Opinião

Lei 14.442/2022: novidades com relação ao teletrabalho e ao auxílio-alimentação

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22 de setembro de 2022, 6h33

No último dia 5 de setembro foi publicada a Lei 14.442/22, que alterou a CLT para tratar do teletrabalho e do pagamento de auxílio alimentação.

Quanto ao auxílio-alimentação (artigo 457, §2º da CLT), podemos destacar a pacificação de divergências com relação ao pagamento do benefício, inclusive a obrigatoriedade de utilização exclusivamente no pagamento de refeições em restaurantes e estabelecimentos similares ou para a aquisição de gêneros alimentícios.

Também foram incluídas disposições especialmente a fim de vedar, sob pena de descaraterização do benefício, a) deságio ou imposição de descontos sobre o valor contratado; b) prazos de repasse ou pagamento que descaracterizem a natureza pré-paga dos valores a serem disponibilizados aos trabalhadores ou; c) outras verbas e benefícios diretos ou indiretos de qualquer natureza não vinculados diretamente à promoção de saúde e segurança alimentar do trabalhador, no âmbito do contrato firmado com empresas emissoras de instrumentos de pagamento de auxílio-alimentação.

Há disposição expressa quanto à aplicação de multa na hipótese de execução inadequada, desvirtuamento ou desvio da finalidade do auxílio-alimentação (R$5.000,00 a R$50.000,00), inclusive para o estabelecimento que comercializa produtos não relacionados à alimentação e a empresa que o credenciou, podendo ser aplicada em dobro em caso de reincidência ou embaraço à fiscalização, além de outras penalidades.

Ademais, cumpre destacar que foi vetada da versão final da Lei a possibilidade de o trabalhador sacar, em dinheiro, o saldo não utilizado do auxílio-alimentação após 60 dias. No nosso entendimento tal previsão foi vetada corretamente na medida em que poderia afrontar as regras vigentes no Programa de Alimentação do Trabalhador e o próprio ponto principal da Lei 14.442/22 quanto à obrigatoriedade de utilização dos recursos apenas para o pagamento de refeições sob pena de descaracterização do benefício tributário concedido aos empregados e de eventual discussão de integração ao salário.

 Além disso, o principal ponto a se destacar na nossa opinião é a conversão em Lei da íntegra das disposições da MP nº 1.108 quanto à modificação dos artigos 62, 75-B, 75-C e 75-F da CLT no que tange ao teletrabalho.

O artigo 62, inciso III da CLT determina que não são abrangidos do capítulo da jornada de trabalho os teletrabalhadores que prestam serviço por produção ou tarefa, ou seja, com a inclusão do referido inciso o empregado em regime de teletrabalho estará sujeito a controle de jornada salvo se a prestação de serviços se der por produção e tarefa, o que implicará na exigência do controle escrito de jornada de trabalho, inclusive para fins de comprovação da jornada efetivamente realizada como ocorre com os que trabalham em regime presencial.

Cumpre destacar, desta forma, que a Lei 14.442/22 permite que o empregado submetido a regime de teletrabalho por produção ou por tarefa tenha liberdade para exercer as tarefas na hora em que lhe for mais conveniente sem que haja a necessidade de controle de jornada e, por conseguinte, pagamento de horas extras, ou seja, haverá presunção relativa de que o empregado designado ao regime de teletrabalho está sujeito a controle de jornada, cabendo ao empregador demonstrar que o não enquadramento na exceção do inciso III do artigo 62 da CLT e que, portanto, não era possível controlar a jornada.

Outra importante alteração diz desrespeito à redação do artigo 75-B, cujo caput foi alterado com a finalidade de conceituar "teletrabalho" e "trabalho remoto" como a prestação de serviços fora das dependências do empregador, de maneira preponderante ou não, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação, que, por sua natureza, não configure trabalho externo, ou seja, o artigo 75-B passou a considerar as expressões "teletrabalho" e "trabalho remoto" como sinônimos.

Também foram incluídos nove parágrafos no artigo 75-B da CLT, que regulamentam, resumidamente que a) o teletrabalho poderá ser realizado por jornada ou por produção ou tarefa; b) o comparecimento, mesmo o habitual, às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença não descaracteriza o regime de teletrabalho ou trabalho remoto; c) teletrabalho não se confunde com o telemarketing ou teleatendimento; d) o tempo de uso de equipamentos tecnológicos e semelhantes fora da jornada de trabalho não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou sobreaviso, salvo previsão em acordo individual ou norma coletiva de trabalho; e) aprendizes e estagiários também podem ser teletrabalhadores; f) aos teletrabalhadores aplicam-se as disposições previstas na legislação local e nas normas coletivas relativas à base territorial de seu estabelecimento de lotação, de modo a dirimir a controvérsia existente em relação a qual norma coletiva será aplicada;  g) ao teletrabalhador que realiza seu trabalho fora do território nacional aplica-se a legislação brasileira, exceto disposição em contrário estipulada pelas partes e ou enquadrados na Lei nº 7.064;  h) acordo individual poderá dispor sobre horários e meios de comunicação entre empregado e empregador, desde que assegurados os repousos legais.

