Opinião

Natureza jurídica da contribuição ao Senar

Autores

  • Rudy Maia Ferraz

    é advogado especialista em direito agrário pela UFG (Universidade Federal de Goiás) sócio da Ferraz Advogados Associados e diretor jurídico da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

  • Viviane Faulhaber Dutra de Magalhães

    é advogada mestranda em direito econômico financeiro e tributário pela USP (Universidade de São Paulo) especialista em direito tributário e professora conferencista pelo Ibet (Instituto Brasileiro de Estudos Tributários). Assessora jurídica em Tributário da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

  • Rhuan Rafael Lopes de Oliveira

    é advogado especialista em Direito Tributário pelo IDP e assessor jurídico em Tributário da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil).

30 de abril de 2023, 15h16

Muito se controverte acerca da natureza jurídica da contribuição devida ao Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural). Contudo, a discussão não é tão simples quanto parece e muitos debates não perpassam as especificidades necessárias que, se consideradas, esclarecem ser uma contribuição cobrada do rural e revertida para o rural, ou seja, instituída em favor do interesse da categoria econômica em sua completude.

Com relação às contribuições a doutrina afirma que "o artigo 149, caput, do texto constitucional prescreve a possibilidade da União instituir contribuições como instrumento de sua atuação no âmbito social, na intervenção no domínio econômico e no interesse das categorias profissionais ou econômicas. Três, portanto, são as espécies de contribuição: (i) social, (ii) interventiva e (iii) corporativa, tendo o constituinte empregado, como critério classificatório, a finalidade de cada uma delas, representada pela destinação legal do produto arrecadado". [1]

Com base nisso, é de se concluir que a classificação de contribuições é feita segundo o critério finalístico da instituição da exação conjugada com a análise da destinação da arrecadação, bem como da referibilidade.

Detalhando brevemente esse ponto, vale lembrar, as contribuições sociais "gerais" possuem maior abrangência dentre os três tipos, ao se destinarem ao financiamento social, bem-estar e justiça social, de um modo geral. Já as contribuições de intervenção no domínio econômico, como o próprio nome evidencia, demandam uma atuação estatal no domínio econômico e, para tanto, é indispensável a competência da União para o exercício da atividade interventiva, nos termos dos artigos 173 e 174 da Constituição.

Por outro lado, as contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, também chamadas de contribuições corporativas, manifestam finalidade social para emprego de suas receitas tal como ocorre com as contribuições sociais gerais.

Entretanto, há um ponto que deve ser levado em consideração, caso contrário, incorrer-se-á em grave equívoco classificatório.

Diferentemente das contribuições sociais gerais, há peculiaridades que justificam a sua criação e cobrança das contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas, dentre elas, a cobrança realizada por entidade de direito privado mediante delegação, ensejam o enquadramento da exação em uma categoria diferenciada das contribuições sociais genéricas. [2]

Além disso, há um segundo ponto fundamental que deve ser levado em consideração: a referibilidade. Uma vez delimitada a referibilidade, a natureza jurídica da contribuição está definida e não há argumentos transversais que permitam classificar a contribuição de maneira diversa.

Como expressão típica do princípio da referibilidade atrelado à noção de solidariedade de grupo, temos a justificativa ético-jurídica para a instituição de contribuições ("referibilidade de grupo")[3] e, desse modo, as contribuições corporativas se voltam essencialmente ao setor profissional ou econômico representado.

É dizer, a finalidade social também se encontra presente nas contribuições corporativas, porém, nesse caso, a noção de benefício associado a um grupo econômico ou profissional específico é tão forte que o constituinte lhe atribuiu um enquadramento especial no próprio texto do artigo 149 da CF/88. [4]

Com isso chegamos ao questionamento do presente artigo: qual é a natureza jurídica da contribuição ao Senar?

Dentro daquilo que já apontamos acima, a resposta a essa indagação remonta à instituição da contribuição e a análise da destinação empregada, bem como da referibilidade direta entre os sujeitos passivos e os benefícios oferecidos pelos serviços prestados pelo Senar, as quais indicam se tratar de contribuição instituída no interesse da categoria econômica do setor agropecuário.

Tanto é assim que, para além da previsão dos artigos 149 e 240 da CF/88, a constituição estabeleceu, no título atinente à Ordem Econômica, precisamente em seu artigo 187, que a política agrícola será "planejada e executada na forma da lei, com participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais", levando em conta especialmente (a) os preços compatíveis com os custos de produção e a garantia de comercialização; (b) o incentivo à pesquisa e à tecnologia, (c) a assistência técnica e extensão rural, e (d) a habitação para o trabalhador rural.

Para dar efetividade à determinação constitucional supramencionada, que a própria Carta Magna, no art. 62 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, determinou a criação do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural, que ocorreu em 1994.

Para a consecução do principal objetivo desse serviço social autônomo — capacitação do setor rural (artigo 2º do Decreto 566/92) — foi instituída uma contribuição compulsória cobrada dos empregadores e produtores rurais, cuja receita é destinada para a execução de programas em três grandes pilares, que alcançam transversalmente (trabalhadores e produtores rurais) todo o setor: formação profissional rural (FPR), promoção social (PS) e assistência técnica e gerencial (ATeG).

