Opinião

O futuro não é mais como era antigamente. Ainda bem!

Autor

  • Domingos Sávio Zainaghi

    é advogado mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC-SP pós-doutorado em Direito do Trabalho pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha) presidente honorário do Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo coordenador acadêmico da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo (SBDD) membro da Academia Brasileira de Direito Desportivo (ANDD) e do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). 

1 de abril de 2023, 7h04

"As empresas inovadoras não gastam esforços para defender o passado."
Peter Drucker
É certo que o mundo muda rapidamente, pois do final do século 19 até este início de século 21, a humanidade testemunhou grandes inovações tecnológicas que mudaram completamente o rumo da história.

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Se com a revolução industrial iniciada no final do século 18 e que seguiu até meados do 20, o trabalho sofreu mudanças profundas e importantes, deixando aquela função artesanal de lado e a máquina produzindo em série e com mais qualidade, fato é que tudo foi ficando mais fácil para os seres humanos.

Um homem rico do século 19 não tinha as facilidades que um homem pobre tem hoje em dia. Por isso, não é correto fazer previsões catastróficas para o futuro, pois os avanços tecnológicos melhoram a vida dos seres humanos.

Uma viagem entre nosso continente e o europeu levava muitos dias no início do século 20, e hoje apenas algumas horas, por conta de aviões extremamente velozes e com mais segurança do que os navios do início do século passado.

Um telefonema entre o Brasil e outro país além de a chamada ter um custo elevado, muitas vezes se utilizava da intervenção de até quatro telefonistas. Hoje, fazemos isso imediatamente de um aparelho que temos no bolso e ainda sem pagar nada.

Aquelas telefonistas perderam seus empregos, é verdade, mas tiveram de buscar outras ocupações, e não temos notícia de que tenham falecido ou praticado suicídio por conta desse fato.

No início do século 20 tínhamos profissões que hoje nem temos ideia de que existiram. São exemplos os despertadores, pessoas que tinham por atividade acordar outras pessoas pela manhã. O simples invento do relógio despertador acabou com essa profissão.

Outra profissão que desapareceu, foi a de limpadores de fezes de cavalos, pois os carros fizeram desaparecer das ruas as carroças e os próprios cavalos como meios de transporte humano e de cargas. Por outro lado, surgiram as ocupações de mecânicos, borracheiros etc.

O que quero demonstrar é que o mundo não irá acabar com as novas tecnologias. Pelo contrário, estas vêm ajudar a humanidade, até porque as máquinas, computadores e robôs são mais eficientes em termos de segurança e confiança do que o ser humano.

Os aviões cruzam os continentes com base em computadores que dão muito mais segurança aos voos do que se fossem estes comandados somente pela destreza humana.

Os carros sem motorista já estão aí, e serão uma realidade em pouco tempo, e estudos mostram que teremos uma infinita diminuição de acidentes automobilísticos e consequentemente de mortes nas ruas e estradas.

Eu, particularmente, tenho medo de viagens de ônibus, pois um erro de um motorista pode causar um acidente fatal, como sempre vemos ocorrer.

Os motoristas de caminhão que muitas vezes trabalham até quarenta e oito horas sem dormir, e dopando-se para conseguirem se manter acordados, sendo um evidente perigo a eles e a terceiros.

Com caminhões automatizados, os motoristas serão apenas técnicos de computadores e estarão na cabine de um caminhão apenas para controlar o piloto automático, ou para atuarem em alguma outra circunstância que exige a atuação humana.

Sim, é certo que vivemos numa sociedade líquida como afirmou Bauman, onde tudo é passageiro, fluido, desde o trabalho, coisas e relacionamentos.

O mundo está muito diferente, e isto realmente assusta, mas será que quando as pessoas viram as carroças (carros) andarem sem os cavalos não se assustaram? Quando conseguiram conversar à distância com uma outra pessoa pelo telefone? Ou ouvir notícias e músicas pelo rádio?

Fico imaginando como as pessoas reagiram quando viram uma imagem de uma situação que ocorria muitos quilômetros de distância aparecer numa caixa, ou seja, na televisão.

