Opinião

A Lei nº 13.756 e a audiência pública da CFT: vontade política e dever jurídico

Autor

  • Pietro Cardia Lorenzoni

    é advogado professor de Direito Público do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF) doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) diretor jurídico da Associação Nacional de Jogos e Loterias e membro do Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

15 de abril de 2023, 15h17

A regulamentação do Capítulo V da Lei nº 13.756 de 2018 está em voga no debate público. Análises jurídicas, políticas, econômicas e sociais sobre o tema multiplicam-se em diversos meios de comunicação e fóruns públicos. Sensível ao momento do debate, a Câmara dos Deputados recepcionou importante discussão sobre o tema, no formato de audiência pública.

As audiências públicas são instrumento de abertura do processo constitucional [1], do processo legislativo e, inclusive, do processo político como um todo para a sociedade [2]. A estatura elevada delas, especialmente no Direito brasileiro, como ferramenta de legitimação democrática é inegável.

Com esse norte e notável organização, a Comissão de Finanças e Tributação da Câmara dos Deputados realizou, no dia 12 de abril de 2023, a audiência pública para debater a regulamentação de sites de apostas esportivas. A audiência foi conduzida e presidida pelo deputado Paulo Guedes (PT-MG), presidente da Comissão. O grande convidado foi, com notável destaque, o dr. José Francisco Manssur, assessor especial da Secretaria Executiva do Ministério da Fazenda, que representava o Ministério da Fazenda e a Receita Federal. Além disso, participaram representantes da sociedade civil como o CEO da Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL), o presidente do Instituto Brasileiro do Jogo Responsável (IBJR), e representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). O setor privado foi representado pela empresa Sorte Online e o segmento como um todo, que se fez presente em elevado número na audiência pública, estava personificado na figura da ilustre referência do setor — o comunicador Magno José, editor-chefe da BLNdata.

As discussões focaram na regulamentação das loterias de quota fixa, internacionalmente conhecida como sports betting, previstas na Lei nº 13.756 de 2018. A exposição do dr. José Francisco Manssur foi didática e apresentou as principais tendências do governo federal na regulamentação do tema.

O instrumento escolhido para a regulamentação foi a Medida Provisória. Nela, devem ocorrer alterações à Lei nº 13.756 de 2018, que foram destacadas. A primeira foi a competência do Ministério da Fazenda para posterior edição de portarias regulamentadoras específicas, sobre obrigações acessórias, fiscalização de manipulação de resultados e o jogo responsável — controle das formas de publicidade. Ademais, destacou-se, também, a tendência do próprio processo de autorização, como a exigência de pagamento de outorga, sede no Brasil e capital social mínimo de R$ 100 mil. Ainda, foram estimados alguns elementos relevantes da tributação do setor como alíquota de 30% para o Imposto de Renda já retidos na fonte do apostador, respeitada faixa de isenção do Imposto de Renda, manutenção das definições sobre IRPJ, PIS/Cofins e majoração da contribuição para a seguridade de 0,05% do turn over para 10% do GGR. O Turn over corresponde aos valores totais, inclusos prêmios, que as empresas guardam. Já o GGR é o volume total menos os pagamentos dos prêmios. Trata-se de sigla, proveniente da língua inglesa, para o faturamento bruto das apostas esportivas numa tradução livre. Segundo o dr Manssur, a Medida Provisória está em fase final de elaboração, porém, não foi apresentada expectativa de prazo de envio ao Congresso.

A audiência pública serviu, inegavelmente, para demonstrar o avanço do governo federal já nos primeiros cem dias da nova gestão. Afinal, a Lei nº 13.756, que dispõe sobre a modalidade lotérica de aposta de quota fixa, foi promulgada em 12 de dezembro de 2018. O artigo 29, § 3º, da norma citada previu o prazo de até dois anos, prorrogável por até igual período, para que o Ministério da Fazenda regulamentasse as apostas de quota fixa.