Por meio da formação profissional rural são ofertados cursos, capacitações e outras atividades (palestras, oficinas, seminários, dias de campo, workshop, entre outros) aos produtores e trabalhadores rurais com o objetivo de promover o alto nível técnico e o aumento da eficiência na produção no campo. Estima-se que em 2022 as ações de formação beneficiaram 2.401.963 produtores, trabalhadores rurais e outras pessoas do setor agropecuário.

A promoção social possui enfoque educativo e possibilita ao trabalhador, produtor rural e suas famílias a aquisição de conhecimentos, desenvolvimento de habilidades pessoais e sociais e mudanças de atitudes que favorecem melhor qualidade de vida e participação na comunidade.[5] É o caso, por exemplo, dos programas de saúde preventiva do homem e da mulher Rural, bem como de saúde bucal no campo.

O serviço de assistência técnica e gerencial, por sua vez, é ofertado ao produtor rural mediante metodologia própria que prevê o acompanhamento mensal das propriedades rurais (durante 24 meses) com foco na melhoria dos processos produtivos, na otimização econômica, tecnológica e no desenvolvimento social da família rural, alcançando assim a sustentabilidade na produção rural.

Para se ter noção da importância desse serviço, em 2021 foi constatado um aumento médio de 22%[6] na produção de leite das propriedades que completaram o ciclo de visitas realizadas dentro do programa de assistência técnica e gerencial. Do mesmo modo em 2023 foi constatado um aumento de mais de 100% na produção de mandioca em uma propriedade atendida pelo programa de Assistência Técnica e Gerencial do Senar[7].

Do ponto de vista orçamentário a ATeG também assume protagonismo na aplicação dos recursos. De acordo com dados disponibilizados, em 2022, pelo Senar [8], R$ 145 milhões de reais foram alocados no orçamento para execução de programas relacionados a esse serviço, enquanto foram alocados cerca de R$ 84 milhões de reais para a formação profissional rural e quase 2 milhões para a promoção social rural.

Como se vê, diferentemente do que ocorre com o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem do Comércio (SENAC) que possuem atividade direcionada, em boa medida, aos trabalhadores dos respectivos setores econômicos, os serviços oferecidos pelo SENAR atingem, diretamente, toda a categoria econômica do setor agropecuário, em benefício tanto dos trabalhadores quanto dos produtores brasileiros, tanto é assim, que o SENAR não possui grande centros de treinamento como os demais serviços sociais autônomos, mas possui milhares de técnicos de campo que podem atuar todas as propriedades rurais do país.

O fato de ser cobrada do rural e revertida integralmente em favor do setor de produção rural, estando clara sua referibilidade nos moldes expostos acima, juntamente com o fato de a receita ser gerida e aplicada por entidade privada desvinculada da administração e vinculada à entidade sindical dos produtores rurais, constitui ponto fulcral da diferenciação entre a contribuição ao SENAR e as contribuições sociais gerais (como é o caso da contribuição ao FGTS, por exemplo).

É de se concluir, portanto, que a contribuição ao SENAR se conecta diretamente as matérias tratadas na Ordem Econômica, prevista no artigo 187 da Constituição Federal, que atrai características próprias do corporativismo[9], razão por que se conclui que a sua natureza jurídica é de contribuição corporativa, ou seja, instituída no interesse da categoria econômica agropecuária.


[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 76.

[2] FERNANDES, Simone Lemos. Contribuições Neocorporativas na Constituição e nas Leis. Belo Horizonte: Delrey, 2005. p. 116-117.

[3]  “Porém, não basta que a contribuição parafiscal tenha legal destinação específica e previsão orçamentária. Para que os referidos tributos cumpram a sua finalidade e obtenham a validação constitucional é preciso que haja a referibilidade de grupo entre os contribuintes da exação e a finalidade estatal por ela financiada, que tem que guardar relação com o grupo de que o contribuinte faz parte.” (RIBEIRO, Ricardo Lodi. “Contribuições Parafiscais e a Validação Constitucional das Espécies Tributárias.” Revista Dialética de Direito Tributário, nº 174, março, 2010. p. 118).

[4]A contribuições no interesse de categorias profissionais, como contribuições especiais típicas, seguem o arquétipo básico das Ciências das Finanças, tendo sua instituição guiada pelo princípio da referibilidade, que se manifesta como uma conexão entre o elemento finalístico do mandamento e o aspecto pessoal da hipótese de sua norma instituidora.” (FERNANDES, Simone Lemos. Op. Cit. p. 218-219)

[5] https://cnabrasil.org.br/storage/arquivos/Manual-Orientacao-SENAR_2022.pdf

[6] https://cnabrasil.org.br/publicacoes/relatorio-de-gestao-2021

[7] https://www.cnabrasil.org.br/noticias/produtor-de-mandioca-melhora-producao-com-ateg

[8] https://app3.cna.org.br/transparencia/?gestaoOrcamentariaDespesa-SENAR-2022-1069

[9] Na definição clássica de Philippe Schmitter: “O corporativismo pode ser definido como um sistema de representação de interesses no qual as unidades constituintes são organizadas em um número limitado de categorias singulares, compulsórias, não competitivas, hierarquicamente ordenadas e funcionalmente diferenciadas, reconhecidas ou licenciadas (quando não criadas) pelo Estado, às quais é concedido monopólio de representação dentro de sua respectiva categoria em troca da observância de certos controles na seleção de seus líderes e na articulação de demandas e apoio.” (SCHMITTER, Philippe C. Still the Century of Corporatism? Review of Politics, n. 36, 1974. P. 43-44 – Tradução livre)

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