Opinião

Audiências telepresenciais na Justiça do Trabalho: Roberto Carlos, Elis e Raul

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12 de abril de 2023, 17h26

Se, por um lado, a exemplo do amante cantado por Roberto Carlos, sou daqueles operadores do direito "à moda antiga, do tipo que ainda" [1] prefere as audiências presenciais, por outro, não posso permitir, pai de três filhos adolescentes/jovens que sou, tornar-me um desbotado saudosista que, olhos fixos no passado, deixa de enxergar o mundo que lhe cerca, bem como as evidências de sua transformação. Atento aos afinadíssimos brados de Elis Regina, em sua divina interpretação da genial, e sempre atual, composição de Belchior, policiar-me-ei, sem descanso, para não me tornar aquele "que ama o passado e que não vê que o novo sempre vem" [2].

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Montagem de Belchior com Elis Regina
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Na condição de presidente da Comissão da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, participei de incontáveis conversas, inúmeros debates, vários eventos e audiências públicas sobre a espinhosa polêmica envolvendo a volta ao modelo presencial e/ou a manutenção das audiências telepresenciais na Justiça do Trabalho, após o controle da pandemia da Covid-19.

Ouvi, discuti e refleti por dois anos, acerca dos bônus e dos ônus de ambas as modalidades de audiência.

A discussão, com ponderosos posicionamentos em defesa de ambos os modelos, é assaz interessante, seja porque o artigo 813 da CLT, de meridiana clareza, determina que as audiências "realizar-se-ão na sede do Juízo ou Tribunal em dias úteis", seja porque o artigo 190 do CPC, de aplicação subsidiária, autoriza as partes, em legítimo negócio processual, fazer "mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades".

Há consenso, contudo, no fato de que, qualquer que seja a solução à qual se aporte, o caminho da uniformização de procedimentos, e, portanto, da segurança jurídica, passa necessariamente pela alteração da legislação processual trabalhista, não apenas porque indispensável a discussão no Congresso (artigo 22, Inciso I da Constituição Federal), mas, também, porque por demais instável a normatização desta nova realidade pelo CNJ e TST.

Jogando gasolina no fogo e desagradando a gregos e troianos, o Conselho Nacional de Justiça determinou, "manu militari", o imediato retorno à realidade 100% presencial, como se o louvável trabalho virtual, que exigiu esforço e dedicação de toda a comunidade jurídica no período de emergência sanitária, fosse desprezável (e desprezível), ou pior, estivesse em desacordo com o comando constitucional que determina dever o magistrado residir na comarca de sua jurisdição. São coisas distintas e, ambas, podem conviver em harmonia.

O brocardo latino "in medio stats virtus" ("a virtude está no meio" ou "no equilíbrio") veste como luva o que se deve buscar. Discussões maniqueístas, contrapondo um modelo ao outro, como se excludentes fossem, devem ser repelidas, uma vez que à maioria dos atores do sistema de justiça laboral, claro já está que o futuro será uma combinação, pacífica e harmoniosa, do virtual com o presencial.

Enquanto, porém, aqueles que vivem o dia a dia das audiências insistirem na promoção de improdutiva confrontação, inter e intra entidades de representação de classe, com troca de farpas, dedos em riste e ranger de dentes, o que continuará, indefinidamente, a tutelar o expediente forense de milhares de juízes e advogados — Brasil afora, com as inúmeras particularidades regionais de um país com dimensões continentais — são as interpretações, não raro contraditórias ou de lógica questionável, de resoluções, atos e portarias emanadas pela distante cúpula do Judiciário.

Se aqueles que diariamente frequentam os fóruns para advogar ou judicar pretendem alterar uma realidade que, aos seus olhos, não faz (mais) sentido, precisam serenar os ânimos e, acima de tudo, unir forças em torno de uma reforma legislativa processual perene que atenda, minimamente, aos interesses de todos.

Ao final de recente encontro com dirigentes de entidades representativas da magistratura, concluí em alto e bom som, entre conciliatório e conclamatório, que me recusava a acreditar não ser possível construir conjuntamente, com serenidade, boa vontade e empatia, um novo, e moderno, arcabouço legislativo que, contemplando o bom senso e privilegiando a boa-fé dos atores envolvidos, transforme, para melhor, o processo trabalhista.

Audiência telepresencial tem inúmeras evidentes vantagens — especialmente, mas não apenas, no que se refere à economia de tempo e dinheiro gastos com deslocamento —, porém a interação física proporcionada pela audiência presencial, — em situações específicas, notadamente em processos de alta complexidade —, pode ser determinante para um adequado e satisfatório desfecho que, por óbvio, é o que devemos, todos, permanentemente, perseguir.

Cabe à advocacia, ao MPT e à magistratura, separando o joio do trigo, identificar em suas fileiras, eventuais práticas virtuais anômalas, bem ou má intencionadas, e combatê-las de forma pontual e objetiva, a fim de se evitar que sejamos, todos, indistintamente "punidos" por regras processuais que pouco, ou nenhum, sentido fazem.

