Opinião

Considerações sobre a inconstitucionalidade por prognose legislativa

Autor

  • André Luiz Maluf

    é procurador do município de Juiz de Fora advogado mestre em Direito Constitucional pela UFF ex-professor substituto de Direito Administrativo da UFF ex-subprocurador geral municipal especialista em Diritto Público Comparato pela Università di Siena pós-graduado em Direito Público e editor do Academia.Edu.

29 de abril de 2023, 9h20

Quando as prognoses legislativas que deram origem às leis não se confirmam, pode o Poder Judiciário, em sede de controle de constitucionalidade, declarar a incompatibilidade destas com a Constituição. Este fenômeno é chamado de inconstitucionalidade por prognose.

No âmbito do Direito comparado, a Corte Constitucional da Alemanha se vale de diversos procedimentos racionais para a realização de prognósticos [1]:

a) o processo-modelo (Modellverfahren), que se refere a um procedimento das ciências sociais destinado a antever desenvolvimentos futuros a partir de uma análise causal-analítica de diversos fatores estáveis ou variáveis;

b) a análise de tendências (Trendverfahren), no qual se analisam determinadas tendências de desenvolvimento em função do tempo;

c) o processo de teste (Testverfahren), que propicia a generalização de resultados de experiências ou testes para o futuro;

d) o processo de indagação (Befragungsverfahren), no qual se indaga sobre a intenção dos partícipes envolvidos no processo.

Constatada a manifesta inconsistência do prognóstico estabelecido pelo legislador, viável a declaração de incompatibilidade da lei com a Constituição. Cite-se os seguintes precedentes da Corte alemã: BVerfGE 7, 377; BVerfGE 12, 144.

A questão mais complexa é aferir quando a análise dos fatos legislativos ensejará a Inconstitucionalidade por Prognose. Conforme Gilmar Mendes tratando do Tribunal Constitucional Alemão:

"No que respeita à falhas de prognósticos, a Corte adota uma solução diferenciada, avaliando se a prognose legislativa se revela falha de início (im Ansatz verfehlt) ou se se cuida de um erro de prognóstico que somente se pode constatar a posteriori, após uma continuada aplicação da lei. No primeiro caso, o déficit de prognose enseja a nulidade da lei (OSSENBÜHL, op. cit., p. 487). Na segunda hipótese, quando se verifica a falha na prognose legislativa após o decurso de certo tempo, considera o Tribunal irrelevante do prisma constitucional o erro de prognóstico cometido desde que seja parte integrante de uma decisão tomada de forma regular ou obrigatória. No chamado Mühlen-Beschluss deixou assente o Tribunal que erros sobre a evolução do desenvolvimento econômico devem ser admitidos, até porque o legislador está obrigado no limite do possível, para evitar perigos futuros, a tomar decisões cuja eficácia depende de fatores variados e que, por isso, podem ter desenvolvimentos não desejados (ou diversos daqueles desejados)(BVerfGE 16, 147 (181 s.); BVerfGE 18, 315 (332)) [2]."

Em outras palavras, quando a falha de prognose é originária, ou seja, congênita, e manifesta, conforme documentos históricos, literatura especializada, com base ainda em dados estatísticos e análises de peritos ou experts, bem como bases científicas e técnicas, a inconstitucionalidade é possível de ser declarada.

Por outro lado, quando a prognose não se concretiza ao longo do tempo, ausente esta previsibilidade ab initio, verifica-se que o legislador errou, mas não se declara a inconstitucionalidade por prognose. Haveria, assim, um direito ao erro do legislador, o qual, de fato, não possui condições de prever todos os eventos futuros, sobretudo em questões que são afetadas por fatores variáveis. Assim, a aferição de fatos e prognoses legislativos é controle de resultado (Ergebniskontrolle) e não do processo (Verfahrenskontrolle) [3].

O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre a inconstitucionalidade por prognose no controle de normas penais, ainda que não o tenha feito expressamente:

"Se é certo, por um lado, que a Constituição confere ao legislador uma margem discricionária de avaliação, valoração e conformação quanto às medidas eficazes e suficientes para a proteção do bem jurídico penal, e, por outro, que a mesma Constituição também impõe ao legislador os limites do dever de respeito ao princípio da proporcionalidade, é possível concluir pela viabilidade da fiscalização judicial da constitucionalidade dessa atividade legislativa. O Tribunal está incumbido de examinar se o legislador considerou suficientemente os fatos e prognoses e se utilizou de sua margem de ação de forma adequada para a proteção suficiente dos bens jurídicos fundamentais — BVerfGE 88, 203, 1993". (Habeas Corpus 102.087 MG, relator: ministro Celso de Mello, redator do acórdão, ministro Gilmar Mendes, 28/2/2012, p. 11).

Cabe ao legislador, assim, levantar e diligenciar acerca dos prognósticos e das consequências da aplicação da norma de forma sustentável (Op cit. Habeas Corpus 102.087, p. 15). Em que pese a matéria tratar do dever do Tribunal de inteirar-se dos diagnósticos e prognósticos realizados pelo legislador para a confecção de determinada política criminal, o mesmo pode ser aplicado ao controle de constitucionalidade de políticas de saúde e demais ramos da ordem econômica e social. Via de regra, em tais matérias falta expertise ao Poder Judiciário, em termos de capacidades institucionais, de maneira que exige-se deste deferência às escolhas técnicas e discricionárias dos demais Poderes. Nesta linha, o STF se posicionou no sentido de que as decisões dos gestores durante a pandemia do Covid-19 deveriam ser lastreadas em critérios técnico-científicos (MC na ADI 6.421, relator ministro Roberto Barroso, Dj. 20/5/20).

Desta forma, parece viável, à luz do fenômeno da Inconstitucionalidade por Prognose que medidas legislativas, e também administrativas, sejam submetidas a este crivo, de modo que seria possível a declaração de inconstitucionalidade por vícios congênitos de prognose, quando presente a manifesta inconsistência desta com documentos, pareceres e critérios técnico-científicos que demonstrem a sua não confirmação. Ao revés, quando o administrador ou o gestor tenha ampla margem de discricionariedade, havendo incerteza sobre a matéria, ou os prognósticos só possam ser avaliados ao longo da execução da medida, a Corte deve ser deferente às escolhas adotadas. O presente artigo não tem qualquer pretensão de esgotar o tema, que é evidentemente complexo. Entretanto, o instituto parece ser relevante na medida em que agrega um plus de accountability institucional, de maneira a aumentar não só o ônus argumentativo dos legisladores e administradores, quando da adoção de medidas, mas igualmente do Poder Judiciário quando do controle judicial de políticas públicas e legislativas.


1. PHILIPPI, Klaus Jürgen, Tatsachenfeststellungen des Bundesverfassungsgerichts, Colônia, 1971, p. 56, apud, MENDES, Gilmar. Controle de Constitucionalidade: Hermeneutica Constitucional e Revisão de fatos e prognoses legislativos pelo órgão judicial. 2000, p. 09.

2. Op. Cit. p. 11-12.

3. MENDES, Gilmar. Op. Cit. p. 11.

Autores

  • é procurador do município de Juiz de Fora, mestre em Direito Constitucional pela UFF, ex-professor substituto de Direito Administrativo da UFF, ex-subprocurador geral municipal, especialista em Diritto Público Comparato pela Università di Siena, pós-graduado em Direito Público e editor do Academia.Edu.

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