Opinião

A contribuição do seguro para o enfrentamento das catástrofes climáticas

Autores

1 de abril de 2023, 11h11

Ano após ano, o Brasil vem enfrentando catástrofes climáticas, deixando rastro de mortes e severos prejuízos materiais, muitas vezes responsáveis pela ruína de comércios e famílias, que perdem investimentos de uma vida, gerando, numa espiral interminável, outros graves problemas sociais e econômicos.

Há evidentemente questões ambientais que devem ser debatidas, como a eficácia das políticas públicas ambientais de prevenção e enfrentamento de desastres, a interferência antrópica em áreas sensíveis e protegidas e a potencialização da frequência e intensidade desses eventos em decorrência das mudanças climáticas.

Independentemente desse necessário debate, urge o Estado liderar esforços junto à sociedade e ao mercado segurador a fim de incentivar mecanismos securitários para enfrentamento, pelo menos parcial, dessas tragédias naturais, como a que recentemente vimos no litoral norte paulista, no sul da Bahia e na região serrana do Rio de Janeiro, sem mencionar tantos outros eventos climáticos catastróficos que vêm há anos castigando o país.

Esses esforços se fazem ainda mais prementes, em especial, em razão da Circular Susep nº 666/2022, editada recentemente pela Superintendência de Seguros Privados, norma que dispõe sobre requisitos de sustentabilidade a serem observados pelas seguradoras e demais entidades supervisionadas, diante de riscos climáticos, ambientais e sociais com potencial de impactar suas operações e afetar a demanda por seus produtos e serviços.

Pois bem, nesse contexto, o seguro pode constituir, sem dúvida, mecanismo muito eficiente, e acessível, para gestão desses riscos severos, também viabilizando o enfrentamento dos efeitos danosos deles decorrentes.

É verdade que a operação econômica que tradicionalmente fundamenta o seguro está alicerçada na lei dos grandes números, isto é, em bases matemáticas que demandam grande número de segurados submetidos a riscos homogêneos, independentes e com relevante recorrência, de modo que, considerada essa universalidade, pode-se saber de antemão — aproximadamente, mas com grande precisão — o número de sinistros que demandarão, num determinado período, indenizações por parte do segurador, refletindo o preço do seguro.

Ou seja, os riscos catastróficos acabam por desafiar, pelo menos em princípio, as bases técnicas e econômicas do seguro. Além de não terem recorrência comparável a outros riscos, de verificação muito mais frequente, o que inviabiliza os cálculos atuariais que conferem sólida sustentação à operação tradicional de seguro, a materialização de danos provenientes de catástrofes naturais tem efeitos extremamente impactantes, podendo drenar, de modo instantâneo, a capacidade financeira do segurador, pois, num curtíssimo período, muitos dos seus segurados passariam à condição de credores de indenizações.

Não obstante essas considerações relevantes sobre as bases técnicas e econômicas do seguro, já há tempo o mercado segurador possui ferramentas para lidar com os riscos catastróficos. Além do controle da exposição financeira frente aos riscos garantidos, o que se pode fazer por meio de limitações indenizatórias e franquias, é viável que o segurador assegure sua capacidade financeira por meio do resseguro, uma espécie de seguro do segurador que garante riscos próprios da atividade seguradora. A técnica do resseguro, portanto, permite ao segurador "compartilhar" (com resseguradores) os riscos de sua atividade, evidentemente ameaçada quando em causa riscos catastróficos.

Podem os seguradores, adicionalmente, pulverizar pelo país a absorção de riscos de ordem catastrófica, evitando a concentração de contratos em determinadas localidades, de modo que, ocorrendo, por exemplo, um evento climático extremo na cidade de São Paulo, as indenizações devidas em função desse evento não desestabilizariam a capacidade financeira dos seguradores. A massa de segurados de cada segurador não estaria concentrada, mas espalhada pelo território, não sendo toda ela afetada ao mesmo tempo por um mesmo evento catastrófico.

Pode-se pensar, também, numa forma de potencializar, com a ajuda do Estado, a contratação de seguros facultativos relevantes, por meio de campanhas de conscientização da necessidade dessa proteção, aliando-se, por imposição legal, a comercialização obrigatória de cobertura para riscos catastróficos pelo mercado segurador.

Viabilizar-se-ia, dessa forma, a pulverização do financiamento desse tipo de cobertura de seguro, que atualmente, embora esteja à disposição para contratação, não é atrativa, em função dos altos custos praticados e pela já mencionada menor recorrência dos riscos de ordem catastrófica, característica que, por si só, afasta o interesse da massa de segurados. A cobertura de seguro para esse tipo de risco seria, assim, obrigatória em seguros de contratação facultativa, como os seguros residenciais e os destinados a condomínios residenciais e comerciais, solidarizando-se, assim, os custos daquela cobertura, atualmente pouco atrativa.

Como se vê, independentemente das políticas públicas voltadas a minimizar os efeitos de eventos climáticos extremos, especialmente para a camada mais humilde da população, existem caminhos para que o seguro contribua, como instrumento eficaz e acessível de enfrentamento de catástrofes naturais, e o cenário regulatório, agora mais atento aos riscos de sustentabilidade, certamente é um norte para direcionar esforços conjuntos nesse sentido.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!