Ainda, foi alterado o artigo 75-C da CLT para dispor que a prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do instrumento de contrato individual de trabalho, bem como foi incluído o §3º no sentido de que o empregador não será responsável pelas despesas resultantes do retorno ao trabalho presencial, na hipótese de o empregado optar pela realização do teletrabalho ou trabalho remoto fora da localidade prevista no contrato, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.

Portanto, importante destacar que a Lei 14.442/22 tratou de regulamentar não só as disposições a respeito do regime de teletrabalho, mas também o trabalho em modelo híbrido, pois o §1º do artigo 75-B, da CLT, como acima mencionado, é expresso no sentido de que mesmo o comparecimento habitual do empregado às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho.

Foi incluído na CLT também o artigo 75-F que determina que os empregadores deverão dar prioridade aos empregados com deficiência e aos empregados com filhos ou criança sob guarda judicial até quatro anos de idade na alocação em vagas para atividades que possam ser efetuadas por meio do teletrabalho ou trabalho remoto.

Em razão da pandemia muitos empregados e empregadores adotaram o teletrabalho como a única alternativa para manutenção das atividades, todavia, a evolução legislativa não acompanhou a urgência e a quantidade de profissionais que passaram a prestar serviços em tal modalidade, principalmente se considerarmos que a MP 927, que tentou regulamentar a adoção do regime de teletrabalho como medida trabalhista para enfrentamento da pandemia de Covid-19, não foi convertida em Lei.

A despeito de, em um primeiro momento, o teletrabalho apresentar diversos benefícios às partes, cumprindo aqui destacar a possibilidade de que o empregado preste serviço do local que lhe for mais conveniente sem necessidade de deslocamento, se faz necessário que o empregador fiscalize o efetivo cumprimento das normas de saúde e segurança do trabalho para diminuir a possibilidade de adoecimento desse trabalhador.

Neste sentido, em que pese o fato de a maioria dos estudos e comparativos indicarem mais benefícios que malefícios no que concerne à adoção do teletrabalho, cumprindo trazer a título exemplificativa artigo no portal da OIT indicando que no teletrabalho os empregados são de 35% a 45% mais produtivos [1], a Orbit Data Science publicou estudo revelando que em janeiro de 2020 cerca de 70% dos brasileiros elogiavam o teletrabalho, todavia, em dados colhidos entre abril e junho do mesmo ano a aprovação caiu para 45% [2]. No mesmo sentido, pesquisa realizada na Harvard Business School concluiu que a carga de trabalho diária aumentou 48,5 minutos durante a pandemia, o número de reuniões aumentou em 13% e as pessoas enviaram uma média de 1,4 e-mails a mais por dia [3].

Nessa toada, um dos principais pontos de crítica com relação à adoção do regime de teletrabalho é o da dificuldade de exercício do direito à desconexão por parte dos trabalhadores, como aponta o professor Raimundo Simão de Melo [4], o que poderá ser agravado considerando principalmente a inclusão do §5º do artigo 75-B, da CLT, no sentido de que o tempo de uso de tecnologia fora da jornada de trabalho normal do empregado não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou de sobreaviso, razão pela qual o papel da entidade sindical é imprescindível para proteção dos trabalhadores que prestarem serviços na modalidade de teletrabalho de modo que lhes seja garantido o efetivo exercício do direito à desconexão para compatibilizar as inovações trazidas pela Lei 14.442/22 com o disposto no artigo 7º da Constituição Federal.

Também é passível de crítica a inclusão do §7º do artigo 75-B tendo em vista que quando o empregador tiver dois ou mais estabelecimentos em bases territoriais distintas poderá escolher aquela com menor atuação sindical ou com norma coletiva menos protetiva, considerando que diversas previsões da Lei 14.442/22 quanto ao teletrabalho dependem de acordo individual ou previsão em norma coletiva.

Em remate, pendente a análise pelo Congresso dos dois vetos presidenciais: 1) artigo que determinava a restituição, em dinheiro, do saldo do auxílio-alimentação que não tenha sido utilizado ao final de 60 dias e 2) o dispositivo que tornava obrigatório o repasse às centrais sindicais de eventuais saldos residuais das contribuições sindicais, razão pela qual, na hipótese de derrubada dos vetos tais disposições poderão ainda ser incluídas no corpo da Lei 14.442/22.


[1] ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Vantagens do trabalho a distância. Disponível em: https://www.ilo.org/global/docs/WCMS_243988/lang–en/index.htm. Acesso em 09/09/2022

[2] SENA, Victor. Paixão do brasileiro pelo home office caiu ao longo na pandemia. Disponível em: https://exame.com/carreira/paixao-do-brasileiro-pelo-home-office–caiu-ao-longo-na-pandemia/. Acesso em 09/09/2022

[4] SIMÃO DE MELO, Raimundo. Aspectos da medida provisória do teletrabalho e a saúde do trabalhador. https://www.conjur.com.br/2022-abr-08/reflexoes-trabalhistas-aspectos-medida-provisoria-teletrabalho-saude-trabalhador. Consultado em 09/09/2022

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