Opinião

"O melhor hambúrguer do mundo" do Madero e a publicidade ética

Autores

  • Talita Sabatini Garcia

    é advogada formada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2009) pós-graduada em contratos empresariais e em propriedade intelectual e novos negócios GV-Law coordenadora da área de contratos propriedade intelectual e legal marketing do IWRCF conselheira da Abral Membra do Núcleo de Estudos de Direitos Autorais Entretenimento e Publicidade da Diretoria Cultural da Aspi coautora do livro Atividade Publicitária no Brasil: Aspectos Jurídicos (Editora Almedina 2021).

  • Thiago Guimarães

    é advogado pós-graduando em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) atuante nas áreas de Contratos Propriedade Intelectual e Legal Marketing do IWRCF - Inglez Werneck Ramos Cury e Françolin localizado em São Paulo/SP.

  • Luiz Werneck

    é advogado formado pela Unip (Universidade Paulista) de São Paulo (2002) e pós- graduado em Direito Contratual pela Fundação Getúlio Vargas (GV-Law 2004).

6 de abril de 2023, 19h34

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu no último dia 21 de março, por unanimidade [1], autorizar a rede de restaurantes Madero a continuar utilizando o slogan "O melhor hambúrguer do mundo"; em suas campanhas publicitárias. A decisão ocorreu no âmbito de uma ação judicial movida pelo Burger King, na qual se alegava que o uso do slogan
configuraria concorrência desleal e propaganda enganosa.

Reprodução
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Em síntese, o Burger King arguiu que o Madero não possuía substância para comprovar que de fato teria o "melhor hamburger do mundo" e que, portanto, não poderia utilizar tal slogan, sob pena de restar configurada publicidade enganosa.

Em primeira instância, o Burger King obteve decisão favorável, na qual foi determinada a realização de prova pericial por parte do Madero a fim de esclarecer os meios utilizados para comprovar a alegação contida no slogan.

Contra esta decisão, houve recurso do Madero visando afastar a inversão do ônus da prova, uma vez que não haveria hipossuficiência econômica ou financeira entre as partes e que, portanto, a inversão do ônus probatório seria indevida.

Em segunda instância, o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) acolheu os argumentos expostos pelo Madero e entendeu que não há relação de consumo que permita a aplicação do referido instituto, previsto no artigo 38 do Código de Defesa do Consumidor [2], tampouco enquadramento do caso na hipótese do artigo 373, §1º do Código de Processo Civil [3], que possibilita a distribuição dinâmica do ônus da prova pelo Juízo competente.

O BK recorreu desta decisão do TJ/SP, pleiteando que fosse feita a prova pericial e que o Madero arcasse com os honorários do perito judicial. Contudo, por unanimidade de votos, a decisão do TJ foi mantida pela Terceira Turma do Superior Tribunal, que negou provimento ao recurso especial do BK.

Apesar de reconhecer que não se aplicar o Código de Defesa do Consumidor às disputas judiciais entre pessoas jurídicas, fato é que com o desfecho do processo em questão, que não autorizou a inversão do ônus da prova ou impôs ao anunciante a obrigação de pagar os custos da perícia, o Madero ficou desobrigado de comprovar a veracidade do seu claim aos seus concorrentes.

A despeito da observância da literalidade da lei pelo Tribunal de Justiça e pelo Superior Tribunal de Justiça, a decisão, ao nosso ver, traz preocupantes reflexos à prática de publicidade comparativa ética e, consequentemente, à prática concorrência desleal.

O Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária (CBAP) do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária [4] (Conar), respeitável Conselho criado pelo mercado na década de 70 para autorregular a ética da publicidade no mercado nacional, é claro ao estabelecer que cabe aos anunciantes e suas agências fornecer as comprovações de seus claims, quando solicitadas.

"Artigo 27. O anúncio deve conter uma apresentação verdadeira do produto oferecido, conforme disposto nos artigos seguintes desta Seção, onde estão enumerados alguns aspectos que merecem especial atenção.
§1º – Descrições No anúncio, todas as descrições, alegações e comparações que se relacionem com fatos ou dados objetivos devem ser comprobatórias, cabendo aos Anunciantes e Agências fornecer as comprovações, quando solicitadas".

