Opinião

Contrato-realidade e o vínculo empregatício nos contratos de crowdworking

Autor

  • Matheus Soletti Alles

    é professor de Direito da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) mestre em Direito pelo Departamento de Direito Econômico e do Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) pós-graduado em Direito do Trabalho pela UFRGS professor responsável pelo Grupo de Estudos de Relações e Normas Internacionais de Trabalho na Ulbra professor corresponsável pelo Grupo de Estudos sobre Justiça e Meios Consensuais de Resolução de Conflitos da Ulbra advogado e consultor trabalhista.

11 de abril de 2023, 6h33

Em sessão recente, a 17ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região reconheceu em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho para reconhecer o vínculo empregatício de trabalhadores prestadores de serviço em sistema crowdworking. A fundamentação do reconhecimento do vínculo se deu pela subordinação telemática.

A decisão porém não é inovadora. Mas emblemática em relação ao explícito recado que propaga aos operadores do Direito: o contrato do trabalho é contrato-realidade e advém deste contrato a aplicabilidade da tutela laboral através da prestação jurisdicional.

O recado surge pela inovação que o sistema de trabalho em crowdworking divulga. Também conhecido como trabalho em plataforma, ocorre de forma autônoma permitindo que colaboradores possam realizar tarefas autônomas por meio de determinados ambientes virtuais (plataformas).

Usuários que tem acesso constante a internet e mecanismos da Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) poderão ser remunerados por atividades, optadas conforme tempo e espaço para sua realização.

Ao leitor, atente-se aos vocábulos em itálico no texto, são eles que marcam contextos nucleares no sentido de que crowdworking é uma ferramenta de trabalho de livre escolha (autonomia), o que não se confunde com os clássicos requisitos do vínculo de emprego, em especial a pessoalidade, subordinação e a não eventualidade.

No crowdorking, o prestador de serviços é autônomo, sendo sua finalidade somente o cumprimento de tarefas, não necessariamente pessoal e não vinculada a uma única empresa.

É aqui que surge o recado da emblemática decisão do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região.

O crowdworking não desnatura o vínculo de emprego e ainda menos o contrato de trabalho como contrato-realidade. Novas formas laborais de tecnologia, inclusive com a remuneração por tarefas não modificam o sustentáculo principiológico do Direito do Trabalho.

O artigo 9º da Consolidação das Leis do Trabalho dispõe que "serão nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos" contidos na legislação laboral consolidada.

No caso do julgamento apreciado pela 17ª Turma do TRT-2, os trabalhadores com o vínculo de emprego reconhecido eram responsáveis pela fiscalização, revisão e intervenção de sistemas operados por inteligência artificial, recebendo por tarefa realizada ao preço médio de R$ 0,11 por minuto.

Não obstante, após a contratação era fornecido prévio treinamento pela empregadora que estabelecida escalas de trabalho e a orientação de que fosse realizada a abertura dos trabalhadores de uma microempresa individual.

As longas jornadas laborais demandadas em razão do baixo preço remuneratório, a definição de horários prévios pelo sistema de escala evidenciou o vínculo empregatício nos termos categóricos do artigo 3º da CLT.

Ao seu turno, a orientação de abertura de uma microempresa individual para a consecução da contratação remota algo que não é novo e promissor, ao contrário que é motivo de combate pelas normas laborais: a pejotização  descaracterizada pela aplicação do artigo 9º da CLT.

Não há ou ao menos não deve existir um subterfúgio perante a utilização de uma hustle culture (cultura do esforço) como ideia de rentabilidade e pertencimento através da execução de consequentes tarefas que vinculam a continuidade do esforço do trabalho pelos prestadores de serviço, em detrimento da normativa de essência do trabalho.

Esse é o recado da decisão, que os operadores do Direito observem os preceitos trabalhistas, o contrato realidade e as motivações que deram origem a tutela jurídica-laboral.

As emergentes relações tecnológicas de trabalho demandam por certo a atenção e a atualização da normativa trabalhista, mas com o intento de que não seja esquecido ou esvaziado o aspecto principiológico que dá sentido a norma.

Processo nº 1000272-17.2020.5.02.0059

Autores

  • é professor de Direito na Universidade Luterana do Brasil (Ulbra), mestre em Direito do Trabalho pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), especialista em Direito do Trabalho pela UFRGS, advogado nas áreas trabalhista e tributária e membro do grupo de pesquisas em Direito e Fraternidade da UFRGS.

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