Opinião

Transação tributária, Capag e incertezas com a Fazenda Nacional

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18 de agosto de 2023, 10h22

A possibilidade de que os sujeitos ativo e passivo de uma obrigação tributária celebrem uma transação para extinguir o crédito tributário não é uma novidade, uma vez que essa prática é prevista nos artigos 156, inciso III, e 171 do Código Tributário Nacional (CTN).

No entanto, essa oportunidade depende de legislação específica de cada ente político. No contexto federal, a viabilização dessa faculdade enfrentou uma lacuna legal até recentemente, quando foi promulgada a Lei nº 13.988/2020. Embora a transação como meio de extinguir o crédito tributário estivesse prevista desde o início no CTN, sua aplicação concreta é uma realidade recente, sendo posteriormente regulamentada pelas Portarias ME nº 247/2020, RFB Nº 247/2022 e PGFN n° 6.757/2022.

Isso resultou em situações em que os contribuintes frequentemente se depararam com ações arbitrárias por parte da Administração Pública, que muitas vezes toma decisões sobre a matéria sem observar devidamente a regulamentação legal, gerando incertezas e insegurança jurídica. A adoção de procedimentos mais transparentes e alinhados à legislação é essencial para garantir uma relação mais equilibrada entre o Estado e os cidadãos.

A situação ilustrativa disso ocorreu em 25 de maio de 2023, quando a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) tornou pública a proposta de transação por adesão, permitindo a negociação de dívidas ativas da União, conforme o Edital PGDAU Nº 3 (precedido pelo Edital PGDAU Nº 2). Essa transação possibilita que devedores paguem suas dívidas em condições mais favoráveis, com uma entrada correspondente a 6% do valor consolidado da dívida, a ser paga em até seis parcelas mensais, seguidas pelo pagamento do restante em até 114 parcelas mensais. Além disso, é possível obter uma redução de até 100% nos juros, multas e encargos legais, limitada a 65% do valor total de cada dívida negociada (artigo 6º).

No entanto, é importante notar que a concessão dessas reduções depende da Capacidade de Pagamento do sujeito passivo, avaliada em relação a um grau estimado de recuperabilidade do crédito, classificado nas categorias "A" a "D". Empresas enquadradas nas categorias "A" e "B" não se beneficiam do Edital PGDAU Nº 3, sendo aplicável somente às empresas com créditos considerados de difícil recuperação ou irrecuperáveis, ou seja, categorias "C" e "D". O critério de recuperabilidade é definido pelo artigo 19 da Portaria PGFN nº 6.757/2022, que fornece parâmetros a serem considerados pela PGFN, embora não exaustivamente.

Essa margem de discricionariedade permitiu que a PGFN desenvolvesse uma fórmula presumida de capacidade de pagamento individual, que frequentemente, devido à falta de critérios adequados, resulta em uma superestimação excessiva da capacidade de pagamento, não refletindo a realidade. Superestimar a capacidade de pagamento, na maioria das vezes, leva à classificação dos créditos nas categorias "A" e "B", excluindo as empresas dos benefícios da transação.

Entretanto, o meio de corrigir essa situação está previsto na própria Portaria PGFN nº 6.757, que, em seu artigo 27, possibilita que o contribuinte solicite uma revisão da sua capacidade de pagamento.

Apesar disso, a prática cotidiana ao submeter pedidos de revisão de capacidade de pagamento por parte das empresas tem demonstrado que a PGFN impõe obstáculos significativos a essa revisão, frequentemente rejeitando as solicitações sem observar a regulamentação pertinente. É comum que os Procuradores, em suas decisões, afirmem:

a) A PGFN desenvolveu métodos específicos para calcular a capacidade de pagamento de cada contribuinte, considerando o regime tributário, porte e situação cadastral. Existem quatro abordagens distintas para pessoas jurídicas e uma para pessoas físicas;

