Opinião

Incidência do ITCMD em
operação internacional de trust

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25 de abril de 2023, 19h09

A Secretaria da Fazenda e Planejamento de São Paulo, em controverso entendimento, decidiu sobre a incidência do ITCMD em operações internacionais de trust. A Sefaz-SP afirmou que o imposto deve ser exigido na transferência de ativos do instituidor do trust (settlor) ao administrador (trustee), indo na via oposta ao entendimento já pacificado do Supremo Tribunal Federal.

O STF, ao decidir sobre a matéria, julgou a ADO 67, entendendo que o ITCMD não incide sobre doações de bens no exterior e que, para uma possível incidência, seria necessária lei complementar para regularizar a questão. Um ano antes, os ministros da Suprema Corte já haviam analisado o tema, ao julgar o Recurso Extraordinário n° 851.108, com Repercussão Geral, entendendo que os estados e o Distrito Federal não têm competência legislativa para instituir a cobrança.

O ITCMD, por sua vez, se trata do Imposto de Transmissão causa Mortis e Doação, e é um tributo de competência impositiva dos estados e do Distrito Federal, cuja previsão constitucional se encontra no artigo 155, inciso I da Constituição de 1988. Contudo, no ano de 2020, a Receita Federal orientou os fiscais de que o recebimentos dos beneficiários do trust, que sejam residentes no Brasil, estariam sujeitos ao recolhimento de até 27,5% de Imposto de Renda, que por sua vez é um imposto de competência da União, e não dos estados e do Distrito Federal, como o ITCMD.

A recente decisão da Sefaz-SP cria uma grande confusão e deixa um enorme desconforto para o contribuinte, que na ausência de qualquer lei complementar, está sujeito a bitributação imposta pela falta de coerência tributária gerada pela imprevisibilidade das decisões do Fisco ante o entendimento dos tribunais, tornando a judicialização da matéria, saída inevitável.

A consequência dessa decisão será, invariavelmente (se é que podemos usar este nível de certeza com um judiciário como o nosso), a falta de economia processual, pautada na contradição entre o entendimento da Sefaz-SP com a posição dos tribunais, causando ao contribuinte toda sorte de prejuízos, seja com os honorários advocatícios que terá de arcar, seja com o tempo de processo, que terá de esperar, seja com a expectativa do resultado que, ao fim, acompanhará o entendimento dos tribunais, gerando ao fisco a responsabilidade de arcar com a sucumbência, que será custeada com o dinheiro dos próprios contribuintes prejudicados pela falta de critérios do poder público quanto ao entendimento tributário em questão.

A decisão da Sefaz-SP é desrespeitosa e deve ser revista com urgência, não só por contrariar a tendência jurisprudencial dos tribunais nacionais, como também por ignorar a própria lógica da estrutura do trust, por ser esta, na maioria das vezes, incompatível com a incidência do ITCMD.

O trust nada mais é do que uma entidade jurídica criada no exterior para gerenciar e controlar propriedades e ativos em benefício de seus beneficiários. É uma forma de estrutura de negócios que permite a transferência de propriedade e gestão de ativos para um terceiro confiável, chamado de "trustee", que administra o trust de acordo com os termos estabelecidos pelo criador do trust, chamado de "settlor".

Ocorre que o settlor não rara as vezes, deixa de informar aos beneficiários finais sobre a existência do trust, o que, por si, inviabiliza a incidência do ITCMD, cuja base que perfila a relação de incidência é o conceito de doação, dado pelo Código Civil, cujo elemento é o aceite do donatário. Assim, a incidência do ITCMD fica prejudicada justamente por que somente pode ser exigido o pagamento do imposto, quando o beneficiário se torna efetivo, com o aceite do benefício, e passa a cumprir as condições para receber os bens, direitos ou valores do trust.

Dessa forma, sendo o patrimônio do trust entregue ao beneficiário final após a morte do settlor, não se sabe quem ou quantos receberão os bens ou valores. A dinâmica do trust, por si, inviabiliza qualquer imputação de obrigação tributária, vez que não se sabe quem/quantos, de fato, é/são os contribuintes.

Uma vez que prevaleça o entendimento da Sefaz-SP quanto à incidência do ITCMD para as operações de trust, toda a figura do trust estará prejudicada, pois a incidência tributária desse imposto seria aplicada no momento inicial da instituição do trust, anulando uma das principais vantagens da estrutura, que é a de definir o momento em que o pagamento seria realizado, além do fato de que toda a lógica da estrutura seria subvertida apenas para se adequar às novas exigências fiscais estabelecidas pela Sefaz-SP, o que é absurdo e contraproducente, para dizer o mínimo.

Cenários como esses colaboram ainda mais para a insegurança jurídica no Brasil. A coerência jurisprudencial é fundamental para garantir a estabilidade e previsibilidade do sistema jurídico como um todo, e a falta de previsibilidade torna o país menos atrativo para o investidor externo e para os contribuintes como um todo, que acabam buscando soluções alternativas, para retirar os seus ativos do país, com empresas offshore, especialmente para se protegerem do "risco Brasil".

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