Opinião

Subsistência do protesto como via interruptiva da prescrição na JT

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29 de setembro de 2022, 6h02

O artigo 7º, inciso XXIX, da Constituição Federal, fixa os prazos prescricionais para as pretensões manejadas na Justiça do Trabalho. Tais prazos são únicos e necessariamente incidentes sobre todas as pretensões cujo debate esteja inserido na competência desse ramo judiciário, como decidiu o Supremo Tribunal Federal no ARE nº 709.212/DF (rel. ministro Gilmar Mendes). Embora a Carta Magna defina as dilações, não traz, como é de boa técnica, outras regras para incidência do preceito, encaminhadas ao ordenamento infraconstitucional.

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O advogado Alberto Bresciani
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Reportando-se ao seu berço natural, a prescrição tem regramento geral inserido, principalmente, nos arts. 189 a 206-A do Código Civil. Ao cuidar das causas que interrompem a prescrição, o artigo 202, inciso II, do diploma legal, enuncia que "a interrupção da prescrição, que somente poderá ocorrer uma vez, dar-se-á […] por protesto". O artigo 301 do Código de Processo Civil, a seu turno, conserva a medida, dispondo que "a tutela de urgência de natureza cautelar pode ser efetivada mediante […] registro de protesto contra alienação de bem e qualquer outra medida idônea para asseguração do direito".

Humberto Theodoro Júnior[1] conceitua a providência cautelar como "“ato judicial de comprovação ou documentação de intenção do promovente. Revela-se, por meio dele, o propósito do agente de fazer atuar no mundo jurídico uma pretensão, geralmente de ordem substancial ou material".

Com apoio no normativo civilista, a jurisprudência conformou-se com a potencialidade de interrupção da prescrição pelo ajuizamento de ação trabalhista. Rememore-se o conteúdo da Súmula 268 do Tribunal Superior do Trabalho:

Súmula nº 268. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. AÇÃO TRABALHISTA ARQUIVADA – A ação trabalhista, ainda que arquivada, interrompe a prescrição somente em relação aos pedidos idênticos.

Na mesma linha, tornou-se indiscutível, pela dicção da mesma Corte, o cabimento de protesto como meio de se provocar a interrupção da prescrição na Justiça do Trabalho. Positiva-o a Orientação Jurisprudencial 392 da SBDI-1:

392. PRESCRIÇÃO. INTERRUPÇÃO. AJUIZAMENTO DE PROTESTO JUDICIAL. MARCO – O protesto judicial é medida aplicável no processo do trabalho, por força do art. 769 da CLT e do art. 15 do CPC de 2015. O ajuizamento da ação, por si só, interrompe o prazo prescricional, em razão da inaplicabilidade do § 2º do art. 240 do CPC de 2015 (§ 2º do art. 219 do CPC de 1973), incompatível com o disposto no art. 841 da CLT.

A Lei nº 13.467, de 14.7.2017, no entanto, trouxe desconforto ao quadro tranquilo até então residente, acrescendo o § 3º ao artigo 11 da CLT. O preceito estabelece:

Art. 11. …
[…]
§ 3º A interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista, mesmo que em juízo incompetente, ainda que venha a ser extinta sem resolução do mérito, produzindo efeitos apenas em relação aos pedidos idênticos.

Impõe-se, em tal cenário, compreender-se os efeitos do vocábulo somente e da expressão reclamação trabalhista.

Direito não é gota, ensinava Pontes de Miranda. De fato, o ordenamento jurídico há de ser divisado em seu conjunto, posta em foco a pluralidade de situações que o convívio social gera em todas as suas múltiplas faces.

Para tanto, o artigo 8º da CLT designa que "as autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão, conforme o caso, pela jurisprudência" ou "por analogia". O § 1º do referido artigo determina: "o direito comum será fonte subsidiária do direito do trabalho".

O artigo 769 da CLT, em sequência, prescreve que, "nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste Título". Tais disposições afinam-se com o artigo 15 do CPC, quando assevera que, "na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente".

O Decreto nº 4.657, de 4.9.1942, Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, em seu artigo 5º, recomenda que, "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum".