Interessante notar que, nas regras do Conar, não há qualquer limitação no
tocante à obrigatoriedade de comprovação das alegações feitas, devendo o anunciante apresentá-las a quem quer que seja, pessoa jurídica ou pessoa física, sempre que solicitado. Nesse ponto, vale pontuar que em representação em tudo semelhante ao caso em discussão, promovida pelo BK em face do KFC — Kentucky Fried Chicken — em razão da utilização do claim "O melhor frango do mundo" [5], a decisão do Conar, tanto em primeira quanto em segunda instância, recomendou a alteração do referido claim.

De acordo com o Acórdão, a alteração fora recomendada pelo Conar
recomendou a alteração do claim do KFC "para a abstenção do autoelogio ou para que os anúncios explicitem no que se baseiam (critérios, pesquisas, etc.), considerando a informação constante dos autos de que há pesquisa indicando que a anunciante possuiria o frango mais saboroso". O Conar recomendou tanto a alteração do claim nos materiais publicitários veiculados na mídia em geral, quanto nas embalagens e materiais de pontos de vendas.

Verifica-se, portanto, que apesar de não se aplicar o CDC às discussões judiciais instauradas entre pessoas jurídicas, quando estamos diante de publicidade comparativa, como no caso em debate, há regulamentação específica impondo aos anunciantes determinadas cautelas e responsabilidades, dentre elas a de possuir a devida substância dos claims utilizados em suas campanhas publicitárias, para apresentar a quem se interesse, se e quando questionado.

O Conar é um conselho de autorregulamentação respeitado nacional e
internacionalmente, sendo suas decisões validadas e citadas pelo Judiciário em diversas demandas judiciais. Por conta da retidão e excelentes serviços prestados à sociedade pelo Conar, empresas de todos os portes se fiam nas regras do Conar para criar e veicular suas publicidades, exigindo que seus concorrentes igualmente o façam, tudo de forma a preservar a publicidade ética, a defesa dos consumidores e a leal concorrência.

Neste contexto, sem ingressar no mérito da regularidade ou não do claim
questionado pelo BK em relação ao "melhor hambúrguer do mundo", até porque não tivemos acesso às provas e evidências que embasaram o processo, ao nosso ver é importante que empresas que anunciam no Brasil não se apeguem à literalidade da decisão do STJ — que se
limitou a discorrer sobre questão meramente processual — para burlar as regras previstas para publicidade comparativa e, com isso, lançar mão de campanhas publicitárias alegando ser o melhor produto do mercado, o mais vendido, com melhor tecnologia, entre outros discursos infundados, o que certamente prejudicará tanto os consumidores, quanto implicará na prática de concorrência desleal para com as demais empresas que se preocupam em observar as regras da publicidade ética.

Como estabelece o Código do Conar (CBAP), ao veicular uma publicidade comparativa, o anunciante deve previamente ter em mãos a substância e comprovação que fundamente de forma inequívoca a validade do seu claim, para apresentá-las a quem de interesse, se e quando solicitado.

____________________

[1] REsp nº 1866232 / SP (2019/0082451-2). 

[2] Artigo 38. CDC – O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária
cabe a quem as patrocina.

[3] Artigo 373. CPC – O ônus da prova incumbe: (…) §1º Nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo nos termos do caput ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juiz atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.

[4] Para mais informações sobre o Conar, acesse: http://www.conar.org.br/.

[5] Representação nº: 53/20, em recurso ordinário. Autor(a): Burger King. Anunciante: KFC-Kentucky Fried Chicken. Anúncio: "KFC — KENTUCKY FRIED CHICKEN, O MELHOR FRANGO DO MUNDO" E "FRANGO DE VERDADE". Decisão: alteração. Fundamentos: artigos 1º, 3º, 4º, 17, 23, 27, 32 e 50, letra "b", do CBAP. 

Autores

  • é advogada formada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (2009), pós-graduada em contratos empresariais e em propriedade intelectual e novos negócios GV-Law, coordenadora da área de contratos, propriedade intelectual e legal marketing do IWRCF, conselheira da Abral, Membra do Núcleo de Estudos de Direitos Autorais, Entretenimento e Publicidade da Diretoria Cultural da Aspi, coautora do livro Atividade Publicitária no Brasil: Aspectos Jurídicos (Editora Almedina, 2021).

  • é advogado, pós-graduando em Direito Empresarial pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), atuante nas áreas de Contratos, Propriedade Intelectual e Legal Marketing do IWRCF - Inglez, Werneck, Ramos, Cury e Françolin, localizado em São Paulo/SP.

  • é advogado formado pela Unip (Universidade Paulista) de São Paulo (2002), e pós- graduado em Direito Contratual pela Fundação Getúlio Vargas (GV-Law 2004).

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