Opinião

Responsabilidade do hospital por conduta de médico contratado pelo paciente

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30 de abril de 2023, 6h34

A prestação de serviços de saúde é atividade complexa, que envolve diversos sujeitos e relações de diferentes naturezas. A atividade hospitalar, por exemplo, não se restringe à execução de serviços médicos, sendo composta também pelo serviço de hospedagem, entendido de forma abrangente, não apenas relativamente aos cuidados com o paciente durante a internação, mas a tudo que tenha relação com a estrutura hospitalar, como, por exemplo, o bom funcionamento e conservação dos equipamentos utilizados, a qualidade da alimentação oferecida, os serviços de enfermagem, realização de exames e limpeza, dentre outros.

Por isso, é de extrema relevância ao gerenciamento de estabelecimentos de saúde que os responsáveis pela gestão conheçam a natureza destas relações e serviços, haja vista a implicação direta que tem na responsabilização civil dos fornecedores em caso de falha na prestação do serviço que acarrete dano ao paciente.

Juridicamente, para apuração da responsabilidade civil por eventual prejuízo causado ao paciente, será averiguado, inicialmente, o tipo de serviço prestado e os sujeitos envolvidos.

Quando o dano decorrer de defeito ou falha na prestação de serviço eminentemente hospitalar, decorrentes do uso de sua estrutura, da segurança do paciente, alimentação ofertada, funcionamento de equipamentos e outros, os tribunais brasileiros não têm dificuldades em afirmar que a responsabilidade civil do estabelecimento de saúde será objetiva, isto é, independentemente de comprovação de culpa.

De outro lado, quando a falha diz respeito a ato praticado pelo profissional de saúde, antes, é preciso distinguir se o ato a que se imputa o defeito foi realizado por funcionário do hospital. Nesse cenário, chama a atenção situação em particular: a disponibilização da estrutura hospitalar para prestação de serviços médicos por profissionais que não fazem parte do corpo clínico do hospital.

Exemplo corriqueiro é a realização de cirurgias plásticas. Nesta hipótese, o paciente contrata o cirurgião plástico em seu consultório particular, que indica os hospitais em que está habituado a realizar cirurgias, sendo a escolha da unidade hospitalar realizada em conjunto pelo médico e paciente. Feita a opção, a cirurgia será realizada pelo médico, quem entra em contato com o hospital para agendar a utilização do centro cirúrgico, bem como da equipe de enfermagem e demais instrumentos necessários à execução do procedimento.

123RF

Trata-se, portanto, de atividade complexa, em que há, de um lado, a relação do paciente com o profissional que executará o serviço médico de cirurgia plástica e, de outro, o estabelecimento de saúde, que ofertará o serviço de hospedagem hospitalar, com a internação e disponibilização de todo o aparato necessário à realização da cirurgia, incluídos aí estrutura física e recursos humanos, à exceção do cirurgião e equipe própria — regra geral, médico(s) assistente(s) e instrumentador.

De acordo com a legislação vigente, o paciente tem o direito de acionar judicialmente tanto o profissional quanto o hospital, por eventual dano exclusivamente decorrente de falha no serviço médico, ou seja, do cirurgião contratado diretamente pelo paciente.

Na hipótese, os tribunais brasileiros dividem-se quanto à responsabilidade de hospitais, a exemplo do TJ-RJ (Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro), na AC nº 0127530- 38.2007.819.0001, para quem o oferecimento de centro cirúrgico acarreta responsabilidade objetiva, isto é, que independe de culpa do hospital, pelo simples fato de ser prestador de serviço nos termos do Código de Defesa do Consumidor, para o qual a responsabilidade de fornecedores de serviço é solidária.

Assim, há entendimento jurisprudencial para condenar o hospital a reparar o paciente, solidariamente, isto é, juntamente com o médico, a despeito de não haver falha na prestação do serviço hospitalar e de inexistir vínculo de subordinação entre o cirurgião e o hospital.

Contudo, no Superior Tribunal de Justiça (REsp nº 1.635.560-SP), há o entendimento de que a responsabilidade do hospital somente tem espaço quando o dano decorrer de falha de serviços, cuja atribuição é afeta única e exclusivamente à instituição de saúde. Logo, quando for restrita ao profissional médico sem vínculo com o hospital, não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar o paciente.

Este entendimento é o mais frequentemente adotado, na medida em que não se revela razoável imputar responsabilidade da instituição quando inexistir qualquer queixa direcionada ao hospital, especialmente se os equipamentos hospitalares cedidos funcionaram adequadamente no período pré, intra e pós-cirúrgico, assim como a estadia do paciente, equipe de enfermagem e outros serviços auxiliares.

Nos termos deste entendimento não existe, portanto, qualquer elemento hábil a trazer para o hospital a responsabilidade por eventual culpa autônoma médica de profissional sem relação de preposição com a instituição hospitalar, devendo neste caso, ser comprovado o nexo de causalidade entre o procedimento realizado e o dano alegado à luz da responsabilidade subjetiva.

Segundo Ruy Rosado de Aguiar Júnior, em sua obra “Responsabilidade Civil dos Médicos”, o hospital responde pelos atos médicos dos profissionais que o administram (diretores, supervisores, etc.), e dos médicos que sejam seus empregados.

Corroborando o exposto, a 4ª Turma do STJ (REsp nº 351.178-SP) estabeleceu duas condições para aferir a responsabilidade do hospital: apurar se houve falha na prestação do serviço hospitalar, bem como verificar se há subordinação do médico que supostamente causou o dano ao paciente.

Assim, a prova cabal que valida a preposição do médico em relação à instituição hospitalar é a existência de contrato de vínculo empregatício ou subordinação, não sendo suficiente o cadastro de credenciamento médico normalmente mantido pelas instituições hospitalares para a utilização das instalações e realização de procedimentos médicos, conforme julgado recente do TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo):

AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS, MORAIS E ESTÉTICOS DECORRENTES DE PROCEDIMENTO CIRÚRGICO – Cinge-se a controvérsia a definir se a recorrente possui responsabilidade civil por erro médico cometido por profissional que não possui vínculo com o hospital, mas utiliza as dependências do estabelecimento para a realização de internação e exames. Por ocasião do julgamento do REsp 908.359/SC, a Segunda Seção do STJ afastou a responsabilidade objetiva dos hospitais pela prestação de serviços defeituosos realizados por profissionais que nele atuam sem vínculo de emprego ou subordinação. Precedentes. A responsabilidade do hospital somente tem espaço quando o dano decorrer de falha de serviços cuja atribuição é afeta única e exclusivamente à instituição de saúde. Quando a falha técnica é restrita ao profissional médico sem vínculo com o hospital, não cabe atribuir ao nosocômio a obrigação de indenizar. Tal entendimento foi reiterado pela Terceira Turma do STJ, por ocasião do julgamento do REsp 1.635.560/SP. Sendo assim, é caso de se afastar a responsabilidade da recorrente pelos eventos danosos noticiados nos autos. Sentença reformada neste tocante. Recurso provido. (TJ-SP; Apelação Cível 1012265-75.2018.8.26.0005; Relator (a): Fernando Marcondes; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro Central Cível – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 05/09/2022; Data de Registro: 05/09/2022)

Em razão de entendimentos em sentidos diversos, as instituições de saúde precisam compreender os diferentes posicionamentos dos tribunais e legislação aplicáveis, o que é crucial para minimizar os impactos decorrentes da responsabilidade civil e, assim, contribuir para o fornecimento de seus serviços com maior segurança.

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