Todas as regras referidas devem ser analisadas com olhos postos nos princípios da unidade da ordem jurídica e da coerência lógica do sistema, buscando-se a correção de eventuais antinomias que apresentem. Essa correção não seria pontual ou de exceção, mas faz-se cotidianamente necessária aos aplicadores do direito, em diferentes oportunidades, intensidades e por variados métodos, pois nenhuma regra jurídica abstrata é capaz de abarcar toda a gama de fatos passíveis de seu alcance.

O primeiro desses métodos é a interpretação. À proporção que, no caso sob exame, são confrontados preceitos regentes de uma mesma situação jurídica, vem a lume a interpretação sistemática. Maria Helena Diniz[2] compreende-a como "a que considera o sistema em que se insere a norma, relacionando-a com outras concernentes ao mesmo objeto". A percuciente autora, oportunamente, ainda aduz[3] que "os fins sociais são do direito: logo, é preciso encontrar no preceito normativo o seu telos (fim). O bem comum postula uma exigência, que se faz à própria sociedade".

Não se põe em dúvida que o Direito do Trabalho, considerada a sua gênese e a importância das relações jurídicas expostas ao seu domínio, tem acentuado fim social, que contribui para o bem comum da sociedade. A partir dessa ideia, compreende-se que não faz sentido, sob a visão do ordenamento jurídico como um todo, que suas normas, sob um mesmo instituto, sem justificativa razoável, destinem tratamento mais gravoso a alguns de seus destinatários.

Note-se que o direito comum, por força do quanto posto no artigo 8º, § 1º, da CLT, é fonte subsidiária do Direito do Trabalho, recebendo, o processo correspondente, a influência do Direito Processual Civil (CLT, artigo 769; CPC, artigo 15).

O § 3º do artigo 11 da CLT, claramente, inspirou-se na Súmula 268 do Tribunal Superior do Trabalho, mas, ao apropriar-se de sua redação, aludiu a reclamação trabalhista, quando melhor faria se houvesse dito ação. De qualquer sorte, assim deve ser lido, para que, no conceito genérico de reclamação, insiram-se todas as ações, sejam de que natureza forem, cabíveis na Justiça do Trabalho.

A regra não pode ser apreendida em descompasso com o artigo 202, inciso II, do Código Civil, e com o artigo 301 do CPC, ambos de necessária coabitação com o Texto Consolidado. A disciplina do Código Civil, por geral, impõe-se sobre a antinomia normativa da § 3º do artigo 11 da CLT, permitindo concluir que o legislador, inclusive ao adotar o advérbio somente, não poderia divorciar-se de todo o ordenamento e minus dixit quam voluit.

A leitura restritiva do § 3º da CLT impediria, absurdamente, que também as ações civis públicas ou ações coletivas, por exemplo, pudessem produzir a interrupção da prescrição. E isso não se pode aceitar.

Luciano Martinez[4], com a pertinência que lhe é própria, recorda-se do princípio da isonomia, remarcando que foge a toda razoabilidade imaginar-se que trabalhadores domésticos e rurais, excluídos da disciplina da CLT, possam merecer tratamento menos rigoroso quanto às causas interruptivas da prescrição. Por mais essa razão, percebe-se o equívoco na redação do preceito, a desafiar interpretação que agregue todos os trabalhadores em respeito ao artigo 5º, caput, da Constituição.

Rodolfo Pamplona Filho e Leandro Fernandes[5] também são categóricos quando, "com espeque no preceito da vedação à proteção insuficiente, desdobramento da proporcionalidade", entendem "que o novo artigo 11, § 3º, da CLT não deve ser interpretado como dispositivo veiculador de uma exclusão das demais causas interruptivas previstas no ordenamento jurídico, que prosseguem plenamente aplicáveis na seara trabalhista".

Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado[6], Mauro Schiavi[7], Carlos Henrique Bezerra Leite[8] e Gustavo Filipe Barbosa Garcia[9] seguem em igual vetor.