Decorridos mais de quatro anos de inação regulamentar do Poder Executivo, a presença do dr. Manssur na audiência pública foi um claro sinal de que o governo federal compreendeu a importância da regulamentação e os problemas oriundos da omissão administrativa anterior. Em que pese num cenário facilitado pela consciência social do governo federal brasileiro, entende-se que não há apenas vontade política na regulamentação do setor, mas, também, dever jurídico, consubstanciado em obrigação à autoridade pública, de regulamentá-lo.

Os parâmetros expostos na audiência pública, tanto os citados pela autoridade do Poder Executivo como as preocupações apresentadas pelos membros do Poder Legislativo, apontam para as melhores práticas internacionais, o que é indubitavelmente benéfico. Nesse sentido, defende-se que os critérios relevantes para o desenvolvimento regulatório são 1) tributação saudável que canalize os principais operadores e apostadores para o mercado regulado, 2) segurança jurídica e 3) repressão ao jogo ilegal. Pela audiência pública, percebe-se intenção do governo federal de seguir por caminho semelhante.

Nesse norte, recomenda-se que a regulamentação, ainda em desenvolvimento, objetive atingir um patamar razoável de canalização. Isso significa que o modelo de regulamentação e de tributação que venha a ser adotado deve sopesar as alíquotas e a sua forma de cobrança vis-à-vis seus respectivos impactos, em termos de riscos e de custos, de incentivar a inexistência de um mercado paralelo e ilegal, como se verifica em outras jurisdições regulamentadas. Por canalização, entende-se o ato de estruturar elementos jurídicos e políticos relevantes para impulsionar a atuação formal dos operadores e dos apostadores dentro do mercado regulado e legal.

Numa perspectiva prática, recomenda-se que a criação da regulamentação pelo governo brasileiro considere a importância da canalização. Afinal, canalizar os operadores para a licitude significa maior possibilidade de supervisão e controle do mercado pelo Estado brasileiro, atendendo a objetivos fundamentais da República brasileira. O mercado regulado significa condicionar a atuação dos operadores para a prática de jogo responsável, evitando — ou, pelo menos, reduzindo intensamente as possibilidades de — ludopatia, lavagem de dinheiro, aposta por menores de idade e assim por diante.

Ademais, um maior número de agentes atuando formalmente também significa uma maior arrecadação tributária. Explorar o potencial arrecadatório se alinha aos objetivos fundamentais brasileiros, uma vez que a sua otimização tributária possibilita a distribuição de renda e o subsídio de políticas públicas centrais para o Estado brasileiro.

No presente caso, o respeito ao dever jurídico alinha-se, também, com a vontade política de cumpri-lo. Num segmento que possui potencial para ser relevante no mercado brasileiro, a oportunidade de, concomitantemente, cumprir obrigação jurídica, qualificar o mercado privado, arrecadar impostos, concretizar direitos fundamentais sociais e agir conforme vontade política não pode ser desperdiçada. Afinal, a abertura do processo político à comunidade de intérpretes implica, essencialmente, em ouvi-los com responsabilidade.

 


[1] HÄBERLE, Peter, Hermenêutica Constitucional – A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a interpretação Pluralista e 'Procedimental' da Constituição, tradução Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1997. MENDES, Gilmar. Homenagem à doutrina de Peter Haberle e sua influência no Brasil. MENDES, Gilmar. A influência de Peter Häberle no constitucionalismo. JOURNAL OF INSTITUTIONAL STUDIES 1 (2016) 33 Revista Estudos Institucionais, Vol. 2, 1, 2016.

[2] BACKES, Maria Helena. A audiência pública jurisdicional no estado constitucional: uma análise crítica das audiências públicas realizadas pelo Supremo Tribunal Federal. Dissertação de Mestrado – Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Programa de Pós-Graduação em Direito, 2014, Orientador Prof. Dr. Anderson Vichinkeski Teixeira.

Autores

  • é advogado, professor de Direito Público do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP-DF), doutor em Direito pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) e membro do Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos.

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