E se formos mais para trás no tempo, o que o homem sentiu quando descobriu que conseguia produzir fogo com apenas duas pedras nas mãos?

Entendo que o medo atual não é diferente do que aqueles humanos sentiram diante de novas tecnologias. Aliás, creio que estamos até mais preparados, pois as invenções que citei acima já existiam quando a maioria de nós veio ao mundo.

Penso que muito mais espantado ficou quem viu um telefone pela primeira vez do que nós quando vimos o telefone celular pela primeira vez, pois já conhecíamos essa tecnologia, mas que poderia ser por nós carregada no bolso.

Quando vimos que um ser humano dentro de um foguete conseguiu chegar à Lua, não causou mais espanto do que o causado àquele homem que viu um avião pela primeira vez.

Não consigo me filiar entre os que vêm nas novas tecnologias um perigo para a humanidade.

Pensemos. Durante a pandemia da gripe espanhola no início do século passado, as pessoas não sabiam o que estava se passando com seus parentes que viviam em outras cidades. Nós passamos pela pandemia da Covid-19, e pudemos nos comunicar pela internet e pelo telefone com amigos e parentes que vivem até em outros países.

Sou da geração que viu uma Copa do Mundo de futebol pela televisão, em 1970, o que foi uma tremenda novidade, pois até a Copa do Mundo de 1966 as transmissões eram somente pelo rádio aqui no Brasil.

Esse catastrofismo sim, me assusta. Deveríamos estar saudando o progresso, mas não. Basta ler em sites, jornais, revistas, ouvir rádio e assistir televisão, para nos depararmos com declarações contra o progresso, com disseminação do medo, sendo que alguns afirmam que até a democracia corre riscos!

Ora, quase tudo o que foi inventado serviu e serve para o bem e para o mal.

O avião que lança bombas é o mesmo meio que nos transporta pelo mundo com segurança e conforto.

Alguns têm medo de realizar operações bancárias pela internet, com receio de hackers, mas preferem ir aos bancos com risco de assaltos.

Sinceramente, daria para viver sem energia elétrica, computadores, telefones celulares e internet?

Na área jurídica, quanto se ganhou com o Processo Judicial Eletrônico-PJE, em termos de economia de papel, de tempo com deslocamentos e controle da ansiedade quando tínhamos de esperar para ver um processo no fórum? Agora os processos estão até nos nossos bolsos nos smartphones.

Quantas doenças são evitadas e curadas com os avanços tecnológicos da medicina, e sem tanto sofrimento com exames que no passado eram doloridos e atualmente não o são e com maior confiabilidade.

Desculpem os pessimistas, mas não consigo concordar com vocês.

Muitos amaldiçoaram o teletralho, mas se não fossem as ferramentas tecnológicas e a internet, como teríamos sobrevivido à pandemia da Covid-19?

Aulas, petições, reuniões, trabalhos os mais variados, foram realizados por teletrabalho. Por sorte o Brasil já tinha uma legislação para fazer frente ao teletrabalho, enquanto outros países se viram diante de um problema, o de não saber como lidar juridicamente com essa nova situação, pois doutrinadores ficaram durante anos demonizando o teletrabalho, e até eles se valeram do que criticavam para exercerem suas atividades.

Não podemos entrar no jogo do isto ou aquilo, isto é, para termos algo teremos de optar por abrir mão de outra coisa.

Exemplo. Não acredito que ser um grande profissional, realizado e respeitado, tenha-se de abrir mão de se ter uma vida em família. Ou a mulher que queira construir uma carreira tenha de optar por não ser mãe.

No passado recente, a briga quando se tratava de discutir as relações de trabalho, era entre economistas e juslaboralistas. Hoje, a discussão e trava entre filósofos e juslaboralistas de um lado e administradores de empresas e profissionais de tecnologia de outro. Os primeiros defendendo que a humanidade só perde com a tecnologia e que esta retira postos de trabalho e levarão a sociedade à barbárie. Os outros entendem que a tecnologia traz grandes benefícios aos seres humanos e que não colocam em risco a vida, a democracia e muito menos o trabalho.

