Opinião

ESG e mercado de capitais

Autores

  • Juan Oliveira

    é advogado atuante nas áreas de Societário M&A e Venture Capital do escritório Bronstein Zilberberg Chueiri & Potenza Advogados cofundador do Centro de Estudos de Mercado de Capitais e Financeiro (CEMC) e pós-graduando em Direito Empresarial pelo Insper.

  • Gabriela Valente

    é estagiária atuante nas áreas de Societário M&A e Mercado do escritório Almeida Advogados membro Centro de Estudos de Mercado de Capitais e Financeiro (CEMC) graduanda na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e entusiasta das áreas de Direito Empresarial e Mercado de Capitais.

23 de setembro de 2022, 17h08

O tema ESG (governança ambiental, social e corporativa) segue sendo cada vez mais discutido. Foi nesse cenário que, em maio deste ano (2022), a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou novo estudo abordando os aspectos ESG e sua relação com o mercado de capitais.

O estudo, intitulado "A agenda ASG e o mercado de capitais – Uma análise das iniciativas em andamento, os desafios e oportunidades para futuras reflexões da CVM", aborda a relação entre o mercado de capitais e o tema da sustentabilidade, investiga regramentos normativos que tratam sobre aspectos ESG  vigentes no Brasil e em outros países  e ainda apresenta dados importantes, que são resultado de pesquisa conduzida com investidores com o objetivo de verificar a influência dos critérios ESG na escolha de seus investimentos e na sua tomada de decisão.

Este material busca refletir, de maneira breve e não exaustiva, alguns dos principais indicativos trazidos pelo estudo da CVM. Para mais informações, recomenda-se a leitura do estudo na íntegra [[1]].

Breves considerações sobre aspectos ESG
Antes de nos aprofundarmos no novo estudo da CVM, vale uma breve contextualização sobre o tema "ESG" e sua relação com o mercado de capitais.

ESG corresponde à sigla em inglês para environmental, social and governance  em português, ASG (ambiental, social e governança), e se refere a um conjunto de métricas e boas práticas que tem por objetivo avaliar se a condução das operações de uma empresa é socialmente consciente, sustentável e corretamente gerenciada [2].

Segundo aponta o estudo da CVM, o termo ESG teria sido utilizado pela primeira vez em 2004, em uma carta das Nações Unidas. A ONU remeteu a carta às principais instituições financeiras do mundo, onde incentivava a integração dos fatores sociais, ambientais e de governança ao mercado de capitais. Hoje, é cada vez mais comum ouvir expressões como "aspectos ESG", "fatores ESG" ou "critérios ESG" no contexto do mercado de capitais.

Apesar de o termo ter sido cunhado nos anos 2000, a preocupação com o tema é ainda mais antiga. Ela remonta à década 1960 e à criação dos fundos Trillium e Pax, nos Estados Unidos, que investigavam e avaliavam a adoção de boas práticas de sustentabilidade por empresas.

Desde então, cresceu a discussão sobre aspectos ESG e sua relação com o mercado de capitais, principalmente nos últimos anos, o que se reflete em números importantes. Como indica o estudo da CVM ao fazer referência ao Relatório Global de Riscos 2020 do Fórum Econômico Mundial [3], o volume de investimentos sustentáveis aumentou significativamente nos últimos tempos, alcançando a marca de US$ 35,3 trilhões nos cinco principais mercados cobertos pelo relatório (Austrália, Canadá, Europa, Estados Unidos e Japão). O montante representa cerca de 36% dos ativos financeiros sob gestão no mundo.

É nesse contexto, portanto, que os fatores ESG passam a ser cada vez mais são utilizados no mercado de capitais enquanto critérios de avaliação para a tomada de decisão por investidores ou por empresas. No caso dos investidores, fatores ambientais, sociais e de governança são verificados para que avaliem se determinado negócio representa uma "opção viável de investimentos sustentáveis, capazes (e engajados) de gerar impactos positivos financeiros, sociais e ambientais" [4]. No caso das empresas, a observância de boas práticas em relação a critérios ESG pode "encantar" investidores, atraindo novos investimentos.

