Opinião

Execução nos juizados especiais cíveis: ideais para melhorar sua efetividade 

Autor

  • Erick Linhares

    é ex-presidente do Fonaje juiz de Direito em Roraima doutor em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra e professor da Universidade Estadual de Roraima.

3 de agosto de 2023, 20h45

Aplicação subsidiária do CPC
Conceitualmente, a execução tem sido definida como o cumprimento forçado de uma obrigação líquida, certa, exigível e inadimplida. Logo, o processo executivo é o conjunto de atos judiciais aptos a compelir o devedor a satisfazer o direito do credor.

Por isso, as tutelas executivas estão intrinsecamente vinculadas ao objeto da prestação obrigacional descumprida, seja de pagar quantia certa, entregar coisa, fazer ou não fazer.

Por exemplo, na obrigação de dar (entregar), a tutela executiva será de desapossamento, quando o bem for móvel, mediante busca e apreensão, como ocorre no leasing. Caso o objeto da obrigação seja entregar um imóvel, a tutela se dará por imissão na posse.

Quanto às obrigações de dar quantia certa (pagar), temos a execução por expropriação, mediante atos de penhora e alienação. Por sua vez, em relação às obrigações de fazer ou não fazer, as tutelas executivas serão de transformação, pois objetivam que o Estado-juiz realize a obrigação inadimplida ou que coaja o devedor a cumprir o avençado.

Essa estrutura básica é comum a todo processo executivo, seja ele regido pelo CPC, pela CLT ou pela Lei 9.099/1995, para nos atermos apenas aos principais diplomas normativos.

Nos Juizados Especiais, o legislador fez uma opção pela estruturação do processo executivo segundo a natureza do título e não conforme o tipo de tutela. Por isso, a execução é tratada em dois dispositivos: os títulos judiciais, no artigo 52, e os extrajudiciais, no artigo 53, ambos da Lei 9.099/1995.

Na prática, isso leva a que tenhamos técnicas executivas que estão no dispositivo voltado para a execução de sentença que são aplicáveis para os títulos extrajudiciais e vice-versa, como ocorre com os incisos V (obrigação de entregar, fazer ou não fazer), VI (obrigação de fazer) e VII (obrigação de pagar quantia certa) todos do artigo 52, que são perfeitamente compatíveis com a execução do artigo 53; assim como o §4° desse artigo 53 que se aplica ao artigo 52, como se vê no Enunciado 75 do Fonaje.

O Código de Processo Civil também mantém a divisão conforme a natureza do título, o cumprimento de sentença do artigo 513 até 538 e a execução extrajudicial do artigo 771 até 925, mas a estruturação desses dispositivos se dá "conforme a natureza da obrigação" (artigo 513), ou seja, conforme a tutela executiva.

Assim, temos o cumprimento de sentença de obrigação de pagar quantia certa (artigos 523 a 527), entregar coisa certa (artigo 538), fazer ou não fazer (artigos 536 a 537). A mesma estrutura é replicada na execução extrajudicial: entrega de coisa certa (artigos 806 a 810), entrega coisa incerta (artigos 811 a 813), fazer (artigos 815 a 821), não fazer (artigos 822 a 823) e para a obrigação de dar quantia certa (artigos 824 a 903).

Embora alguns desses dispositivos do processo comum sejam aplicáveis à execução nos Juizados Especiais, ao se observar a terminologia utilizada pela Lei 9.099/1995, em especial nos artigos 52 e 53, verifica-se que se diferenciam daquela que se encontra no Processo Comum.

A Lei 9.099/1995 criou um procedimento executivo próprio, tanto para o título judicial como para o extrajudicial. O Código de Processo Civil somente tem aplicação subsidiária, como se vê claramente no caput dos artigos 52 e 53 da LJE. 

Consequentemente, o CPC/2015 somente deve ser aplicado no que não colidir com as normas e princípios da Lei 9.099/1995, como já ocorria no CPC/1973 e nas alterações legislativas que o processo de execução havia sofrido, com as Leis 11.232/2005 (título executivo judicial) e 11.382/2006 (título executivo extrajudicial).

A redação original do CPC/1973 utilizava a expressão "execução de título judicial", porque a execução era entendida como outro processo. Todavia com a reforma introduzida pela Lei 11.232/2006 (e mantida no atual CPC) essa execução passou a ser denominada de cumprimento de sentença, uma vez que a satisfação do julgado passou a ser apenas uma fase do processo.

Essas alterações não foram novidades para o Sistema dos Juizados Especiais, pois a Lei 9.099, em 1995, ou seja, onze anos antes da reforma no CPC/1973, já havia criado um processo uno, eliminando a dicotomia entre processos de conhecimento e execução.

Outro exemplo, o CPC/2015 aboliu os embargos executivos de título judicial, substituindo-os pela impugnação (CPC/2015, artigo 525, §1°). Entretanto, não se pode compatibilizar essas normas com os Juizados Especiais.

