Opinião

Estatais, soberania popular e princípio republicano

Autor

  • Pedro Estevam Alves Pinto Serrano

    é bacharel mestre e doutor em Direito do Estado pela PUC-SP com pós-doutoramento em Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e em Direito Público pela Université Paris Nanterre. Professor de Direito Constitucional e de Teoria do Direito na graduação no mestrado e no doutorado da Faculdade de Direito da PUC-SP.

11 de abril de 2023, 12h21

A Lei das Estatais vedou que determinadas pessoas — em razão de função exercida na Administração pública, no Poder Legislativo ou, ainda, em decorrência de atuação em partido político — possam ser indicadas para o Conselho de Administração e para a diretoria de empresas públicas e sociedades de economia mista.

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Referidas limitações legais são inconstitucionais por afrontarem o princípio democrático, a soberania popular que lhe é inerente e o princípio republicano, ao tolherem do mandatário legitimamente eleito pelo voto popular a possibilidade de estruturar o aparato estatal de acordo com os desígnios que o elegeram.

A soberania popular, manifestada na outorga de mandato aos representantes eleitos através do voto direto e secreto, pressupõe que ao representante sejam conferidos os meios necessários para efetivar as aspirações sociais.

Ademais, o princípio republicano pressupõe periodicidade dos mandatos com a consequente alternância no poder em sua acepção estrita. Referida forma de governo em que os exercentes de funções públicas representam o povo através de um mandato periódico exige que a alternância seja capaz de materializar, na gestão administrativa, legítimos anseios e aspirações.

Governar em nome do povo pressupõe conferir ao mandatário os meios necessários para traduzir em prática administrativa a vontade social.  Renovação periódica do poder pressupõe não apenas mudança dos governantes eleitos, mas também dos planos, programas e projetos governamentais.

O que deseja a Constituição ao estabelecer a república como forma de governo é uma relação de equilíbrio entre a continuidade na prestação de serviços públicos e o direito da cidadania em renovar os governantes periodicamente.

A renovação do governo não deve ser apenas cosmética ou superficial, mas que a estrutura organizativa do Estado comporte mudanças programáticas e de direção política em todos os seus rincões como forma de controle social e popular do poder político. O Estado deve se apresentar como instrumento da vontade social.

Ou seja, é instrumento e condição da república que o mandatário possa, na periodicidade que lhe foi outorgada, designar livremente os ocupantes de cargos de direção superior do Estado, tanto na administração direta, quanto indireta. Ademais, é direito de todos os cidadãos, segundo os requisitos da lei, participar da gestão da coisa pública, sendo inadmitidas desequiparações severamente restritivas e desarrazoadas.

A estrutura administrativa estatal deve ser composta de agentes públicos estáveis e, também, por outros de livre nomeação e exoneração. Aos cargos e funções de natureza profissional deve corresponder estabilidade e aos de direção superior a livre designação ou nomeação. Se é inconstitucional, por exemplo, na Administração direta criar cargo de médico sob regime de livre provimento e, portanto, sem a estabilidade e sem a devida seleção por concurso público, também é inconstitucional criar cargo de ministro ou de secretário de ministério com provimento efetivo por concurso público e estável.

No caso das pessoas governamentais de direito privado, é desejável que, além dos empregados sob o clássico regime de pessoal das entidades paraestatais, que sua estrutura seja composta de cargos de direção superior livremente indicados pelo novo mandatário, isso para que se possa efetivar a vontade popular que o elegeu.

Impossibilitar ao novo governante de levar sua vontade política a todos os quadrantes da estrutura superior do Estado significa amesquinhar o sentido e o conteúdo cogente do princípio republicano.

Portanto, as proibições relativas à designação de diretores e membros dos conselhos de administração das empresas estatais, a pretexto de conferir blindagem administrativa às estatais contra aparelhamento ou captura, não só afrontou os direitos individuais daqueles que atuam, legitimamente, na esfera governamental ou partidária, mas, em escala mais ampla, a própria soberania popular e o princípio republicano.

Autores

  • é bacharel, Mestre e Doutor em Direito do Estado pela PUC/SP com Pós-Doutoramento em Teoria Geral do Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Ciência Política pelo Institut Catholique de Paris e em Direito Público pela Université Paris-Nanterre; Professor de Direito Constitucional e de Teoria do Direito na Graduação, no Mestrado e no Doutorado da Faculdade de Direito da PUC/SP e advogado.

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