Opinião

Sobre a regulação das redes sociais

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18 de abril de 2023, 16h26

Nenhum momento histórico foi tão complexo como o presente. Vivemos um mundo digital, em tempo de virtualização e instantaneidade, com uma consequente dispersão de nossas realidades. A sociedade vem sendo marcada pelo encurtamento de espaços e por uma forma avassaladora de acesso à informação, rápida e massificada.  É nesse contexto, de avalanche de acontecimentos, que nos são endereçadas diariamente uma série de informações por meio da internet, sobretudo pelas redes sociais.

Dentro da complexidade em que estamos socialmente inseridos e do universo da tecnologia, as redes sociais ocupam papel relevante — formam um fenômeno virtual equiparável ao mundo físico, mas com o diferencial de possuir um amplificador extremamente eficaz. No caso da publicação de graves inidoneidades, como discursos de ódio e de violência, propagação massiva de informações falsas, ataques ao funcionamento e regularidade das instituições democráticas do país ou geração de estímulos potencialmente prejudiciais à saúde pública, por exemplo, há capacidade de afetação de diversos bens jurídicos de relevância e que devem ser protegidos pelo Estado. As consequências de tais condutas são ampliadas pela velocidade e pelo alcance proporcionados pela internet.

O fenômeno não é novo e vem sendo discutido, fundamentalmente quando afeta crianças e adolescentes. A recente aprovação das leis H.B. 311 [1] e S.B. 152 [2] pelo Estado de Utah, nos Estados Unidos, em março deste ano é a mais nova prova de que o mundo virtual não ficará imune à regulação. As legislações sancionadas pelo governador republicano Spencer Cox, especificamente, buscam proteger os jovens na interação com as redes sociais e inovam ao interferir de forma significativa no funcionamento de plataformas  o que deve servir de inspiração a outros estados no país. É certo que Utah é um estado tradicionalmente conservador e isso está refletido nas legislações, que conferem maior poder aos pais sobre os filhos no ambiente virtual. Segundo os novos dispositivos legais, a partir de março de 2024 plataformas como Facebook, TikTok e Instagram deverão verificar a idade de novos usuários residentes no estado e exigir consentimento dos pais ou guardiões para criação de perfis para menores de 18 anos. Além disso, há restrição, pois esse público não terá acesso à plataforma entre às 22h30 e 6h30. Mais, as empresas deverão abdicar de ferramentas desenhadas especificamente com o objetivo de causar dependência mental no usuário menor e não deverão direcionar propagandas, coletar dados desses usuários e disponibilizar seus perfis em buscas realizadas por terceiros. Em jeito de síntese, os pais de Utah passam a ser responsáveis, como no mundo físico, pelas crianças e adolescentes e a eles também deverá ser garantido meio de acesso integral à conta dos filhos, incluindo mensagens e ferramentas que lhes permitam alterar ou eliminar as restrições de horários de acesso. E, por último, há indicativos legais de sancionamento cível e administrativo, como meio de coerção [3].

A regulamentação das redes sociais e do recurso à nova tecnologia é inevitável, sobretudo quando visa a tutela dos presumidamente vulneráveis. É um caminho a ser percorrido com cautela e nesse percurso devemos preservar direitos e garantias, fundamentalmente a liberdade de expressão. Com a crescente integração entre o físico e o digital, a presença do Estado junto ao cidadão nesta realidade complexa é inevitável. Como não temos uma política de educação digital, relevante agora são o estudo e atenção contínuos a estes fenômenos tecnológicos para que se possa implementar regulamentações minimamente eficientes.

No Brasil, o Marco Civil da Internet (2014) e a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (2018) disciplinaram o uso da internet por meio da criação de princípios, garantias, direitos e deveres [4]. O debate sobre o uso inidôneo das redes sociais foi ampliado durante a divulgação em massa de fake news no processo eleitoral de 2022. Atualmente, a questão da regulação está centralizada, não só, mas essencialmente, no Projeto de Lei 2.630/2020 [5], que teve a iniciativa do senador Alessandro Vieira e que pretende instituir a "Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet". Aprovado no Senado, o PL foi remetido à Câmara dos Deputados e está com substitutivo do relator Deputado Orlando Silva.

O debate público é fundamental, sobretudo para que possamos apontar caminhos como a eventual responsabilização civil, administrativa e penal dos provedores por violação de deveres, quando houver, por exemplo, a manutenção de postagens com conteúdo manifestamente ilegal ou de publicações que promovam ódio e violência, depois do recebimento de comunicação para exclusão.

Recentemente, ao afirmar que as regras existentes são insuficientes e com base na experiência do direito comparado, o professor Miguel Reale Jr [6] formou convicção no sentido de que é preciso ir além, havendo necessidade de intervenção penal, quando, por exemplo, a divulgação massiva afete bens jurídicos como o Estado de Direito e a saúde pública [7]. Em nosso juízo, a proposta de intervenção penal nos casos mais sensíveis visa proteção de bens jurídicos relevantes, sendo possível a sua compatibilidade com um modelo jurídico garantista, que, aliás, impõe uma política legal contextualizada e que reconheça as condições políticas, sociais e culturais de nossa época, na linha da contingencialidade e da relatividade do objeto que merece estudo.

De fato, o tema é emergente, complexo e global, devendo ser tratado de forma conjunta pelos países no longo prazo e de forma individual no presente. Afinal, o avanço tecnológico não espera, e é utópico aguardar que exista um consenso universal sobre o assunto para que se avance na regulação das redes. Então, para não perder o timing, o Brasil precisa evoluir em sua legislação interna e discutir o projeto do governo em seu conjunto, inclusive sob a perspectiva da intervenção penal e do merecimento de pena, claro, sem perder de vista uma política criminal que mantenha o núcleo ético-jurídico da tutela dos direitos fundamentais, também na internet.


[3] Sanções cíveis e administrativas são previstas em caso de violação das regras criadas pelas novas leis e proteções de caráter processual são garantidas aos adolescentes — implicitamente considerados numa posição de vulnerabilidade pelas legislações. Não há, porém, diretrizes específicas quanto à forma com que as plataformas de redes sociais implementarão as novas regras na prática.

[4] Respectivamente, Lei n° 12.965/2014 e Lei nº 13.709/2018.

[5] Estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei.

[6] Reale Jr, Miguel, "Moderação de conteúdos na Internet", Estadão, p. 1º/04/2023: o autor refere a necessidade da "moderação de conteúdos", citando o exemplo do Parlamento Europeu ao aprovar o Regulamento 2.022/2065, DSA (Digital Services Act), que disciplinou ser conteúdo ilegal as informações em desconformidade com o direito da União ou de seus Estados-Membro. De igual modo, sustenta que as plataformas devem ser civilmente responsabilizadas se descumprirem o dever de cuidado que lhe é imposto.

[7] Eis a proposta legal publicada pelo autor: "Promover ou financiar a divulgação massiva de informação capaz de: I – Comprometer a higidez do processo eleitoral; II – Restringir ou impedir o exercício de algum dos poderes constitucionais; III – Comprometer política pública destinada a impedir a introdução ou propagação de doença contagiosa. Pena – reclusão de dois a quatro anos. Parágrafo único: A pena será aumentada de 1/3 a 2/3 se a divulgação for de informação inverídica".

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