Qual a necessidade ou o sentido, por exemplo, das partes e advogados se deslocarem dezenas ou centenas de quilômetros para uma audiência inicial, aguardarem horas por seu início, para, ao final, este ato processual ser adiado em razão da designação de perícia?

Por outro lado, em uma audiência virtual, se partes e advogados estão participando remotamente, ou seja, a partir de uma plataforma digital, qual, objetivamente, a diferença do juiz, durante o referido ato, estar no Fórum ou em sua casa?

O futuro do expediente forense, tal qual eu o concebo, consistirá na alternância, de acordo com a demanda, de dias ou períodos com pauta de audiências telepresenciais e outros com pauta de audiências presenciais.

Mas afinal, qual deve (ou deveria) ser a regra, enquanto procedimento padrão definido por lei?

Se, no início desse artigo, parafraseei o rei e a rainha da MPB, é chegado o momento de reverenciar a sabedoria de Raul Seixas, o "maluco beleza", que nos confessou, assim como também o faço, preferir ser uma "metamorfose ambulante, do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo" [3]. Não porque eu tenha alterado minha particular preferência pelas audiências de instrução presenciais, mas por haver mudado entendimento pessoal acerca daquilo que deva ser, a partir de uma nova e moderna legislação, o procedimento padrão ("default") das audiências no processo do trabalho, desde que ninguém se manifeste em sentido contrário: audiências telepresenciais.

Este o caminho. Este o futuro. O clamor dos operadores do Direito, em ambientes privados ou públicos que diariamente frequento, é inequívoco no sentido de que se abrace o virtual como regra e o presencial em situações excepcionais e específicas.

Aqueles causídicos que defendem o modelo presencial como padrão a ser seguido, costumam advogar a tese da necessidade de manifestação expressa de ambas as partes para eventual alteração para o modelo telepresencial. Ora, se a maior parte das audiências será virtual, a lógica, por óbvio, em homenagem ao princípio da economia processual, deve ser invertida, de forma que apenas nas excepcionais situações em que as partes desejem audiência presencial, daí, sim, deverão, neste sentido, se manifestar.

E quem, então, teria (ou deveria ter) a prerrogativa de alterar, em um caso específico, o modelo de audiência de telepresencial para o presencial? A magistratura, destinatária das provas no processo ou a advocacia (e o Ministério Público do Trabalho) a quem compete produzi-las?

A resposta que presume boa-fé, contempla bom-senso, concilia interesses e prestigia a ausência de hierarquia entre os referidos atores é: todos, indistinta e individualmente.

Todos os atores, cientes de suas responsabilidades profissionais e conhecedores de suas obrigações legais, poderiam (ou deveriam poder), a seu exclusivo arbítrio, determinar a alteração no formato da audiência. A magistratura, por força de seu poder de direção do processo (artigo 765 CLT), determinaria a realização de audiência presencial quando, à sua ótica, a complexidade do caso assim exigisse. A advocacia (ou o Ministério Público), por sua vez, via direito potestativo a ser conferido pela nova legislação, alteraria o modelo virtual para o presencial, a seu critério e sem necessidade de fundamentação, quando assim lhe parecesse necessário e pertinente.

Promulgada esta nova legislação, poucas serão, afirmo sem medo de errar, as audiências que se realizarão — em razão do aumento da confiança, estabilização da tecnologia das plataformas e sucessão geracional dos envolvidos — nos fóruns trabalhistas.

Diversos aspectos outros, que não cabem nos estreitos limites deste artigo, correlatos à esta nova realidade, precisarão, por óbvio, ser discutidos e equacionados quando da formatação do novo texto legal: acessibilidade aos meios telemáticos pelas partes, privacidade de dados na plataforma virtual a ser adotada pela Justiça do Trabalho, responsabilidades por eventual falha na conexão, atendimento permanente presencial e/ou virtual aos advogados, formato híbrido de audiências, dentre outros. Tudo isso deverá, a seu tempo e modo, ser endereçado, mas torno pública, desde logo, minha disposição de, como primeiro passo, abrir diálogo com as entidades representativas dos outros atores do sistema judiciário para um entendimento maduro e construtivo em benefício de um novo processo do trabalho racional, sustentável e eficiente.     

Esclareço, finalmente, que minhas referências musicais são tão antigas como eu, mas estas, felizmente, não estão sujeitas à revisão.

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[1] Música: Amante à Moda Antiga, Compositor: Roberto Carlos  Ano de Lançamento: 1980.

[2] Como Nossos Pais, Compositor: Antônio Carlos Belchior  Ano de Lançamento: 1976.

[3] Metamorfose Ambulante, Compositor: Raul Seixas  Ano de Lançamento: 1973.    

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