Opinião

Regulamentação das apostas esportivas

Autores

  • Eduardo Bruzzi

    é sócio de Payments Banking Fintech & Crypto no BBL (Becker Bruzzi Lameirão Advogados) mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio visiting scholar pelo Institute for Law & Finance da Goethe-Universität de Frankfurt membro da Comissão de Direito Público da OAB/RJ professor da pós-graduação em Direito Regulatório da Uerj e autor e coordenador do livro Banking 4.0: Desafios jurídicos e regulatórios do novo paradigma bancário e de pagamentos.

  • Pedro Lameirão

    é sócio da área de Tributário mestre em Finanças Públicas Tributação e Desenvolvimento pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) pós-graduado em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade Federal Fluminesnse (UFF) membro da Comissão Especial de Defesa do Contribuinte e Política Fiscal da OAB/RJ e da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB/RJ professor no curso de Extensão Tributação da Economia Digital na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e de pós-graduação em Direito Digital na Faculdade Cers.

  • Fernanda Approbato de Oliveira

    é advogada da área tributária e pós-graduada em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e em Direito Empresarial Internacional pelo CEU Law School (ISE).

10 de agosto de 2023, 6h34

A atividade das casas de apostas esportivas foi introduzida no Brasil pela Lei nº 13.756/2018, sendo parte das atividades de jogos de azar toleradas pelo Estado que, dentre outras finalidades, servem para angariar recursos para o chamado Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP).

O Capítulo V da Lei nº 13.756/2018, que se inicia no artigo 29, criou a chamada "Aposta de Quota Fixa" e, à época, foi responsável por abrir o Brasil às casas de apostas internacionais e a criação de casas de apostas nacionais, sem, contudo, apresentar maiores requisitos técnicos, operacionais ou exigir contrapartidas tributárias e regulatórias pelos operadores (casas de apostas).

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A "Aposta de Quota Fixa" é definida por ser um sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva, em que é definido, no momento de efetivação da aposta, quanto o apostador pode ganhar em caso de acerto do prognóstico.

Na própria redação original da lei, havia a disposição de que o Ministério da Fazenda autorizaria ou concederia a loteria de apostas de quota fixa, através de algum processo formal, isto é, realmente regulando a inscrição dessas casas de aposta e dando outras providências.

Contudo, por diversos fatores, a complementação do regulamento das casas de apostas apenas veio recentemente, com a publicação em 25/07/2023 da Medida Provisória nº 1.182/2023, que alterou a redação original da Lei nº 13.756/2018 para regulamentar a exploração de loterias de aposta de quota fixa pela União Federal, conhecidas como bets.

Ressalta-se que o procedimento de autorização em si ainda não foi formalizado e publicado, com as regras específicas sobre como funcionará o processo, prazos e documentos necessários, que possibilitem aos interessados a efetiva apresentação de pedido de autorização ao Ministério da Fazenda.

De todo modo, a referida medida provisória já estabeleceu que tais atividades passarão a ser tributadas a uma alíquota de 18% sobre o gross gaming revenue (GGR), isto é, a receita bruta de jogos, correspondente ao montante obtido com todos os jogos após o pagamento dos prêmios aos apostadores. Sobre o prêmio recebido pelo apostador haverá ainda incidência do Imposto de Renda à alíquota de 30%, respeitada a isenção estabelecida em lei para valores inferiores a R$ 2.112.

O produto da arrecadação será distribuído à seguridade social, à educação básica, ao Fundo Nacional de Segurança Pública, aos clubes e atletas que tiverem seus nomes e símbolos ligados às apostas e ao Ministério do Esporte. A expectativa do Governo federal é de arrecadar cerca de R$ 2 bilhões em 2024 com a regulamentação das apostas esportivas.

Além disso, com a redação dada pela Medida Provisória nº 1.182/2023, uma obrigação básica e muito aguardada, principalmente para trazer segurança jurídica ao Fisco e aos apostadores, foi instituída: a necessidade de estabelecimento formal do operador (casa de aposta) em território nacional.

Poderão solicitar autorização para exploração das loterias de apostas de quota fixa as pessoas jurídicas nacionais ou estrangeiras, devidamente estabelecidas no território nacional e que atenderem às exigências constantes da regulamentação a ser publicada pelo Ministério da Fazenda, nos termos do §4º da referida lei.

Todas as obrigações acessórias inerentes a uma empresa serão exigidas, em especial pelo Ministério da Fazenda, tais como informações técnicas, operacionais, econômico-financeiras e contábeis, dados, documentos, certificados, certidões e relatórios relativos às atividades desenvolvidas, assim como a garantia do sigilo legal e a proteção de dados pessoais das informações recebidas, se necessário. 

Vale destacar que além das possíveis penalidades previstas na legislação geral aplicáveis a pessoas jurídicas, a norma estabelece que a recusa, a omissão, a falsidade ou o retardamento injustificado no fornecimento de informações ou de documentos requeridos pelo Ministério da Fazenda sujeitam o infrator à multa diária de R$ 10 mil, que poderá ser majorada em até 20 vezes, se necessário, para que seja garantida a sua eficácia, nos termos do §6º do artigo 29, com nova redação dada pela MP.

