Atrito entre poderes

Senado dos EUA pressiona Suprema Corte para adotar código de ética próprio

Autor

27 de abril de 2023, 10h23

O presidente da Suprema Corte dos Estados Unidos, John Roberts, recusou convite do presidente do Comitê Judiciário do Senado para depor sobre supostas violações da ética judicial por ministros da Corte, que teriam omitido informações sobre presentes e rendas externas em suas declarações financeiras e deixado de se considerar suspeitos em casos que poderiam envolver conflitos de interesse.

Divulgação
Senado tem pressionado a Suprema Corte a adotar código de ética próprio

Roberts enviou uma carta ao presidente do comitê, senador Dick Durbin, que diz: "Devo, respeitosamente, recusar seu convite. Um testemunho do presidente da Suprema Corte perante o Comitê Judiciário do Senado é excessivamente raro, como se pode esperar, à luz de preocupações com a separação de poderes e com a importância de preservar a independência judicial."

O ministro anexou à carta uma declaração sobre princípios e práticas de ética que, segundo ele, todos os ministros observam. O documento diz que "os ministros seguem o código de conduta imposto aos juízes das Cortes inferiores, embora haja uma variedade de exceções às regras de transparência, em nome da segurança e por outras razões".

O documento, assinado pelos nove ministros da corte, diz ainda: "Os ministros, individualmente, não a Corte, decidem questões de declaração de suspeição. Se o plenário da Corte ou qualquer órgão da Corte fosse tomar decisões sobre suspeição de cada ministro, isso criaria uma situação indesejável, na qual a Corte poderia afetar o resultado de um caso, por selecionar os ministros que poderiam participar de um julgamento."

O comitê convidou John Roberts para prestar esclarecimentos sobre o código de ética dos ministros da Suprema Corte depois das denúncias contra o ministro Clarence Thomas. Segundo a agência jornalística ProPublica, por mais de duas décadas Thomas fez viagens de luxo pelo mundo, bancadas pelo bilionário republicano Harlan Crow, e se hospedou em resorts exclusivos, sem nunca incluir tais presentes em suas declarações financeiras anuais.

Após essa divulgação, mais duas denúncias vieram à tona. Uma de que Thomas relatou em suas declarações financeiras ter recebido pagamentos de aluguel da Ginger Ltd., Partnership — uma empresa que foi fechada em 2006, segundo o Washington Post.

A outra foi a de que o bilionário texano Harlan Crow comprou de Thomas e sua família uma casa (em que a mãe do ministro continua vivendo sem pagar aluguel) e dois lotes em Savannah, Geórgia, sem nunca relatar a venda em suas declarações financeiras, segundo a ProPublica.

Nova denúncia
Em sua defesa, Thomas declarou em nota: "Quando cheguei à Corte, meus colegas e outros membros do Judiciário me explicaram que esse tipo de hospitalidade pessoal, a convite de amigos pessoais próximos que não têm processos tramitando na Suprema Corte, não precisa ser declarado."

No entanto, os sites da Bloomberg e do Politico divulgaram que Thomas participou de pelo menos um julgamento que envolveu uma empresa a qual Harlan Crow tem participação (pouco menos de 50%), a Trammell Crow Residential Co.

A empresa foi processada por um escritório de arquitetura, que pediu uma indenização de US$ 25 milhões, alegando violação de direitos autorais. A Suprema Corte decidiu não julgar o processo, em uma ordem de uma sentença, sem anotação de qualquer dissidência ou declaração de suspeição, o que indica que Thomas participou da decisão, segundo a Bloomberg.

Reação no Senado
O senador democrata Angus King e a senadora republicana Lisa Murkowski apresentaram, na quarta-feira (26/4), um projeto de lei que, se aprovado pelo Congresso, irá requerer que a Suprema Corte crie um novo código de conduta exclusivo, no prazo de um ano, contado a partir da sanção a lei. 

O projeto estabelece que a corte "deverá nomear um indivíduo para se encarregar de examinar quaisquer reclamações de violação do código e deverá dar à corte autoridade para iniciar investigações para determinar se ministros ou funcionários se engajaram em conduta que afete a administração da justiça ou viole leis federais ou códigos de conduta".

Uma das justificativas é a de que é preciso recuperar a confiança pública na instituição, que está mais baixa do que nunca. A última pesquisa do Instituto Gallup, de junho de 2022, indica que apenas 25% da população adulta dos EUA tem muita ou bastante confiança na Suprema Corte. A pesquisa de junho de 2021 indicou que esse índice de confiança era de 36%.

Mais um ministro denunciado
Por quase dois anos, o ministro da Suprema Corte Neil Gorsuch e dois sócios tentaram vender uma casa de 914,4 metros quadrados, em uma área rural de 40 acres à beira do Rio Colorado, nas montanhas a noroeste de Denver — sem encontrar interessados.

Nove dias depois após ser nomeado ministro da Suprema Corte, no entanto, Gorsuch recebeu uma oferta atraente. Em 16 de abril de 2017, Brian Duffy, CEO da Greenberg Traurig, uma das maiores bancas do país, comprou a propriedade por US$ 1,8 milhão. Coube ao ministro 20% do valor da venda, que corresponde a sua participação na Walden Group, LLC., empresa do ministro com seus dois sócios.

Em sua declaração financeira, Gorsuch relatou a venda da casa, mas omitiu o nome do comprador — deixou o espaço em branco, segundo o Politico.

Desde então, a Greenberg Traurig esteve envolvida em pelo menos 22 casos que tramitaram pela Suprema Corte, como representante de clientes ou por meio de amicus curiae. Em 12 casos em que o voto do ministro foi registrado, ele se posicionou a favor de clientes da Greenberg Trauring oito vezes e contra quatro vezes.

As informações são da National Public Radio (NPR), Huffpost, Bloomberg, The Hill, Daily Beast, The Wall Street Journal, Politico, Washington Post e The Guardian

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!