Opinião

Dedutibilidade de multas administrativas das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL

Autores

  • Maurício Pereira Faro

    é sócio de Barbosa Müssnich e Aragão Advogados mestre em Direito pela Universidade Gama Filho professor dos cursos de pós-graduação da PUC-RJ e FGV-RJ e presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-RJ.

  • Thais de Barros Meira

    é sócia de Barbosa Müssnich e Aragão Advogados Doutora em Direito Tributário pela USP LL.M. pela Harvard Law School mestre em Direito do Estado pela PUC/SP e advogada em São Paulo.

4 de agosto de 2023, 17h17

Há poucos dias, a 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) proferiu relevante decisão favorável aos contribuintes: a possibilidade de dedução de multa administrativa das bases de cálculo do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) [1].

Mais especificamente, estava sendo discutida a dedutibilidade de multa imposta pelo Instituto do Meio Ambiente do Estado da Bahia em virtude de extração de vegetação sem autorização dos órgãos competentes.

Há anos vínhamos defendendo a possibilidade de dedutibilidade de multas da base de cálculo d IRPJ e da CSLL. Isso porque as multas são despesas usuais, normais e necessárias aos contribuintes, dedutíveis, portanto, das bases de cálculo dos referidos tributos nos termos da legislação aplicável. De acordo com a jurisprudência do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), as despesas consideradas indedutíveis são, geralmente, aquelas decorrentes de negócios artificiais e aquelas decorrentes de mera liberalidade, muitas vezes relacionadas a gastos ou encargos estranhos aos objetivos sociais da sociedade.

De modo geral, o que se depreende da jurisprudência do Carf é que: 1) a usualidade, necessidade e normalidade devem ser analisadas considerando se os atos praticados pela sociedade são corriqueiros para sua atividade-fim; 2) esse critério, contudo, não é absoluto, visto que despesas extraordinárias podem, dependendo da situação fática, atender aos requisitos legais de dedutibilidade, como no caso despesas arcadas pela revendedora de veículos; 3) interpretações restritivas e pautadas pelo subjetivismo não estão sendo aceitas pela jurisprudência administrativa; e 4) não cabe à fiscalização ponderar a respeito da oportunidade dos atos negociais da sociedade.

Assim, a melhor interpretação para os termos "usual" e "normal" dada pela jurisprudência administrativa, nos termos acima mencionado, é no sentido de que a despesa em questão pode ser excepcional ou esporádica em relação ao dia a dia do contribuinte, desde que, por outro lado, possa ser considerada como usual ou normal à natureza de seu negócio, das suas operações ou atividades.

Há previsão expressa apenas quanto à indedutibilidade de multas por infrações fiscais, sendo reconhecida, também de forma expressa a possibilidade de dedução de multas fiscais de natureza compensatória e as impostas por infrações de que não resultem falta ou insuficiência de pagamento de tributo.

Assim, a própria Receita Federal já se posicionou no sentido de que constitui despesa dedutível a multa, contratualmente prevista, pelo atraso na entrega de carga, quando incorrida por pessoa jurídica, que explore atividade de agenciamento de cargas, nos termos do artigo 311 do RIR/18 (Solução de Consulta Cosit nº 281, de 27 de setembro de 2019).

O fato de a multa decorrer de um ilícito deve ser irrelevante para fins de sua dedutibilidade, pois são admitidas, por exemplo, a dedução de valores referentes "desfalque, apropriação indébita e furto, por empregados", desde que cumpridos os requisitos previstos no referido dispositivo legal.

Já havia algumas decisões do Carf que admitem a dedutibilidade de valores vinculados diretamente a um ilícito. A título ilustrativo, citamos decisão proferida pelo Conselho de Contribuintes no Acórdão CSRF/01-01.192, julgado em 29 de outubro de 1991, em que se decidiu que "são dedutíveis do lucro operacional as despesas de correntes de indenização à vítima de acidente de trânsito, causada por veículo de propriedade da empresa e a seu uso, devidamente comprovadas e, desde que, não constituam em mera liberalidade" [2].

O contribuinte sustentou, em breve síntese, que "embora não possa dizer que acidentes de trânsito façam parte da atividade operacional da empresa, eles podem ocorrer impondo-se a reparação do dano civil, o que implica na permissão da dedução das despesas efetuadas pois esse ônus, sob a ótica econômica decorre do risco do empreendimento, faz parte do próprio negócio e, assim a indenização constitui despesa dedutível".

Na ocasião, o relator considerou que, tendo sido a sociedade condenada a indenizar despesas decorrentes de um ato ilícito praticado por seu preposto, ato este que não se caracteriza como imoral, ato que constitui ônus inerente à atividade da sociedade, que constitui risco da própria existência da sociedade e das atividades principais e acessórias que exerce, devem estes gastos constituir despesa dedutível.

Nessa mesma linha de entendimento, o Carf concluiu que a indenização decorrente de lesão sofrida por cliente mediante falsos endossos de cheques praticados por ex-empregados da Instituição Financeira, quando não provada a culpa do correntista, é dedutível da base de cálculo do IRPJ [3].

Assim, entendemos que, exceto no caso de multas de infrações fiscais que não tenham natureza compensatória ou que não sejam decorrentes de infrações de que não resultem falta ou insuficiência de pagamento de tributo, todas as demais multas que estejam relacionadas ao objeto social da sociedade devem ser dedutíveis das bases de cálculo do IRPJ e da CSLL, na mesma linha da recente decisão da CSRF.

 


[1] Julgamento do Processo Administrativo nº 10530.721720/2014-81, julgado em 12 de julho de 2023.

[2] Em sentido similar, restou decidido no 1) Acórdão nº 12-205.74, de 20 de agosto de 2008, que seriam dedutíveis do lucro operacional as despesas decorrentes de indenização à vítima de acidente causado por veículo de propriedade da empresa, desde que as despesas fossem devidamente comprovadas e não constituíssem mera liberalidade e 2) Acórdão nº 101.80.657, de 23 de outubro de 1990, que são dedutíveis do lucro operacional as despesas com indenização por danos materiais causados a terceiros em acidente envolvendo veículo e motorista da empresa, quando a indenização decorre de condenação judicial.

[3] Acórdão nº 103.20.394, de 17 de outubro de 2000.

Autores

  • é advogado tributarista do escritório Barbosa, Müssnich & Aragão Advogados. Ex-conselheiro titular da 1ª Seção do Carf; professor dos cursos de Pós-Graduação da UCAM, PUC-RJ e FGV/RJ; e presidente da Comissão Especial de Assuntos Tributários da OAB-RJ.

  • é advogada, doutora em Direito Tributário (USP), LLM pela Harvard Law School e mestre em Direito do Estado - PUC/SP.

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