Opinião

Política fiscal e incentivos à "linha branca"

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15 de agosto de 2023, 6h34

No último dia 12 de julho, durante a cerimônia de reabertura do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, em Brasília, o presidente Lula, dirigindo-se à ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, afirmou ao país seu interesse em reduzir os impostos incidentes sobre a chamada "linha branca" de eletrodomésticos, que inclui geladeira, máquina de lavar, fogão e televisão.

Supõe-se a pretensão de estimular o consumo desses bens, o que levaria à geração de empregos e crescimento da economia. Logo, trata-se de política fiscal e não de simples "benefício" a certo setor e/ou pessoas.

Desde então, muito se comentou sobre a desoneração da "linha branca", com os principais responsáveis da equipe econômica, notadamente o vice-presidente Geraldo Alckmin, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad
, e a ministra Simone Tebet se esquivando de dar explicações, apenas mencionando que, até então, nenhuma diretriz lhes havia sido transmitida pelo presidente Lula.

Como estimular o crescimento da economia nacional se, no dia 1º de agosto, passou a valer a Portaria nº 612, de 29 de junho de 2023, do Ministério da Fazenda, isentando do imposto de importação as compras internacionais no valor de até US$ 50. Para tanto as empresas deverão aderir ao programa de conformidade da Receita Federal, denominado Remessa Conforme. Sobre tais bens incidirá o ICMS (estadual) de 17% conforme regra do Confaz.

Se o que se pretende é estimular a indústria nacional, dever-se-ia prever prazo para a vigência da desoneração, sob pena de haver uma espécie de concorrência desleal e ameaça a postos de trabalho no Brasil.

Pensar políticas públicas deve ter como foco o crescimento da economia nacional, contudo, ao "privilegiar" os comerciantes estrangeiros, e não os nacionais, a equipe econômica do governo "favorece" varejistas internacionais que, muitas vezes, atuam de forma predatória, e não incorrem nos custos trabalhistas e fiscais das empresas nacionais. Ora, se até as empresas internacionais estão sendo "favorecidas", então há excedente de caixa para fazer frente ao arcabouço fiscal proposto e zerar as dívidas do governo em 2024?

Só não se sabe se por remorso, ou senso de prudência, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, Geraldo Alckmin, na sexta-feira (4/8/2023), em palestra ministrada na Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs), em Porto Alegre, pôs em evidência a necessidade premente de baixar os impostos da chamada "linha branca". Por que da "linha branca" e não também de outros bens necessários para a qualidade de vida das pessoas?

É verdade que iniciamos um ciclo de flexibilização da taxa Selic (juros básicos da economia). Contudo, esse é apenas o início, sendo que a Selic ainda está em 13,25% ao ano. Portanto, o consumo de produtos da "linha branca" é impactado pelos juros altos. Nesse contexto, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, tem tratado como prioridade o Marco Legal das Garantias de Empréstimos (PL 4.188/2021), que reformula as normas que regulamentam as garantias de empréstimos com o objetivo de diminuir o risco de inadimplência do devedor e, assim, reduzir o custo do crédito.

Será que a inadimplência será reduzida se as pessoas são estimuladas a se endividarem? Essa medida deveria ter presente o elevado nível de endividamento das famílias, que levou ao programa Desenrola, que pretende reduzir o montante das obrigações e alongar o prazo de pagamento.

O Marco Legal das Garantias de Empréstimos já tinha sido aprovado na Câmara dos Deputados, contudo, foi modificado pelo Senado, sendo que terá de passar por uma segunda análise dos deputados.

Uma de suas inovações é permitir que um único imóvel seja dado em garantia na contratação de mais de um financiamento, além de possibilitar a retomada mais rápida do bem pelo credor em caso de inadimplência. Com isso, mais empréstimos poderão ser contratados com garantia, presumindo serem menores os juros.

Contudo, se o mesmo bem for objeto de dupla garantia, será que o segundo credor reduzirá a taxa de juros? Qual a certeza de que a excussão do desse bem, vendido em leilão, gerará recursos para cobrir as duas dívidas? Ademais, se aprovado o novo marco legal, maiores informações hão de ser prestadas à população, prestigiando o crédito consciente, pois, se, de um lado, o crédito é barateado, de outro, a responsabilidade do tomador do empréstimo cresce, uma vez que a inadimplência resulta na perda do bem dado em garantia, de maneira muito mais rápida.

Com efeito, a "linha branca" vem sofrendo não apenas com os juros altos, mas também com os altos impostos incidentes sobre toda a cadeia. São impostos que incidem em cascata, nos insumos, na produção, na distribuição, no comércio, no consumo, na energia elétrica (lembre-se dos jabutis inseridos no quadro geral), etc. O mínimo que o governo federal pode fazer é baixar o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) que incide sobre a "linha branca". Vozes já se levantam também no Congresso Nacional, merecendo destaque a atuação do senador Chico Rodrigues (PSB-RR).

Em seu pronunciamento na quarta-feira (02/08/2023), o senador, possível relator do projeto de lei de redução dos impostos incidentes sobre os produtos da "linha branca", destacou o positivo impacto da medida na vida de milhares de brasileiros de baixa renda, com dificuldades para comprar geladeira, lavadora de roupa, fogão, forno, micro-ondas etc., além de impulsionar a indústria e o comércio varejista.

Em 2009, o governo do então presidente Lula reduziu o IPI para produtos da "linha branca". O imposto sobre fogões caiu de 5% para zero. Sobre geladeiras, de 15% para 5%. Sobre máquinas de lavar, de 20% para 10% e sobre tanquinhos, de 10% para zero. Assim, o consumo cresceu significativamente e a capacidade produtiva, então ociosa, foi rapidamente preenchida, gerando emprego e renda.

A bem da verdade, os estados também poderiam ser chamados a compor a força-tarefa, reduzindo o ICMS que incide sobre a "linha branca", barateando ainda mais esses produtos. Será que há estímulo para tanto?

Hoje, não diferente daquela época, há uma demanda latente, não só das famílias de baixa renda, que continuam sem acesso a um conjunto de eletrodomésticos indispensáveis, como também das famílias de classe média, que aguardam a oportunidade para trocar seus antigos eletrodomésticos por outros mais modernos e econômicos.

Alckmin, por sua vez, está preocupado com a dificuldade no controle do crédito, haja vista o grande volume de empresas que atuam com os produtos da "linha branca". Contudo, esse controle pode ser simplificado, bastando que o Poder Executivo defina as linhas de crédito e os agentes de financiamento, bem como os benefícios fiscais para sua produção e o padrão mínimo de qualidade. Assim, só as instituições financeiras autorizadas e os melhores fabricantes poderiam participar do programa e os interesses do consumidor seriam protegidos.

Urge, pois, a adoção de medidas voltadas a melhorar a qualidade de vida das famílias brasileiras, que poderão finalmente dispor de artigos essenciais ao lar, haja vista os incentivos ao consumo dos produtos da "linha branca", com efetivo impacto na geração de emprego e renda, reaquecendo a economia.

Por outro lado, resta responder à questão basilar: melhorar a qualidade de vida das famílias depende apenas de redução de impostos sobre a "linha branca", ou saneamento básico, prevenção na área da saúde podem trazer mais benefícios?

Autores

  • é advogada, professora associada de Direito Comercial da Universidade de São Paulo, doutora em Direito pela Universidade de São Paulo e especialista em Administração de Empresas pela Fundação Getúlio Vargas.

  • é servidor público em São Paulo, doutorando em Direito e Ciências Sociais pela Universidad Nacional de Córdoba, mestre em Direito Comparado pela Samford University/University of Cambridge e especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário.

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