Opinião

O sistema 'pratique ou explique' é suficiente para a boa governança e o ESG?

Autor

  • Leonardo Barém Leite

    é sócio sênior do escritório Almeida Advogados especialista em Direito Societário e Contratos fusões e aquisições governança corporativa sustentabilidade ESG e compliance e presidente da Comissão de Direito Societário Governança Corporativa e ESG da OAB-SP/Pinheiros.

4 de abril de 2023, 11h12

O Direito como ciência humana é fascinante, e parte da sua beleza está na ausência de verdades eternas, absolutas ou imutáveis, assim como na liberdade de (respeitados alguns critérios) interpretação e de opinião.

Costuma ser do contraditório que surgem as grandes provocações, os debates e os questionamentos mais frutíferos, nos mais diversos ramos e aspectos do Direito, inclusive no caso de nosso ordenamento jurídico interno.

Muito do que "antes" se considerava sedimentado, e livre de questionamentos, atualmente já comporta visões, considerações, críticas e sugestões, com vistas à melhoria constante do sistema.

Nesse contexto, propomo-nos a rapidamente analisar a efetividade do que se costuma chamar de "pratique ou explique" no caso brasileiro, especialmente no mercado de capitais.

Sabemos que o conceito de norma, assim como o de legislação, é dinâmico, e que este tem passado por revisões e evoluções ao longo do tempo.

Essa "evolução", que por vezes comporta "testes" e "experimentos", é bastante positiva e benéfica para o país, pois o objetivo final deve ser o da melhoria para toda a sociedade.

Entendemos, porém, que ainda assim (ainda que se pretenda, e estimule a inovação e o aperfeiçoamento das normas) seja necessário bastante cuidado e atenção com as inovações propostas, e com seu processo de aperfeiçoamento para que se conquiste efetivas melhoras, e não se "mexa" onde já estava bom.

Há relativamente poucos anos surgiram no Brasil dois novos conceitos e sistemas que tem sido bastante utilizados, o dos "sandbox regulatórios", e o do "pratique ou explique", sendo que neste breve artigo abordaremos alguns aspectos ligados ao segundo, notadamente no que se refere às boas práticas de governança corporativa e ao ESG.

Em alguns casos, o legislador e certos órgãos reguladores, estabelecem normas que não são propriamente obrigatórias, uma vez que apesar de deverem ser seguidas, quem não o fizer pode (e deve) explicar e justificar. Ou, ao menos, tentar justificar suas razões para não seguir a citada norma, de forma que a obrigação é "relativa".

Em alguns casos esse sistema pode ser acertado, mas defendemos que não seja aplicado para o mercado de capitais como um todo, em especial em alguns temas.

As empresas (inclusive as brasileiras, logicamente) precisam de liberdade para atuar, de estímulos, mas também, de regras claras, que ajudam a construir a tão necessária segurança jurídica.

No caso da boa governança corporativa brasileira, e mais modernamente no tocante ao ESG, em especial no mercado de capitais, temos exemplos de casos em que o legislador opta por estimular práticas e comportamentos, sem necessariamente obrigá-los. E talvez essa não seja uma boa ideia.

Nesses casos, entende o legislador, que o simples fato da empresa precisar explicar suas razões para não realizar ou implementar o que determina a norma, serve como desestimulo para não segui-la. E que ao explicar, por vezes exista até mesmo um certo "constrangimento", que por sua vez tenderia a "forçar" a empresa a seguir a norma.

Já temos, assim, algumas normas que permitem que as empresas que não adotarem determinadas práticas (ditadas pelas normas), expliquem as suas razões e tentem "convencer" o mercado, tentem justificar suas atitudes.

Vemos esse sistema como positivo, mas também como insuficiente e carente de ajustes, uma vez que entendemos que os legisladores devem definir quais são os comportamentos e práticas que entendem como melhores para o mercado, e na sequência determinar que esses sejam seguidos e respeitados.

Se as medidas que visem a melhoria do mercado de capitais brasileiro, da boa governança corporativa, e do ESG são consideradas acertadas e refletem o que de melhor precisa ocorrer em nossas empresas, não deveriam ser meras sugestões, e não deveriam ser (de certa forma) optativas.

De um lado é bom que a legislação indique o caminho, mas de outro, o sistema quase "optativo" pode levar o próprio mercado a precisar conviver com empresas que seguem a determinação, e com empresas que não a seguem, o que enfraquece o sistema como um todo, dificulta a comparação entre as organizações (e seus valores mobiliários). A norma não deve ser apenas uma sugestão.

E, na mesma linha, os operadores do direito podem por vezes, perder o efetivo norte da legislação no que tange à melhor orientação a seus clientes, ao identificar normas que não sejam propriamente obrigatórias.

A tentativa de se induzir comportamentos, sem ainda necessariamente obrigar pode ser adequada em momentos e em situações nos quais o legislador perceba (ou admita) que nem todo o mercado esteja "pronto" para aquela determinação. Ou seja, casos em que o legislador admita que algumas empresas podem precisar de "mais um tempo" para implementar determinados procedimentos.

Entendemos, porém, que em questões tão sensíveis quanto a boa governança corporativa e o ESG nas organizações, em função de sua profundidade e importância para toda a sociedade, deva o legislador considerar um outro sistema, qual seja o de se estabelecer um período de adaptação.

Em outras palavras, se a norma determina um certo procedimento e comportamento, que se entenda como necessário e benéfico às empresas e ao mercado, é preciso que não se caia na tentação de considerar que a norma seja apenas uma sugestão, ou que seja facultativa, devendo sim ser cumprida — ainda que ela própria estabeleça condições, critérios e um período de transição ou de adaptação.

Vemos, portanto, o sistema do pratique ou explique como uma evolução, mas que deva ser aperfeiçoado, ao menos em alguns casos, pois pode ser insuficiente se for apenas uma sugestão.

Práticas que sejam realmente determinantes para o bem das empresas, dos mercados e da sociedade (e no caso do ESG, do planeta inteiro) precisam ser seguidas, precisam ser obrigatórias, e precisam levar a um novo padrão de conduta — geral.

Uma outra questão que surge quanto ao ESG especificamente, é que ele basicamente fomenta as empresas a "fazer o certo", e a fazer mais do que a lei determina — uma vez que se esta ou aquela prática (notadamente social ou ambiental) for determinada por lei, já não integraria o conceito do ESG; que deve decorrer do proposito, da estratégia e dos valores de cada empresa.

Em grande medida, a adoção de boas práticas de governança corporativa é mesmo optativa, é voluntária, e decorre do comprometimento da organização com a sustentabilidade, assim como ocorre com o ESG, mas entendemos que essa "opção" só deva ocorrer no que se refere a "ir além da lei", fazer mais do que a norma determina, pois seguir a legislação deve ser obrigação de todos.

A norma deve determinar o básico, o mínimo obrigatório, e, na sequência, cada empresa, teria a liberdade (conforme o universo corporativo do momento estabeleça) de "poder ir além", de forma que essa liberdade esteja apenas no "excedente", já satisfeita a obrigação ditada pela norma.

Acreditamos que esse seja o melhor modelo, em benefício do mercado de capitais brasileiro, da boa governança corporativa, do ESG e das organizações; deixando mais claro para todos o que é legislação, o que é norma, o que é obrigatório e o que é voluntário, para que se perceba o comprometimento real.

Autores

  • é sócio sênior do escritório Almeida Advogados, especialista em Direito Societário e Contratos, M&A, governança corporativa, sustentabilidade e ESG, compliance, projetos e Direito Corporativo, professor e autor de diversas obras.

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