Como o processo comum somente tem aplicação subsidiária, se a Lei 9.099/1995 fala em embargos, não há como transformá-los em impugnação. Assim, nos Juizados Especiais a defesa na execução de sentença se dá por embargos, e não por impugnação.

O principal reflexo dessa orientação é quanto ao prazo para oferecimento dos embargos. A Lei 9.099/1995 é omissa quanto a esse prazo na execução de sentença (artigo 52, inciso IX). Aplica-se, neste caso, o artigo 915 do CPC/2015 nas disposições gerais sobre embargos de devedor, e este artigo uniformizou o prazo em quinze dias.

Justo por isso, o Fonaje através do enunciado 142 fixou a tese que: "Na execução por título judicial o prazo para oferecimento de embargos será de quinze dias e fluirá da intimação da penhora".

Efetividade
O direito à execução efetiva compõe o complexo constitucional chamado de devido processo legal. Não há injustiça maior do que ganhar um processo com decisão transitada em julgado e não conseguir o resultado prático, palpável e com expressão financeira.

O próprio Código de Processo Civil, em seu artigo 4.°, estabelece que: "as partes têm direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluindo a atividade satisfativa". Essa regra é perfeitamente compatível com os princípios dos Juizados Especiais (artigo 2° da Lei 9.099/1995), pautados na simplicidade, economia processual e celeridade.

Na execução, é bom que se diga, não há mais reclamado, mas sim condenado (executado). Não se discutem mais teses jurídicas, se realizam atos de satisfação da obrigação inadimplida.  Logo, devem ser adotadas todas as medidas possíveis para garantir a efetividade da tutela jurisdicional, como por exemplo:

a) Ampliação do polo passivo da execução;
b) Convênios administrativos;
c) Oneração do devedor;
d) Participação ativa do magistrado na execução.

Vejamos cada uma dessas técnicas:

Aumentar o polo passivo da execução: quanto maior o número de executados, maior a chance de êxito na pesquisa patrimonial para satisfação da dívida. A melhor maneira de se fazer isso é pela adoção da teoria menor da desconsideração da personalidade jurídica, positivada no artigo 28 do Código de Defesa do Consumidor.

Por essa teoria, basta a situação de fato, a insolvência, a inadimplência, a insuficiência de bens ou dissolução irregular do capital social para que se permita a execução dos bens do sócio, não havendo necessidade de se comprovar desvio de finalidade ou confusão patrimonial para que se proceda a superação da personalidade. Deve-se evitar, assim, a teoria maior da desconsideração, expressa pelo artigo 50 do Código Civil.

Aliás, sobre a desconsideração da personalidade nos Juizados Especiais, o incidente processual, previsto no artigo 133 do CPC/2015, deve ser lido de forma a se compatibilizar com os princípios gerais do sistema (artigo 2° da Lei 9.099/1995), ou seja, não haverá suspensão do processo, tampouco autuação em apartado. Sobre o tema: "A desconsideração da personalidade jurídica é processada nos mesmos autos, sem a suspensão do processo ou formação de incidente, facultando ao juízo, o deferimento das medidas necessárias a garantir a efetividade da execução". (Enunciado 07/2017 COJES – TJRJ)

Convênios administrativos: A celebração de convênios com várias instituições (Sisbajud, Simba, Comprot, Rede Lab-LD, Infojud, Renajud etc) proporciona aos magistrados meios para buscar o patrimônio dos devedores para que não fujam ao cumprimento das execuções.

Por meio dessas ferramentas financeiras pode-se, por exemplo, analisar o fluxo de ativos financeiros dos devedores inadimplentes, rastrear a origem e destino desses ativos e avaliar a capacidade patrimonial dos executados, procedimento esse que possibilita, inclusive, identificar eventual integração interempresarial para efeito de caracterização de grupo econômico.

Oneração do devedor: Muito se fala em se mitigar a oneração do devedor, então, deve-se esclarecer que quando este texto alude ao aumento do ônus sobre o executado, estamos nos referindo àquele que não se dispõe a pagar voluntariamente.

A legislação, além dos meios típicos ou diretos de execução (como bloqueio de valores e penhora de outros bens), autoriza o juiz a determinar todas as medidas atípicas de execução, sejam elas indutivas, coercitivas, mandamentais e sub-rogatórias necessárias para garantir ao credor a satisfação de seu direito.

O artigo 139 do CPC/2015, de aplicação subsidiária ao Sistema dos Juizados Especiais (Enunciado 161 do Fonaje), permite a utilização dos chamados meios atípicos ou não convencionais de execução, isto é, de medidas de coerção indireta e psicológica que, por agravarem os ônus da inadimplência, objetivam levar o devedor a cumprir a obrigação. Exemplificativamente: suspensão da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), apreensão de passaporte, bloqueio de cartão de crédito, reconhecimento da insuficiência dos juros legais (CC, artigo 404, parágrafo único), dentre outras.

