Direitos da vítima

Tribunal dos EUA revoga anulação de condenação promovida pela Promotoria

Autor

5 de abril de 2023, 8h22

Quando a juíza Melissa Phinn anulou, em outubro de 2022, a condenação de Adnan Syed, a pedido da promotora Marilyn Mosby e da defensora pública Erica Suter, o sentimento de sua família foi o de fim de uma novela sofrida, que durou mais de 23 anos. Mas haveria continuação: na semana passada, um tribunal de recursos de Maryland revogou a anulação da condenação de Syed — em nome dos direitos da vítima.

Reprodução
A história de Adnan Syed foi transformada em documentário pelo canal HBO
Reprodução 

O caso de Adnan Syed, condenado pela morte da ex-namorada Hae Min Lee, em 2000, mas presumidamente inocente, foi celebrizado pelo podcast Serial, no episódio "Leakin Park", e pelo documentário da HBO The case against Adnam Syed. Durante 23 anos — ou desde que foi preso — Syed lutou em todas as instâncias da Justiça estadual para provar sua inocência, em vão. A sentença, de 2000, foi de prisão perpétua mais 40 anos.

Ele só foi libertado, finalmente, por iniciativa da Promotoria de Maryland, que, com o auxílio da defensora, desenterrou provas da inocência de Syed e desistiu da ação penal (nolle prosequi ou no pros). Nesse caso, como pode o tribunal de recursos restabelecer uma ação penal da qual a Promotoria já desistiu? A decisão do tribunal de recursos explica:

"A apresentação pelo Estado de uma nolle prosequi não faz com que o recurso do Sr. Lee (irmão da vítima) fique prejudicado, sob as circunstâncias desse caso. Apesar de a Promotoria ter, geralmente, uma ampla discricionaridade para apresentar uma nolle prosequi, essa autoridade não é irrestrita. De preferência, as cortes vão ajustar a autoridade do Estado em circunstâncias excepcionais, tais como quando a apresentação de uma nolle prosequi viola a integridade fundamental e, pelo menos em algumas circunstâncias, onde ela contorna o direito de apelar."

Explicando: o colegiado de três juízes do tribunal de recursos decidiu, por 2 a 1, que a juíza Melissa Phinn violou os direitos de Young Lee, o irmão de Hae Min Lee, porque a juíza não deu à família da vítima uma chance adequada de assistir, pessoalmente, à audiência decisiva do caso em questão.

Os juízes argumentaram ainda que a Promotoria não notificou apropriadamente a família Lee sobre sua intenção de pedir à juíza a revogação da condenação e da sentença de Syed — uma deficiência que, para o tribunal de recursos, "vai contra o objetivo de Maryland de tratar vítimas e sua famílias com dignidade, respeito e sensibilidade em tais matérias".

A decisão afirma: "Legalmente, uma vítima não tem o direito de ser ouvida em uma audiência de revogação. No entanto, a corte tem discricionaridade de permitir à vítima se manifestar em uma audiência de revogação, devido ao impacto da decisão da corte na vítima e em sua família".

Assim, o tribunal de recursos revogou a anulação da condenação e da sentença de Syed e ordenou a baixa dos autos à primeira instância, para que seja feita nova audiência, desta vez com a presença do irmão da vítima, com a seguinte explicação:

"Como a juíza violou o direito de Young Lee de ser notificado e de assistir à audiência sobre o pedido do Estado de revogar a condenação, esta corte tem o poder e a obrigação de remediar essas violações, desde que não violemos o direito de Adnan Syed de não sofrer dupla punição".

"Podemos fazer isso e, consequentemente, revogamos a decisão de primeiro grau de anular as condenações de Adnan Syed, o que resulta no restabelecimento das condenações e da sentença", diz a decisão. "Remetemos os autos (à primeira instância) para uma nova audiência transparente e legalmente correta para examinar o pedido de revogação, para a qual Young Lee será devidamente notificado e com tempo suficiente para ele comparecer em pessoa e em que provas que sustentam o pedido de revogação sejam apresentadas e a corte declare as razões que sustentam sua decisão."

Em voto dissidente, o juiz Stuart Berger escreveu que, na verdade, a família Lee foi notificada com três dias de antecedência e assistiu à audiência "por meios eletrônicos". Como o irmão da vítima vive na Califórnia, na Costa Oeste, e a audiência foi em Maryland, na Costa Leste, ele participou da audiência por Zoom. Os dois outros juízes concluíram que isso não é suficiente: ele deve participar em pessoa.

De qualquer forma, Syed não volta para a prisão — pelo menos até que uma nova decisão seja tomada. O tribunal de recursos fixou um prazo de 60 dias para as partes se prepararem para a nova audiência. A maior probabilidade é a de que a revogação da condenação de Syed seja mantida.

Porém, a promotora Marilyn Mosby, que pediu a revogação da condenação de Syed no ano passado, deixou a Promotoria neste ano. Ela foi substituída por Ivan Bates, a quem caberá agora tomar uma decisão pela Promotoria. Ele pode defender a revogação ou a manutenção da condenação ou, ainda, pedir um novo julgamento.

A promotora Marilyn Mosby confirmou, em entrevista ao jornal Washington Post, que Young Lee participou da audiência virtualmente e falou. E criticou a decisão do tribunal: "Ela estabelece um precedente perigoso sobre a capacidade da Promotoria de reverter uma injustiça".

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!