Pois bem, concluída a breve contextualização sobre aspectos ESG e sua relação com o mercado de capitais, podemos avançar à análise específica do novo estudo da CVM sobre o assunto.

Novo estudo da CVM sobre ESG e mercado de capitais
Em maio deste ano, a CVM publicou um novo estudoresultado de uma parceria da autarquia com o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC).

O trabalho se inicia com a apresentação da relação entre o mercado de capitais e o tema da sustentabilidade. Ao longo do documento, a CVM também investiga as práticas e regramentos normativos aplicáveis a aspectos ESG no Brasil e, por meio da condução de um benchmarking regulatório, os compara com formatos adotados por outros países.

A ação da CVM evidencia a importância da integração dos fatores ESG com o mercado de capitais, tendo em consideração que os riscos não financeiros estão sendo cada vez mais considerados por investidores em seu processo de tomada de decisão.

O estudo valida a percepção de que os temas ESG se tornaram relevantes a ponto de merecerem atenção especial dos reguladores de diversas jurisdições, que já desenvolvem mudanças no âmbito regulatório com o fim de:

1) Difundir o acesso a informações sobre temas ESG, para promover comunicados uniformizados e passíveis de comparação e que sejam úteis para fundamentar a tomada de decisões dos investidores;

2) Punir e coibir irregularidades na divulgação sobre informações de cunho ESG (como por exemplo, a prática de greenwashing); e

3) Fomentar à adesão do setor corporativo a boas práticas ESG e incentivar o investimento em setores sustentáveis.

ESG e sua influência na tomada de decisão de investidores
Como parte do estudo, a CVM conduziu pesquisas com investidores para compreender o nível de entendimento, interesse e utilização pelo público investidor dos fatores ESG, bem como para avaliar a influência que estes fatores exercem sobre suas escolhas de investimentoe sobre sua tomada de decisão.

Antes disso, em novembro de 2021, a CVM já havia realizado uma pesquisa com esse fim. Àquela época, apenas 6% dos participantes confirmaram que utilizavam de critérios ESG no seu processo de tomada de decisão. A nova pesquisa da CVM, que contou com 263 respostas, aponta que a maior parte dos entrevistados (94%) afirma ter algum tipo de conhecimento sobre o tema ESG. Destes 94%, a maioria (64%) já afirma considerar critérios ESG no momento da escolha de seus investimentos.

O estudo aponta que dos participantes que responderam não considerar critérios ESG na escolha de seus investimentos, a maioria assim o faz por falta de confiança em tais informações ou por dificuldades em obtê-las  o que reforça ainda mais a necessidade de divulgação de informações confiáveis, inclusive com a integração de fatores ESG na análise de investimentos.

A pesquisa também apurou quais são as principais razões pelas quais os investidores consideram os critérios ESG no momento da escolha de seus investimentos: a) preocupação com os fatores ambientais, sociais e de governança; b) entendimento de que a observância de critérios ESG contribui para o desempenho do ativo; c) concepção de que fatores ESG são um indicador de qualidade; d) entendimento de que esse tipo de investimento reduz riscos do próprio investimento; e) ética e impacto positivo para a sociedade; f) possibilidade de remuneração maior a longo prazo; g) alinhamento com valores pessoais, entre outros.

A pesquisa também indicou as principais fontes de consulta utilizadas por investidores, para verificar se as empresas atendem aos critérios ESG. Dentre elas, destacam-se: a) Relatórios de Sustentabilidade/Relatório Integrado do emissor do ativo; b) outras fontes públicas; c) pesquisas ou relatórios privados de terceiros; d) o Formulário de Referência exigido pela CVM; e e) outras fontes.

Regramento legal no Brasil e benchmarking regulatório
O estudo da CVM aborda os principais instrumentos normativos ou parâmetros que tratam sobre o tema "ESG" no Brasil, com destaque para a Lei 13.303/2016 ("que estabelece diretrizes e requerimentos relacionados a gestão de risco, governança corporativa e compliance que devem ser seguidas por empresas públicas, sociedade de economia mista e, em alguns casos, por suas subsidiárias, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios"), para Instruções (ICVM 480, ICVM 552 e ICVM 556) e Resoluções (Resolução CVM 59/21) editadas pela CVM. Destaque também para o Código Brasileiro de Governança Corporativa do IBGC.