Nesse rol de medidas coercitivas está a possibilidade de inclusão do nome do devedor nos cadastros de inadimplentes, que encontra previsão expressa no artigo 782, §3.° do CPC.

Parte dessas medidas já existiam no CPC de 1973 (artigo 461, §5°), porém se referiam apenas às obrigações de fazer e não fazer. A inovação do atual CPC foi sua aplicação também para induzir o devedor ao cumprimento de obrigações pecuniárias.

O STJ (Superior Tribunal de Justiça) entende que a utilização dos meios atípicos de execução se trata de medida subsidiária aos meios típicos de satisfação do crédito e que, justo por isso, existe a necessidade de indícios de que o devedor possua recursos para cumprimento da obrigação e comprovação de esgotamento dos meios típicos para a satisfação do crédito (REsp 1.864.190).

Participação ativa do magistrado: São medidas simples, adotadas pelo juiz na condução do processo, que encurtam o seu tempo de tramitação e prestigiam a efetividade da execução.

Por exemplo, na prática muitas vezes o exequente requer os atos de pesquisa e constrição patrimonial em sequência, em vez de pedi-los de uma única vez. Desta forma, requer a penhora on-line e quando frustrada essa, postula outras medidas, uma após a outra, como pesquisa junto ao departamento de trânsito, cartórios imobiliários etc.

Esse tipo de andamento processual apenas acarreta atraso na marcha do processo e leva o juiz, após cada diligência frustrada, a despachar para o credor requerer o que entender adequado. Isso é contraprodutivo.

O ideal é pesquisar em todas as bases de dados possíveis, na tentativa de satisfazer o crédito. Apenas quando não for encontrado patrimônio é que se deverá intimar o credor para manifestação.

A parte exequente deve requerer, desde logo, todas as pesquisas cadastrais possíveis ou medidas constritivas que pretende ver adotadas para a satisfação de seu crédito. Aliás, nada obsta que essas providências já constem na própria ata de audiência ou no dispositivo da sentença, para agilizar a execução.

A título de exemplo, o juiz pode determinar a intimação do exequente para dizer se pretende ver executado seu crédito, quando decorrido o prazo de pagamento voluntário, bem como se deseja que o Judiciário pesquise em bases de dados públicas e privadas, praticando atos de penhora, registro e expropriação ou se tem interesse que o devedor seja protestado, quando não localizados bens.

Afora essa releitura da forma de despachar na execução, outras medidas podem ser adotadas, como a penhora de parte do salário para pagamento de débito não alimentar.

A jurisprudência do STJ [1] já definiu que a impenhorabilidade de salários, vencimentos e proventos (CPC, artigo 833, inciso V) pode ser excepcionalizada, sendo  possível a penhora de até 30% do salário do devedor para o pagamento de dívida não alimentar, desde que não comprometa a sua subsistência digna.

Outro estímulo para o adimplemernto da obrigação em execução é intimar o executado para indicar bens passíveis de penhora, sob pena de multa por ato atentatório à dignidade da justiça (CPC, artigo  774, inciso V).

Como se sabe, o nosso processo civil é pautado pelo princípio da cooperação (CPC, artigo 6.°), segundo o qual todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si. Esse dever de cooperar está presente tanto na fase de conhecimento, quanto na satisfativa ou executória.

Logo, incumbe ao executado o dever de contribuir para o bom andamento do feito e, sobretudo, para a satisfação da obrigação, o que justifica sua intimação para se manifestar sobre questão essencial à satisfação da obrigação, sujeitando-se às consequências.

O dever de cooperação, portanto, impõe ao executado o compromisso de apresentar todos os seus bens, indicar os que foram transferidos, comprovar a propriedade, preservar seu patrimônio, abster-se de atitudes que obstem a execução, bem como evitar a interposição de recursos protelatórios.

Na eventualidade de descumprimento desse dever de cooperação, "o juiz fixará multa em montante não superior a vinte por cento do valor atualizado do débito em execução" (CPC, artigo 774, parágrafo único).

Conclusão
Embora os Juizados Especiais sejam autônomos em relação ao processo civil, a efetividade da execução é comum em ambos os sistemas, porque é diretamente vinculada à dignidade do próprio Judiciário e à força de fazer valer suas decisões.

Justo por isso, este artigo preconiza que o Código de Processo Civil fornece uma série de mecanismos que, aliados à evolução da tecnologia, se devidamente interpretados e aplicados ao Sistema dos Juizados Especiais, trazem mais efetividade à atividade satisfativa.

 

 

Bibliografia
FAVA, Marcos Neves. Execução trabalhista efetiva. São Paulo: LTr, 2009.

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz e MITIDIERO, Daniel. Novo Código de Processo Civil comentado. 2 ed. São Paulo: RT, 2016.

 


[1]REsp 1722673/SP e REsp1645585/DF.

Autores

  • é secretário-geral do Fórum Nacional dos Juizados Especiais (Fonaje), juiz de Direito em Roraima, doutor em Relações Internacionais pela UnB e pós-doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra.

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