O Tribunal Superior do Trabalho, por diversas de suas Turmas, tem encampado a conclusão favorável à leitura ampliativa do § 3º do artigo 11 da CLT. Destaco o seguinte julgado:

RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE – INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO – PROTESTO JUDICIAL – APLICAÇÃO DA ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL 392 DA SDI-1 DO TST APÓS A VIGÊNCIA DA LEI 13.467/17 – TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA – PROVIMENTO. 1. Nos termos do art. 896-A, § 1º, II, da CLT, constitui transcendência política da causa o desrespeito da instância recorrida à jurisprudência sumulada do TST ou do STF. 2. A Orientação Jurisprudencial 392 da SDI-1 do TST dispõe que "o protesto judicial é medida aplicável no processo do trabalho, por força do art.769 da CLT e do art. 15 do CPC de 2015. O ajuizamento da ação, por si só, interrompe o prazo prescricional, em razão da inaplicabilidade do § 2º do art. 240 do CPC de 2015 (§ 2º do art. 219 do CPC de 1973), incompatível com o disposto no art.841 da CLT". 3. In casu, o debate jurídico que emerge da presente causa diz respeito à possibilidade de interrupção da prescrição pelo ajuizamento do protesto judicial, após a vigência da Lei 13.467/17, em razão da nova redação dada ao art. 11, § 3º, da CLT. 4. Ocorre que, não obstante a CLT, a partir da vigência da Lei 13.467/17, tenha previsto que a "interrupção da prescrição somente ocorrerá pelo ajuizamento de reclamação trabalhista", tem-se entendido que a expressão "reclamação trabalhista" deve ser interpretada lato sensu, ou seja, como qualquer espécie de ação destinada a tutelar direitos e obrigações no âmbito das relações trabalhistas, de forma que o ajuizamento de ação de protesto judicial continua a ser considerado como causa interruptiva da prescrição. 5. Reforça tal convicção o fato do relatório do Relator da reforma trabalhista, Dep. Rogério Marinho, não apontar para a intenção de excluir o protesto judicial, mas, pelo contrário, inserir no texto do art. 11 da CLT verbetes sumulados do TST, verbis: "As alterações promovidas no art. 11 são para alçar ao nível de lei ordinária as ideias contidas nas Súmulas nº 268 e nº 294 do TST, para que, desse modo, seja dada efetividade ao inciso XXIX do art. 7º da Constituição Federal, permitindo-se que o prazo prescricional de cinco anos se dê ainda na vigência do contrato". Ademais, a ênfase no § 3º do art. 11 não é para que apenas reclamação trabalhista possa interromper a prescrição, mas no complemento do dispositivo, que esclarece: "mesmo que em juízo incompetente, ainda que venha a ser extinta sem resolução do mérito, produzindo efeitos apenas em relação aos pedidos idênticos". 6. Sendo assim, a Orientação Jurisprudencial 392 da SDI-1 do TST não foi superada pela nova legislação, de forma que, demonstrada sua contrariedade, reconhece-se a transcendência política da causa. Recurso de revista provido. (TST, RR-224-12.2020.5.09.0017, 4ª Turma, Rel. Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, DEJT 24.6.2022)

No mesmo sentido: RR-743-25.2019.5.09.0242, 3ª Turma, Rel. Ministro Alberto Bastos Balazeiro; AIRR: 769-19.2019.5.09.0017, 3ª Turma, Rel. Ministro Mauricio Godinho Delgado; Ag-AIRR-715-21.2018.5.14.0091, 3ª Turma, Rel. Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte; TST, RR-11003-88.2019.5.03.0094, 4ª Turma, Rel. Ministro Alexandre Luiz Ramos; RR-10935-78.2019.5.03.0017, 7ª Turma, Rel. Ministro Cláudio Mascarenhas Brandão; RR-10397-35.2021.5.15.0004, 8ª Turma, Rel. Ministra Delaíde Alves Miranda Arantes).

Assim, a communis opinio doctorum, aliada à solidez dos precedentes do Tribunal Superior do Trabalho, referendam o cabimento do protesto a que aludem os arts. 202, inciso II, do Código Civil, e 301 do Código de Processo Civil, como meio hábil à interrupção da prescrição no âmbito da Justiça do Trabalho, remanescendo vívida a compreensão da Orientação Jurisprudencial 392 da SBDI-1.


[3] Ibid.

[4] MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. 13ª Ed. São Paulo: Ed. SaraivaJur, 2022, p. 1047-1049.

[5] Apud MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. 13ª Ed. São Paulo: Ed. SaraivaJur, 2022, p. 1049.

[7] SCHIAVI, Mauro. Manual de direito processual do trabalho. 17ª ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2021, p. 528.

[8] LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito do trabalho. 13ª ed. São Paulo: Ed. SaraivaJur, 2021, p. 797):

[9] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de direito processual do trabalho. 10ª ed. São Paulo: Ed. SaraivaJur, 2022, p. 1177.

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