Cabe destacar ainda, a preocupação da CVM em pontuar as inter-relações de algumas companhias abertas do brasil com reguladores do mercado de valores mobiliários em países como Austrália, Canadá, Estados Unidos e Reino Unido, que contribuem com informações sobre seus regulamentos, guias, políticas, visões gerais e modelos de transparência empregues.

Buscando comparar os normativos vigentes no Brasil com relação a exigências ESG, a CVM conduziu um benchmark internacional sobre economias emergentes e países com mercados de capitais desenvolvidos. Nesse cenário, a União Europeia se destaca, principalmente pelo avanço e grau de detalhamento na regulação em Finanças ESG. Outros países de destaque que também têm se desenvolvido em matéria de ESG são Canadá, Austrália, Estados Unidos e Reino Unido.

Considerações finais
A divulgação, pela CVM, do novo estudo sobre ESG e sua relação com mercado de capitais, é fruto da relevância atual deste tema e das discussões, cada vez mais frequentes, sobre informações e riscos ESG. A ação da autarquia reflete alguns de seus importantes papéis na comunidade, que se traduzem na promoção e no funcionamento eficiente e regular do mercado de ações e no asseguramento do acesso do público a informações sobre valores mobiliários (artigo 4º, incisos II e VI da Lei 6.385/1976).

No contexto do cenário internacional, a União Europeia assume posição de protagonismo em matéria de regulação de finanças ESG. Países como o Canadá, Austrália, Estados Unidos e Reino Unido participam da corrida. No caso do Brasil, já existem instrumentos normativos que regulam o assunto, mas há espaço para importantes discussões sobre o tema. Tudo indica que o país tende a investir na importação de boas práticas internacionais.

A pesquisa conduzida pela CVM indica que fatores ESG tem sido cada vez mais considerados por investidores, no seu processo de escolha de seus investimentos e de tomada de decisão. Isso reforça a importância da adoção de boas práticas ESG, em benefício não só dos investidores, mas das próprias empresas  é nesse cenário que boas práticas ambientais, sociais e de governança se revelam como mais um fator importante para a atração e captação de investimentos.

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[1] Assessoria de Análise Econômica e Gestão de Riscos (ASA), A Agenda ASG e o Mercado de Capitais: uma análise das iniciativas em andamento, desafios e oportunidades para futuras reflexões da CVM. O estudo divulgado pela CVM pode ser acessado na íntegra, pelo seguinte endereço: <a-agenda-asg-e-o-mercado-de-capitais.pdf (www.gov.br)>. Acesso em 15.09.2022.

[2] EQUIPE TOTVS, ESG: Conceito, como funciona e principais caraterísticas. 2021. Disponível em: <https://www.totvs.com/blog/business-perfomance/esg/>. Acesso em 14/09/2022.

[3] WORLD ECONOMIC FORUM, The Global Risks Report 2020. 2020. Disponível em: <https://www.zurich.com.br/-/media/project/zwp/brazil/docs/grr/the-global-risks-report-2020.pdf?rev=c16a4935a5284db0b7fdc66143bddbb4&hash=FA980B0B3279A481663B6C04323D0F4D>. Acesso em 14/09/2022.

[4] EQUIPE TOTVS, ESG: Conceito, como funciona e principais caraterísticas. 2021. Disponível em: <https://www.totvs.com/blog/business-perfomance/esg/>. Acesso em 14/09/2022

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  • é advogado, atuante nas áreas de Societário, M&A e Venture Capital do escritório Bronstein, Zilberberg, Chueiri & Potenza Advogados, cofundador do Centro de Estudos de Mercado de Capitais e Financeiro (CEMC) e pós-graduando em Direito Empresarial pelo Insper.

  • é estagiária, atuante nas áreas de Societário, M&A e Mercado do escritório Almeida Advogados, membro Centro de Estudos de Mercado de Capitais e Financeiro (CEMC), graduanda na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC-MG) e entusiasta das áreas de Direito Empresarial e Mercado de Capitais.

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