Opinião

O Estado de Direito e a horizontalização dos direitos fundamentais

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17 de abril de 2023, 6h06

O Estado de Direito como parte de um sistema jurídico se insere na democracia com um viés "sui generis", alicerçado num caráter fundamental e estruturante indicando diretrizes básicas de uma ordem constitucional.

Esse Estado de Direito se encontra intrinsecamente ligado a regras e princípios constitucionais como do bem estar social da garantia da vedação ao retrocesso e das liberdades públicas.

Ao mesmo tempo em que serve de paradigma para um governo democrático, guarda estreita relação com o totalitarismo constitucional, visando manter salvaguardas com vistas à efetividade normativa e atendimento a direitos humanos fundamentais em todas suas dimensões.

Em decorrência desta dinâmica constitucional, percebe-se que o constituinte trouxe a possibilidade dos direitos fundamentais serem direcionados para dois vértices, um da horizontalização e outro da verticalização.

Ao falarmos de verticalização, inarredavelmente teremos de um lado o particular e do outro a administração pública, ao passo que a horizontalização pressupõe dois particulares em simetria, cada qual devendo respeitar em suas relações privadas os baldrames axiológicos fundamentais da carta magna.

Atualmente, o constitucionalismo contemporâneo visa garantir um rol mais extenso de densidade normativa, protegendo não apenas relações verticalizadas entre Estado e cidadão, como entre os próprios cidadãos.

Nesse sentido, a doutrina de Bobbio [1] (2017 p. 49) elenca bem o construtivismo desta normatização mais densa e de ordem inclusive escalonada ao elencar que:

"Aceitamos aqui a teoria da construção escalonada do ordenamento jurídico, elaborada por Kelsen. Essa teoria serve para dar uma explicação da unidade de um ordenamento jurídico complexo. Seu núcleo é que as normas de um ordenamento não estão todas no mesmo plano. Há normas superiores e normas inferiores. As inferiores dependem das superiores.Subindo das normas inferiores àquelas que se encontram mais acima,chega-se a uma norma suprema, que não depende de nenhuma outra norma superior,e sobre a qual repousa a unidade do ordenamento."

Neste enredo a Constituição de 1988 resultado da Assembleia Constituinte empossada em 1987, é considerada o marco que inaugurou o período democrático no Brasil conhecido como Nova República e foi formulada visando o atendimento as demandas da sociedade brasileira.

Através disso, os direitos fundamentais passaram a ser direitos garantistas de ordem pluralista e democrática, a serem exigidos tanto do Estado, como igualmente de observância obrigatória entre particulares em suas relações sociais.

Habermas [2] (2007, p. 151-152), com propriedade, dá o enfoque do que a democracia representa como fator garantidor de direitos fundamentais, ao elencar que:

"(..) o próprio processo democrático pode assumir o papel de fiador em caso de falta de integração social,numa sociedade que cada vez mais se diferencia internamente. Assim é que, nas sociedades pluralistas, esse ônus não pode ser desviado do nível formação de vontade política e da comunicação pública e aberta para o substrato cultural,aparentemente de origem natural, de um povo supostamente homogêneo."

Esta seara de direitos fundamentais, num tocante a sua horizontalização, visa à integração social bem como alcançar uma função pacificadora nas diversas modalidades de debates e discussões que se instalam na sociedade entre particulares que dela fazem parte inexoravelmente objetivando o fim precípuo da boa-fé e do bem comum.

Com isso se percebe que a partir de uma sociedade plural, e aberta a um substrato cultural, a hermenêutica caminha no sentido de que não apenas situações verticalizadas em que temos como figurantes o Estado e o cidadão, sejam alvo de proteção das garantias fundamentais.

Neste prospecto se visualiza uma abrangência maior de densificação em uma sociedade que até então não tinha entre sim como regra que os direitos previstos na Constituição se aplicassem a todas as relações entre particulares, o que veio a ocorrer com a própria noção de horizontalização dos direitos fundamentais.

É o que ocorria na relação condomínio e condômino onde por alguma infração a normas de convivência interna o primeiro multava o segundo sem lhe assegurar ampla defesa.

Com a ideia de horizontalização, percebe-se que passa a ser obrigatório o exercício do contraditório e ampla defesa, mesmo entre esses particulares, em decorrência da horizontalização dos direitos fundamentais, expressão essa característica e marcante do Estado de Direito Democrático brasileiro.

A partir de um contexto de mudanças sociais, surgem no ordenamento jurídico, impregnados de forte conteúdo social, a noção de que tais "reivindicações de reconhecimento são centrais para movimentos recém-energizados pelos direitos humanos internacionais, que buscam promover o respeito universal pela humanidade compartilhada e a estima de diferentes culturasem função de suas especificidades" (FRASER, Nancy apud BALDI, César Augusto p. 602 [3]).

Assim, a conclusão a que se chega é que a própria evolução do direito em prol da ciência constitucional consagra uma esfera garantista nas relações sociais privadas que devem observar igualmente os direitos fundamentais na sua esfera de horizontalização.

 


[1] BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Tradução de Maria Celeste Cordeiro Leite dos Santos.10ª ed. Brasília: UNB,2017.

[2] HABERMAS, Jürgen. A inclusão do outro: estudos de teoria política. Tradução de George Sperber; Paulo Astor Soethee Milton Camargo Mota. 3ª ed. SãoPaulo: Edições Loyola,2007.

[3] BALDI, César Augusto, Direitos Humanos na sociedade cosmopolita, Rio de Janeiro, Renovar, 2004.

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