Arbitragem em xeque

STJ vai julgar mais um caso de violação do dever de revelação

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25 de abril de 2023, 17h13

Desembarca na próxima semana no Superior Tribunal de Justiça mais um caso clamoroso de arbitragem manchada por conflito de interesses de julgadores. Segundo a Justiça do Piauí, falharam com o dever de revelar dois ícones da arbitragem no Brasil: Selma Lemes e Carlos Carmona.

STJ
O caso será julgado em breve
pelo Superior Tribunal de Justiça
STJ
 

O processo trata de uma ação anulatória de sentença arbitral baseada, entre outras irregularidades, na parcialidade do procedimento. Depois de esgotadas todas as possibilidades de recurso no Tribunal de Justiça do Piauí, o desembargador Manoel de Sousa Dourado, vice-presidente da corte, determinou no último mês de março a remessa imediata dos autos ao STJ.

A disputa entre as empresas Barramares Turismo e Hotelaria e Delta do Parnaíba Empreendimentos envolvendo o direito de preferência na venda de imóveis foi decidida em favor da Delta em uma arbitragem do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) — resultado que foi mantido em primeira instância. Só que, em recurso, o acórdão da 2ª Câmara Especializada Cível do TJ-PI apontou uma série de irregularidades e anulou a sentença arbitral.

Conforme o desembargador Brandão de Carvalho, relator, os árbitros Selma Lemes e Carlos Alberto Carmona deixaram de revelar circunstâncias que poderiam ser questionadas pela Barramares. Segundo o processo, os dois árbitros se limitaram a negar que conheciam, sem qualquer ressalva, os advogados da Delta do Parnaíba.

"A árbitra, dra. Selma Maria Ferreira Lemes, e o presidente do tribunal arbitral, dr. Carlos Alberto Carmona, faltaram com a verdade ao negarem que conheciam advogados do escritório que representa os apelados, então autores no procedimento arbitral […]. No citado documento, dentre outras perguntas, é questionado se os árbitros conhecem alguma das partes ou seus advogados, e ambos respondem apenas que não os conheciam, sem fazer ressalvas", diz o relator.

Acontece que ficou demonstrado no processo que os dois árbitros conheciam os advogados da Delta em razão da participação em eventos e em bancas examinadoras e da publicação de livros em conjunto. Se soubesse dessas circunstâncias antes do procedimento arbitral ocorrer, argumenta o relator, a empresa poderia impugnar a presença dos dois ou pedir esclarecimentos.

"Não se trata dos árbitros acreditarem ou não que a informação era relevante a ponto de ser prestada, vez que nesse caso seria apenas uma omissão. A questão é que a instituição perguntou diretamente aos árbitros se os mesmos conheciam as partes ou advogados destas e a resposta não correspondeu à verdade", explicou Brandão de Carvalho, ao indicar que Selma e Carmona não cumpriram com o dever de revelação.

O desembargador cita um parecer do próprio Carmona para explicar a importância do dever de revelação: "Negociações pressupõem contatos com representantes, diretores ou acionistas, de modo que não se sabe qual o nível de relacionamento que pode resultar de uma negociação contratual. É por tudo isso que se exige que tal contato entre árbitro e partes seja informado (e, eventualmente, explicado), para que não possa restar dúvida, reserva ou ressalva sobre o fato".

Brandão de Carvalho ainda aponta que Carmona, na função de presidente do tribunal arbitral, orientou o advogado da empresa vencedora a pedir a exclusão de uma terceira companhia do polo passivo (Inversiones Españolas en Piauí — Inespi) e que não havia sido intimada a comparecer à audiência, justamente para evitar que essa companhia tentasse anular a arbitragem.

"Constatado o vício de nulidade, isto é, a ausência de notificação de uma das partes, deveria o tribunal arbitral ter redesignado a audiência para outra data, aguardando a intimação de todos. Ao invés disso, criou-se um subterfúgio que atentou contra o próprio regulamento do 'CBMA' [Câmara Brasileira de Mediação e Arbitragem]", escreveu o desembargador.

Ainda de acordo com o processo, o advogado da empresa que venceu a arbitragem teve a chance de discutir com seu cliente sobre o risco de nulidade para, só então, serem estipulados os prazos do procedimento arbitral. A Inespi não só foi mantida no procedimento como constou na ata de audiência que ela havia sido intimada — o que, apontou o voto, demonstrou não ser verdadeiro.

A quebra da imparcialidade também ficou evidente para o desembargador em uma tratativa heterodoxa: "Em outro trecho da audiência degravada, os árbitros conversam com o advogado da requerente a respeito de seus honorários e combinam que o pagamento destes, assim como demais despesas, já seria assumido pela requerente em razão do temor de que a outra parte não viesse a pagar. A arbitragem estava ainda se iniciando e logo na abertura já houve essa negociação entre apenas uma das partes, na ausência da outra, sem ao menos aguardar se haveria inadimplemento por parte de uma das requeridas, para que, aí sim, a outra fosse responsabilizada pelo pagamento em razão da solidariedade prevista no regulamento do 'CBMA'".

Como se não bastasse, Brandão de Carvalho chamou a atenção para o valor da condenação (R$ 30 milhões) imposta à empresa derrotada baseado apenas no cálculo da parte vitoriosa, usando, nas palavras do desembargador, "parâmetros pouco confiáveis e tendenciosos e que são incompatíveis com a realidade econômico-financeira do lugar e do tempo em que teria sido dado causa". Segundo ele, não foi feita uma única diligência para produção de provas, tampouco audiência de instrução ou conciliação — medidas que, ressaltou, poderiam ter sido solicitadas pelos árbitros.

"O que se verifica na arbitragem em questão é um conjunto considerável de situações que evidenciam a leniência com a apelada e tratamento não isonômico dispensado às partes no intuito de proferir, de qualquer forma, a sentença arbitral em prejuízo dos apelantes, atropelando as formalidades essenciais inerentes ao devido processo legal. Por tudo quanto exposto, resta caracterizada a parcialidade do procedimento arbitral e proferimento da sentença, motivo pelo qual decido pela anulação da sentença arbitral", conclui o desembargador, que também viu violação à seda da arbitragem e ao prazo para prolação de sentença.

Em seu voto, seguido pelo colegiado, Brandão de Carvalho apontou que a imparcialidade não é só uma questão de mérito, mas também de ordem pública. "No que tange à arbitragem, a imparcialidade não só é indispensável como deve ser observada de forma ainda mais criteriosa e sob um prisma mais amplo, em função das características próprias desse meio de solução de conflitos e, especialmente, da ausência do princípio do juiz natural, inerente ao procedimento judicial."

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