constando a obrigação de sua intimação acerca da liberação ou detenção do acusado em alguns casos, da prolação da sentença ou acórdão que a modifique, preservação da sua dignidade, direito ao atendimento multidisciplinar, aguardar antes da audiência em local reservado, tudo cf. artigo 201 do CPP, c redação dada pela Lei nº 11.690/2008.

Vale lembrar que a denominada Lei Mariana Ferrer, nº 14.245/2021, pela qual todas as partes e demais sujeitos processuais deverão zelar pela integridade física e psicológica da vítima, sob pena de responsabilização, estabeleceu a vedação de algumas condutas atentatórias expressamente declinadas e consideradas ofensivas.

Cabe ao Ministério Público, enquanto Fiscal da Ordem Jurídica, nos mesmos moldes quanto ao direito assegurado ao réu, promover o cumprimento ou a aplicação dos direitos das vítimas, e, para tanto, poderá requerer e realizar o atendimento às mesmas com a atenção necessária, antes de sua ouvida em audiência, de forma correspondente à realizada pela defesa do réu, para lhe esclarecer a situação do feito e dos seus direitos, eventual interesse em participação de procedimento de Justiça restaurativa, inclusive de ser ouvida sem a presença deletéria e infamante, em alguns casos, do réu, cf. artigo 217 do CPP, etc.

Dentre outros direitos, o direito da vítima à entrevista com o Ministério Público consta agora instrumentalizado pela Recomendação CN nº 05, editada pela Corregedoria Nacional, Órgão do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), em 07/08/2023, e disponibilizada no seu Diário Eletrônico de 9/5/2023, Edição nº 143, página 13 [1], para sua orientação e esclarecimento.

Diz a norma:

"Art. 1º Recomendar às Unidades e Ramos do Ministério Público brasileiro a adoção de medidas destinadas a assegurar a atuação ministerial voltada ao acolhimento das vítimas de violência e à supressão da revitimização no âmbito institucional, em especial e observadas as peculiaridades locais:
(…)
VI – apresentar-se à vítima no dia da audiência e explicar com brevidade quais as funções do membro do Ministério Público, contextualizando-a de como se dará o ato;"

Cabe ao(à) integrante do Ministério Público, se não houve possibilidade fazê-lo em outra ocasião, requerer ao Juízo, antes da audiência processual, oportunidade para acolher e atender em entrevista reservada as vítimas de crimes e atos infracionais que desejem, e, analogicamente, seus representantes ou familiares cf. artigos 24 e 28, do CPP, conferindo-lhes a atenção necessária, para prestar informações ou esclarecimento acerca dos seus direitos, inclusive de reparação e suas consequências, e assim venha cumprir com dignidade sua função de colaboração com a Justiça. Entendo que a obrigação de atendimento pelo MP não é restrita apenas aos casos de violência, observada sua independência funcional.

Portanto, cabe ao integrante do MP, se não houve possibilidade fazê-lo em outra ocasião, requerer ao Juízo, antes da audiência processual, oportunidade para acolher e atender em entrevista reservada, as vítimas de crimes e atos infracionais que desejem, bem como, analogicamente, seus representantes ou familiares cf. artigos 24 e 28, do CPP, para lhes prestar informações ou esclarecimentos acerca dos seus direitos, inclusive da participação em procedimento de composição e suas consequências, assegurando-lhe dignidade e respeito no desempenho de sua função colaborativa com a Justiça. Entendo que a obrigação de atendimento às vítimas e familiares pelo MP não é restrita apenas aos casos de violência, observada sua independência funcional do agente ministerial.

A Recomendação CN nº 05/2023 estabelece um novo paradigma, mais um passo importante na caminhada para um Direito Processual mais humano e acolhedor!

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