Opinião

Aprovação do relatório final de pesquisa e descarte de área de mineração

Autor

  • Pedro Rezende de Magalhães

    é advogado especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC Minas (pós-graduação lato sensu) coautor da obra Direito Ambiental em Desenvolvimento (Editora D'Plácido) e ex-procurador-geral da Câmara Municipal de Guaxupé (MG) no biênio 2019-2020.

20 de abril de 2023, 11h23

Bem sabem os publicistas que, geralmente, a prática junto à Administração Pública nem sempre se dá à risca da lei, sendo comum que eventuais interpretações normativas governamentais sejam positivadas através do poder regulamentar e, portanto, influenciem no iter processual de determinado órgão. Até que sobrevenha questionamento sobre a legalidade do instrumento regulamentador ou outro vício qualquer e o Judiciário se manifeste em definitivo, resta ao causídico cumprir a determinação administrativa, porquanto presumivelmente legítima e dotada de autoexecutoriedade.

Evidentemente, nada impede que o debate doutrinário inspire a Administração a, sponte propria, rever seu posicionamento, eis que dinâmica inerente ao Estado de Direito e de inquestionável verve republicana. Um ponto em que isso poderia ser aplicado é o descarte de áreas pela Agência Nacional de Mineração (ANM) quando, por exemplo, da aprovação de um relatório final de pesquisa (RFP) em que a jazida não corresponda a integralidade da poligonal inicialmente requerida. Senão veja-se.

Como cediço, à ANM cumpre, por ocasião da análise de um RFP [1], aprovar o mesmo, caso o pesquisador logre demonstrar a existência de jazida [2]; não aprova-lo, em se constatando a insuficiência dos trabalhos de pesquisa ou deficiência técnica na sua elaboração [3]; determinar seu arquivamento, se ficar demonstrada a inexistência de jazida, passando a área a ser livre para futuro requerimento; ou, então [4], sobrestar a decisão, na hipótese de ficar caracterizada a impossibilidade temporária da exequibilidade técnico-econômica da lavra. Um importante aparte: este dispositivo citado (artigo 30 do Decreto-Lei nº 227/67) [5] expressa comando numerus clausus, ou seja, não dá margem à discricionariedade administrativa neste tocante.

Nesse diapasão, o debate fica realmente interessante nos casos em que o requerente empreende um trabalho tecnicamente irretocável confirmando a jazida apenas em uma porção da poligonal pesquisada, i.e., o RFP é positivo para parte (ou partes) da área requerida e, por consequência lógica (tertium non datur), negativo para o restante. Ora, aqui não há espaço para meio-termo: ou o jazimento está em determinado ponto ou não está. Até onde se sabe, conclusão diversa somente é possível para a física quântica, inaplicável, pois, à concretude jurídica.

De tal sorte, pergunta-se: em casos tais, deve a Administração aprovar, não aprovar, arquivar ou sobrestar sua decisão?

Na prática, verifica-se a aprovação do RFP com a desoneração da área em que a jazida não foi demonstrada, procedendo-se então na forma do artigo 26 do Código de Minas, ou seja, encaminhado o restante da poligonal à disponibilidade (oferta pública). Todavia, à luz do inciso III do artigo 30, cuja redação, reitera-se, determina o arquivamento do relatório, quando ficar demonstrada a inexistência de jazida, passando a área a ser livre para futuro requerimento, inclusive com acesso do interessado ao relatório que concluiu pela referida inexistência de jazida, não haveria de ser o restante declarado livre, haja visto que, como ficou cristalino, a pesquisa demonstrou a inexistência de jazida para esse (s) torrão (ões)?

Com efeito, não se olvida que o encaminhamento da área descartada à disputa pública tem o condão de desencorajar a especulação minerária (ao menos em tese, somente participariam do leilão os empreendedores com real interesse na atividade em si, e não apenas na comercialização do título) e aumentar a receita da agência pelo critério do lance vencedor de maior oferta, cujo montante poderia ser revertido em ações de fiscalização e aprimoramento das rotinas do órgão, carências de longa data da autarquia (desde quando ainda denominava-se DNPM). São, de fato, motivos nobres para se embasar tal decisão.

Noutro vértice, também não é de se ignorar que a Administração está subordinada ao princípio da legalidade estrita, não se concebendo a possibilidade de que sua discricionariedade caminhe contra legem. Os freios e contrapesos estatais são assim equacionados por motivos igualmente elevados.

Daí se afirmar que, dentro dos limites legislativos atuais, talvez não vá bem a autoridade minerária ao insistir no modelo procedimental supracitado. Não há, todavia, óbice algum para que o Congresso, este sim, atue positivamente, promova o debate social necessário (contraditório efetivo) e, então prestigiando o devido processo legiferante, decida que a sociedade brasileira é pela reforma do ordenamento neste tocante, então respaldando legalmente tal entendimento.

Por mais moroso que seja, em matéria normativa, na República brasileira o pronunciamento do Parlamento é, aprioristicamente, mais legítimo que o do Governo, dado ser aquele o mais popular dentre os poderes.

[1] "Artigo 30. Realizada a pesquisa e apresentado o relatório exigido nos termos do inciso V do artigo 22, o DNPM verificará sua exatidão e, à vista de parecer conclusivo, proferirá despacho de:

I – aprovação do relatório, quando ficar demonstrada a existência de jazida;

II – não aprovação do relatório, quando ficar constatada insuficiência dos trabalhos de pesquisa ou deficiência técnica na sua elaboração;

III – arquivamento do relatório, quando ficar demonstrada a inexistência de jazida, passando a área a ser livre para futuro requerimento, inclusive com acesso do interessado ao relatório que concluiu pela referida inexistência de jazida;

IV – sobrestamento da decisão sobre o relatório, quando ficar caracterizada a impossibilidade temporária da exeqüibilidade técnico-econômica da lavra, conforme previsto no inciso III do artigo 23".

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