Na redação original da Lei nº 13.756/2018, havia apenas a menção de que a espécie "aposta de quota fixa" iria incidir sobre os chamados "eventos reais de temática esportiva", porém, sem apresentar uma definição legal para tais eventos. Deduzia-se, portanto, se tratar de "eventos esportivos" de forma genérica. Agora, foi introduzido o artigo 29-A pela MP, definindo bem o que são os eventos reais de temática esportiva.

A medida provisória traz também alterações importantes em relação ao compliance de banking and payments. Isso porque o artigo 33-B, §4º da norma concede ao Banco Central os poderes para disciplinar os arranjos de pagamento, de forma a impedir a ocorrência de pagamentos que tenham por finalidade a realização de apostas de quota fixa por operadores não autorizados. Logo, de forma residual e complementar, o Banco Central também atuará na fiscalização dos operadores não autorizados.

Pressupõe-se que essa fiscalização seja feita de forma indireta, focada nas instituições de pagamento que fornecem os serviços de meios de pagamento para esses operadores, devendo exigir destas relatórios e documentos suplementares, focados na fiscalização desses "estabelecimentos comerciais".

Ademais, é exclusiva de instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central a oferta de contas transacionais que permitam ao apostador efetuar transações de pagamento de apostas de quota fixa e o recebimento de seus eventuais prêmios, nos termos do artigo 34-A (esta disposição, inclusive, já está em vigência).

Indo além, o artigo 33-D da norma obriga o operador a adotar mecanismos de segurança e integridade na realização da loteria de apostas de quota fixa, observado o disposto em regulamentação do Ministério da Fazenda a ser em breve publicado e na Lei nº 13.709/2018 (Lei Geral de Proteção de Dados – LGPD).

Diante desse cenário, é possível concluir que enquanto não há regulamentação específica sobre quais mecanismos de segurança e integridade as casas de apostas autorizadas deverão adotar, é bem provável que devam ser aplicáveis as boas práticas de mercado no que diz respeito à ética/conduta, anticorrupção, prevenção à lavagem de dinheiro, segurança da informação e proteção de dados, a exemplo do que acontece às entidades regulamentadas pelo Banco Central.

Isso se confirma pela leitura dos §§1º e 2º do mesmo artigo, que impõem aos próprios eventos esportivos objeto das apostas de quota fixa a adoção de ações visando a mitigação de manipulação de resultados e de corrupção por parte do operador e pelos operadores serem obrigados a integrar organismo nacional ou internacional de monitoramento de integridade esportiva.

É importante destacar que o agente operador da loteria de aposta de quota deve ainda promover ações informativas de conscientização dos apostadores e de prevenção do transtorno do jogo patológico, por meio da elaboração de códigos de conduta e da difusão de boas práticas, na forma estabelecida em regulamentação futura do Ministério da Fazenda, obedecendo ao artigo 33, §1º.

Conforme dispõe o artigo 35, a pessoa jurídica detentora da autorização (casa de apostas), necessita ainda remeter ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), informações sobre os apostadores relativas à prevenção de lavagem de dinheiro e de financiamento ao terrorismo. A partir disso, conclui-se que outra obrigação acessória das casas de apostas será o seu cadastro no Coaf e no sistema de envio de informações, o Siscoaf.

A referida medida provisória determina ainda que sócios e acionistas das empresas de apostas não poderão atuar como dirigentes ou ter participação em organizações esportivas, sendo que as companhias deverão informar ao Ministério da Fazenda qualquer suspeita de manipulação de resultados. Ademais, determinadas pessoas são proibidas de participarem de bets esportivas, tais como agentes públicos que atuem na fiscalização do setor a nível federal e os inscritos nos cadastros nacionais de proteção ao crédito, dentre outros.

A norma também dispõe que empresas que operam as apostas ficam proibidas de adquirir, licenciar ou financiar a aquisição de direitos de eventos esportivos feitos no Brasil para transmissão, distribuição ou qualquer outra forma de exibição.

Tais regras já se encontram em vigor. No entanto, a MP deve ser analisada e aprovada pelo Congresso em até 120 dias, de forma a não perder sua validade.

Autores

  • é sócio do BBL Advogados e head da área consultiva e contenciosa regulatória de Payments, Banking, Fintech & Cypto, mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio, visiting scholar pelo Institute for Law & Finance da Goethe-Universität de Frankfurt, membro da Comissão de Direito Público da OAB-RJ, professor da pós-graduação em Direito Regulatório da Uerj e autor e coordenador do livro Banking 4.0: Desafios jurídicos e regulatórios do novo paradigma bancário e de pagamentos.

  • é sócio da área de Tributário, mestre em Finanças Públicas, Tributação e Desenvolvimento pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), pós-graduado em Direito Financeiro e Tributário pela Universidade Federal Fluminesnse (UFF), membro da Comissão Especial de Defesa do Contribuinte e Política Fiscal da OAB/RJ e da Comissão de Assuntos Legislativos da OAB/RJ, professor no curso de Extensão Tributação da Economia Digital na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) e de pós-graduação em Direito Digital na Faculdade Cers.

  • é advogada tributarista do escritório Rayes & Fagundes Advogados Associados.

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