No exato momento em que eu estava escrevendo este ensaio, recebi uma mensagem por e-mail de um amigo de Barcelona, onde este me perguntava sobre outro amigo que vive em Lima, Peru. Disse-lhe que estava enviando ao seu WhatsApp o número também do mesmo aplicativo da filha do amigo peruano para que pudesse entrar em contato.

Como teria sido essa singela situação resolvida há trinta e cinco anos? Eu receberia uma carta vinda de Barcelona após uns quinze dias de sua postagem, responderia dizendo que não tinha nenhum meio de contatar nosso amigo peruano a não ser por carta, e enviarei o endereço ao amigo espanhol. Conclusão: sessenta dias para que este entrasse em contato com aquele.

É inegável que a tecnologia facilita a vida de todos nós. Documentos são assinados digitalmente, sem necessidade da burocracia de assinaturas presenciais e reconhecimentos de firmas.

As câmeras dos telefones celulares registram cenas que servem de prova de abuso de autoridades, gravamos conversas, músicas, lemos em iPhones e iPads; os jornais impressos estão em vias de desaparecerem (alguns já são publicados apenas pelo meio digital), os livros para as novas gerações têm de ser digitais, gostemos ou não, nos da geração baby boomer, que amamos os livros físicos.

Em sala de aula eu quando vou ler um artigo da Consolidação das Leis do Trabalho o faço num exemplar físico, mas todos os alunos o fazem nos smartphoes ou iPads. Da cátedra observo os alunos na grande maioria fazendo as anotações da aula em computadores ou iPads.

As aulas pela internet em razão da pandemia da Covid-19 se tornaram o único meio de se levar conhecimento aos alunos, e deixo uma questão: será esquecido esse meio de ensino? Aliás, antes mesmo da pandemia, muitos cursos de pós-graduação já eram ministrados on line, o ensino a distância.

Não adianta amaldiçoar a escuridão, há que se acender velas, ou melhor, luzes de led.

Tecnologia e trabalho
Nunca deixará de existir o trabalho. Sem este, nada é criado e o ser humano não se completa. Como afirmou H.L. Mencken, "continuo trabalhando pela mesma razão que uma galinha bota ovos".

Discordo do termo muito utilizado de que vivemos uma revolução tecnológica, pois revolução é um conceito que descreve mudanças políticas súbitas e violentas. O que estamos vivendo, a meu ver, é um período de mudanças na forma de nos comunicarmos e também de trabalhar.

Foram-se os conceitos de administração e de produção que surgiram e se mantiveram durante os séculos 19 e 20 . Não existe mais a esteira da linha de produção do modelo fordista, e nem a produção conforme a demanda do toyotismo. Tudo mudou, e foi tão rápido que não sentimos.

Não dá para separar o trabalho da vida, um existe em função do outro. Um trabalho desagradável torna a ´pessoa infeliz, e sua vida como um todo se deteriora. O trabalho pode consumir um trabalhador. Pessoas infelizes que vivem para trabalhar. Na verdade, tais pessoas estão presas e conformadas com um trabalho que as torna zumbis. Sem alegria, sem empolgação, sem entusiasmo e até mesmo sem saber qual a utilidade do que fazem diariamente.

Que o futuro nos traga muitas alegrias e possa toda a humanidade usufruir das comodidades que a tecnologia nos trará.

Termino a célebre frase de Paul Valery: O futuro não é mais como era antigamente!

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  • é advogado, mestre e doutor em Direito do Trabalho pela PUC-SP, pós-doutorado em Direito do Trabalho pela Universidad Castilla-La Mancha (Espanha), presidente honorário do Instituto Iberoamericano de Derecho Deportivo, coordenador acadêmico da Sociedade Brasileira de Direito Desportivo (SBDD), membro da Academia Brasileira de Direito Desportivo (ANDD) e do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo (IBDD). 

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