Opinião

Desburocratização da alteração do regime de bens na união estável

Autor

  • Gabriela Regina Silva Aguiar

    é advogada instrutora da 4ª Turma do TED/OAB pós-graduanda em Direito Processual Civil pela FGVLaw pós-graduada em Direito de Família e Sucessões pela PUC-SP graduada pelo Mackenzie membra efetiva da Comissão de Direito de Família e Sucessões da Subseção de Santo Amaro da OAB-SP e autora de artigos jurídicos na área familiarista.

3 de abril de 2023, 21h34

Muito embora tenha sido anseio do constituinte em 1988 positivar a desburocratização do procedimento de conversão da união estável em casamento, segundo o previsto no artigo 226, §3º (para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento), fato é que o pretendido intuito apenas se concretizou com o advento da Lei nº 9.278/1996.

Mas não só, o Código Civil de 2002 e o atual Código de Processo Civil de 2015 também possibilitaram inequívoca ruptura com a lógica pretérita extremamente apegada ao formalismo, privilegiando uma maior efetividade das garantias constitucionais e, por consequência, uma pretensa realização dos direitos dos jurisdicionados.

Ocorre que a positivação de direitos, seja constitucional ou infraconstitucionalmente, não é suficiente se não há uma efetiva sistematização de como esses serão operados na prática, sobretudo quando se trata do Direito de Família, área umbilicalmente ligada ao dinamismo e constante renovação de institutos.

A união estável, ao ser reconhecida no dispositivo constitucional supracitado, inaugurou no ordenamento jurídico uma série de questionamentos, mormente pois os parcos cinco artigos que o Código Civil destinou para seu tratamento no Título III são pouco esclarecedores.

Porém, o que não se contesta é que se trata de situação de fato, e, não sendo formalmente constituída por uma certidão, a exemplo do casamento, a convivência pública, contínua e duradoura estabelecida com o objetivo de constituição de família pode ocorrer (como ocorre) independentemente de previsão escritural. 

Contudo, em termos de liberdade contratual, é inegável que o contrato de convivência tem uma serventia maior do que o pacto antenupcial de casamento, haja vista que esse tem como finalidade precípua a formalização da escolha do regime de bens pelos cônjuges.

O contrato de convivência, por sua vez, promove a autorregulação do relacionamento tanto a nível patrimonial como existencial, devendo tão somente existir uma correspondência fática aos pressupostos de reconhecimento da entidade familiar.

Sem a pretensão de se debruçar sobre os inúmeros questionamentos doutrinários e jurisprudenciais acerca do que é ou não possível clausular dentro do contrato de convivência, se, os então conviventes, de forma simples e desburocratizada fizeram uso dos meios extrajudiciais para declarar a existência da união estável, sobrevindo alguma mudança em algum ponto do acordado, o Poder Judiciário precisará necessariamente ser acionado?

Ora, o ordenamento jurídico seria inócuo, carecendo de real efetividade, se se desburocratizasse a realização de direitos em um ponto, mas em outro obrigasse as partes, concordes, a acionar a máquina judiciária para alterar algo que poderia ser feito igualmente de forma extrajudicial, como o regime de bens.

A necessidade de uma coesão dentro do Direito é imperiosa, principalmente pois há uma exigência mais do que acadêmica em alinhar os institutos, de forma pragmática é de extrema urgência obter-se um grau de funcionalidade maior até mesmo para que não haja um desmedido e cada vez mais constante uso do Poder Judiciário. 

Em tempos de justiça multiportas e preocupação com prevenção e solução extrajudicial de litígios, a solução adjudicatória passou a ser vista como a ultima ratio, de modo que a desjudicialização e simplificação de procedimentos são expressão da atual tônica processualista.

Nesse sentido, em muito boa hora veio o Provimento nº 141 de 16 de março de 2023 editado pelo CNJ, que alterando o Provimento nº 37 de 7 de julho de 2017, o atualizou para tratar do termo declaratório de reconhecimento e dissolução de união estável e dispôs sobre a alteração de regime de bens e conversão extrajudicial em casamento.

A bem vinda regulamentação alinha-se não só com a união estável em si, que por essência é fluida e desburocratizada, mas explicita a promessa de realização dos valores encampados pelos princípios constitucionais no sentido de declarar juridicamente todos os contornos dessa entidade familiar, não só o seu reconhecimento e dissolução, mas também a sua continuação.

É evidente que as necessidades sociais não toleram mais morosidades desarrazoadas, particularmente quando a Justiça Comum demora, em média, dois anos e três meses para julgar processo de conhecimento, segundo o relatório Justiça em Números 2022, editado pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

Dessarte, se o Direito deve acompanhar a sociedade que tutela, avançar na seara familiarista é um compromisso diário e recorrente, sendo necessário que não só os meios extrajudiciais sejam utilizados no afã de desafogar o Poder Judiciário, mas, principalmente, de realizar direitos de forma rápida e eficaz, incentivando a regulamentação de situações de fato e promovendo maior coerência social.

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JUSTIÇA, Conselho Nacional. Provimento nº 141 de 16 de Março de 2023. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://ibdfam.org.br/assets/img/upload/files/PROVIMENTO-20_03.pdf. Acesso em: 24.03.2023.

JUSTIÇA, Conselho Nacional. Justiça em Números 2022. Disponível em: chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2022/09/justica-em-numeros-2022-1.pdf. Acesso em: 24.03.2023.

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