Opinião

A verdade sobre "penduricalhos"

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3 de agosto de 2023, 13h24

Conforme nos ensina o velho adágio, "o pior cego é aquele que finge não enxergar; o pior surdo o que finge não ouvir; o pior mudo, o que não admite; e a pior mentira é enganar a si próprio".

Assim, aquele que se aventura a escrever sobre algo, deve se preocupar em empregar as palavras de forma precisa, correta e responsável, sem distorcer os seus sentidos, a fim de evitar a desinformação e/ou manipulação e transmitir ao leitor os reais significados das expressões utilizadas.

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Não é, contudo, o que se tem verificado nos últimos tempos, quando notícias veiculadas sobre a remuneração dos Magistrados paulistas, distorcem conceitos e manipulam as informações, especialmente ao confundir, propositadamente, subsídios ("salário") com créditos trabalhistas, em nítido propósito de enfraquecer a imagem do Poder Judiciário bandeirante frente à população.

Isso porque não existe nenhum tipo de "penduricalho" na remuneração de juízes e desembargadores do Tribunal de Justiça de São Paulo, pois toda verba recebida decorre de previsão legal e constitui legítimo direito da carreira.

Aliás, quando se trata de avaliar salários de magistrados, existe o hábito de abordar o tema maldosamente, quando não de forma debochada, chamando de "penduricalhos" legítimas verbas trabalhistas recebidas, como se fossem pagamentos escusos, ilegítimos ou ilegais. Isso é inaceitável e jamais aconteceu na Corte de São Paulo.   

A propósito, como afirmei recentemente nesta mesma ConJur, há uma grande hipocrisia no discurso de que os magistrados paulistas são privilegiados e recebem supersalários, sendo, ainda, absolutamente inaceitável a crítica feita a pagamentos de verbas atrasadas (valores devidos e não pagos no momento correto) e de indenização por férias vencidas, que apenas não puderam ser usufruídas em razão da imperiosa necessidade de serviço, dada a escassez de juízes e o alto grau de litigiosidade. Ou seja, se existem contracheques com valores superiores ao subsídio, é porque há encargos que não foram pagos no tempo oportuno, tratando-se, pois, de mera recomposição de direitos, tais como as férias acumuladas.

Com efeito, a necessidade de conversão em pecúnia de férias e outros afastamentos regulares não usufruídos, decorre do fato de a atividade jurisdicional ser ininterrupta, por expressa determinação constitucional (artigo 93, XII, da Carta Magna).

A tal circunstância soma-se o elevado déficit de magistrados e severas limitações orçamentárias, a inviabilizar novas contratações em número suficiente para recomposição do quadro funcional. Nesse contexto, a fim de atender aos ditames constitucionais de ininterruptibilidade da prestação jurisdicional, acesso à Justiça e duração razoável do processo, não resta alternativa senão indeferir o gozo de férias e outros afastamentos regulares por absoluta necessidade de serviço, facultando sua conversão em pecúnia.

Ao contrário do que se tem lido, nenhum magistrado do Tribunal de Justiça de São Paulo recebe subsídios acima do teto constitucional. Eventuais verbas extras pagas em acréscimo aos subsídios, torna-se a dizer, se referem a auxílios legalmente previstos ou passivos regulamentados pelo Conselho Nacional de Justiça (adicional por tempo de serviço — ATS; auxílio por assunção de acervo; auxílio saúde), que em nada se comparam a "penduricalhos" e, dadas as restrições orçamentárias da Corte paulista, são pagos de forma amplamente parcelada, conforme a disponibilidade financeira do Tribunal.

Repita-se: não existem "penduricalhos" inseridos na remuneração dos magistrados do Tribunal de Justiça de São Paulo. As verbas que compõem seus vencimentos são absolutamente legítimas.

Na verdade, justamente em razão da enorme desvalorização da carreira da magistratura operada nos últimos anos, seja por ataques dos desinformados, seja pela defasagem do valor dos subsídios, inúmeros magistrados estão se exonerando e migrando para a atividade privada ou outras carreiras públicas, que atualmente apresentam remuneração mais vantajosa e sem os riscos, restrições e limitações inerentes ao Poder Judiciário, o que acarreta a perda de bons profissionais.

Recorde-se, por oportuno, que o exercício da magistratura impede o desempenho de atividade econômica paralela, a exigir que o sistema remuneratório do Poder Judiciário se afigure instrumento capaz de assegurar a necessária tranquilidade financeira a seus integrantes.

Portanto, tal como ocorre na teoria norte-americana da cegueira deliberada (willful blindness doctrine), em que a ação do agente ultrapassa os estágios da imprudência e da negligência, mediante a criação intencional de obstáculos como uma forma de se manter ignorante diante de algo, é preciso que a sociedade esteja atenta a não permitir que essa ignorância propositada, sirva de escudo para odiosas distorções sobre conceitos importantes que definem a remuneração dos magistrados, profissionais que desempenham atividade de fundamental importância para a manutenção do Estado democrático de Direito, à garantia da vida republicana e à paz social.

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