Opinião

Prerrogativas da advocacia: honorários, saúde e dignidade profissional

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24 de setembro de 2022, 7h03

O tema das prerrogativas da advocacia é fundamental. Embora houvesse construções anteriores, é a Constituição Federal de 1988 que destaca a importância dos advogados e advogadas, apontados como indispensáveis à administração da justiça. Desse status constitucional decorrem as prerrogativas funcionais, destinadas a salvaguardar a advocacia e, por conseguinte, os direitos do cidadão.

"As prerrogativas constitucionais" —  as palavras são do ministro aposentado Carlos Ayres Britto — "não são direitos subjetivos comuns".[1] Nunca é demais refletir sobre as garantias dos advogados, que fortalecem a cidadania e o Estado democrático de Direito.

Sob essa perspectiva, merece destaque a recente Lei nº 14.365/2022, que alterou o Estatuto da Advocacia e da OAB (Lei nº 8.906/1994). Uma inovação importante foi a inclusão do artigo 798-A no Código de Processo Penal (CPP), que trata da suspensão dos prazos processuais penais entre 20 de dezembro e 20 de janeiro.

Trata-se de dispositivo análogo ao artigo 220, do Código de Processo Civil (CPC). No CPP, a suspensão não abrange os casos que envolvam réus presos, os feitos relacionados à prisão, os procedimentos regidos pela Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006) e as medidas consideradas urgentes.

A suspensão dos prazos penais dá efetividade a duas garantias constitucionais: a indispensabilidade do advogado e o direito fundamental à saúde. Os prazos exíguos, a contagem em dias úteis e, antes da Lei nº 14.365/2022, a ausência de períodos de descanso contribuíam para tornar a advocacia uma atividade excessivamente cansativa e, por vezes, desanimadora.

Segundo o relatório divulgado pela Oxfam, as mulheres realizam mais de 75% de todo o trabalho de cuidado não remunerado do mundo. Portanto, as advogadas são as mais afetadas pela sobrecarga de trabalho, sobretudo pelo trabalho de cuidado que exercem além da advocacia.

Em contrapartida, a defesa altiva e empenhada na proteção dos direitos dos cidadãos só tem espaço em contextos de segurança física e emocional. O cansaço mental excessivo e a exaustão física — que não podem ser normalizados — compõem os sintomas do burnout.

O termo significa "queima total" e relaciona-se ao esgotamento de energia, provocado por jornadas exaustivas de trabalho. Recentemente, o burnout foi classificado como CID-11, pela Organização Mundial da Saúde (OMS), na categoria das síndromes crônicas ocupacionais.

A OAB Nacional lançou a "Cartilha da Saúde Mental da Advocacia", no final de 2021.[2] Sandra Krieger Gonçalves, advogada e Conselheira Federal pela OAB-SC à época, comandou o estudo, em conjunto com a psicóloga Ana Carolina Peuker, da startup de saúde mental Bee Touch.

A cartilha apresenta o potencial de a advocacia tornar-se desgastante, considerando as dificuldades de "se desligar" do trabalho para aproveitar momentos de lazer. As pesquisas revelam números preocupantes: em Mato Grosso do Sul, 63% dos advogados disseram sentir cansaço extremo, segundo levantamento da Bee Touch.[3]

É necessário pensar em formas de aliviar a prática da advocacia, de modo a preservar a saúde da classe e, com isso, garantir o direito de defesa. Está em curso o Projeto de Lei (PL) nº 5.962/2019, que dispõe sobre a dilação de prazo aos advogados e advogadas acometidos de doença. É uma importante complementação ao artigo 798-A do CPP, no sentido de expandir as prerrogativas e, ainda, efetivar o direito constitucional à saúde.

Iniciativas como essas são necessárias, em especial, para as mulheres advogadas. Os períodos de descanso e a dilação de prazo em caso de doença são formas de aliviar o dia a dia conturbado das mulheres que cumprem diversos turnos de trabalho — no escritório e em casa.

Esses são passos ainda iniciais, mas indispensáveis para a criação de um sistema jurídico que confira dignidade à advocacia. É só o começo!

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[1] BRITTO, Carlos Ayres. "Direitos subjetivos" e "prerrogativas" constitucionais. Doutrinas Essenciais de Direitos Humanos, v. 1, agosto, 2011, online.

[2] A “Cartilha da Saúde Mental da Advocacia” encontra-se disponível pelo linkhttps://www.oab.org.br/noticia/59198/oab-lanca-terceira-edicao-da-cartilha-da-saude-mental-da-advocacia.

[3] MIGALHAS. Saúde mental da advocacia: por que é preciso falar sobre o assunto?. 20.01.2022. Disponível aqui. Acesso em: 15.07.2022.

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