b) A capacidade de pagamento é calculada com base em dez variáveis (V1 a V10), que abrangem pagamentos, rendimentos, impostos, notas fiscais, receita bruta, débitos, garantias, veículos e aquisições imobiliárias do contribuinte;

c) As metodologias consideram informações fornecidas pelo contribuinte ou terceiros, além de informações sobre a gestão da dívida ativa da União;

d) Métricas financeiras como liquidez corrente, liquidez geral, relação entre endividamento e geração operacional de caixa (Ebitida) ou outras não são levadas em consideração;

e) O estabelecimento de critérios para avaliar a capacidade de pagamento é uma prerrogativa administrativa da PGFN, e esses critérios são aplicados de forma igualitária a todos os contribuintes; e

f) O Procurador da Fazenda não tem a autoridade para criar uma nova metodologia específica para um solicitante, uma vez que isso violaria o princípio da impessoalidade. Ele só pode revisar a metodologia se erros nos dados coletados pelo sistema e componentes da fórmula da Capag forem identificados.

É essencial ressaltar que a afirmação que impede o pedido de revisão de capacidade de pagamento de uma empresa sob o argumento de que não é permitido criar regras específicas para sua capacidade de pagamento, favorecendo sua situação particular, é completamente infundada. Isso significa que não há violação do princípio da impessoalidade ao formular regras adaptadas à capacidade de pagamento do contribuinte. De fato, essa abordagem está alinhada com o propósito principal da transação tributária introduzida pela Lei nº 13.988/2020. A lei visa garantir igualdade material, não apenas formal.

Vide o texto do artigo 3, I, da Portaria PGFN 6.757/2022, que estabelece como objetivo da transação na cobrança da dívida ativa da União e do FGTS viabilizar a superação de situações transitórias de crise econômico-financeira do sujeito passivo, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora e do emprego dos trabalhadores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Sem esquecer do que dispõe o artigo 1º, parágrafo 2º, da Lei nº 13.988/2020.

Além disso, decidir de maneira diferente contraria diretamente a sequência de procedimentos estabelecidos no Capítulo II da Portaria PGFN nº 6.757/2022. Vale ressaltar que o artigo 5º do Edital PGDAU Nº 3, por exemplo, determina que a avaliação do grau de recuperabilidade do crédito deve ser realizada de acordo com as disposições da referida Portaria PGFN nº 6.757.

Isso ocorre porque, considerando as diretrizes do artigo 21 da Portaria, que estipula que a capacidade de pagamento deve ser uniforme em todo o âmbito da Administração e calculada de forma a estimar se o sujeito passivo pode efetuar o pagamento dentro de um prazo de cinco anos, o artigo 27 subsequente permite ao sujeito passivo apresentar um pedido de revisão da sua capacidade de pagamento.

Do ponto de vista procedimental, a Portaria concede apenas duas opções ao Procurador ao receber o pedido de revisão da capacidade de pagamento: 1) verificar se o contribuinte apresentou todas as informações e documentos necessários; e 2) analisar o pedido.

É crucial enfatizar que, quando as informações e documentos adequados são fornecidos, existe uma obrigação para a unidade responsável de calcular a capacidade de pagamento real. Nesse sentido, o artigo 32 da Portaria é claro: "Estando em ordem a documentação e as informações apresentadas, nos termos dos artigos antecedentes, a unidade responsável deverá calcular a capacidade de pagamento efetiva do contribuinte".

Isso implica que, diante de uma série de documentos fiscais suficientes para questionar a presunção relativa de acerto do cálculo prévio da PGFN, uma decisão que não analisa os documentos fornecidos e evita calcular a capacidade de pagamento real do contribuinte é ilegal. Fora disso, cabe ao Procurador responsável, antes de finalizar o requerimento, entendendo que os documentos apresentados não são suficientes para a análise, solicitar que o interessado corrija a falha dentro do prazo estabelecido, juntando documentos complementares, de acordo com o artigo 31 da Portaria.

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