Opinião

Limitações ao poder de tributar: imunidade dos templos de qualquer culto

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22 de setembro de 2022, 17h08

As denominadas Limitações ao Poder de Tributar se encontram na atual Constituição da República de 1988, insertas na Secão II do Capítulo I do Título VI e dentre tais hipóteses ali elencadas, se encontra a Imunidade dos Templos de Qualquer Culto, prevista no artigo 150,VI, b e que será objeto deste artigo.

Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas
Templo de Salomão em SP, da Universal
Rafael Neddermeyer/Fotos Públicas

Tal imunidade abrange os impostos e, aqui, buscarei abordar de forma sucinta e didática tal instituto na tentativa de aclarar eventuais dúvidas, bem como demonstrar sua aplicação, com base na doutrina e entendimento jurisprudencial.

Não obstante às constituições brasileiras de 1891, 1934 e 1937, de forma velada, tangenciarem a imunidade, quando vedavam a União e os estados de subvencionar ou embaraçar o exercício dos cultos religiosos, foi a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946, a primeira que, de forma expressa, previu a imunidade tributária dos templos de qualquer culto em seu artigo 31, V, "b".

Desse modo, buscou-se preservar que a já existente garantia constitucional de liberdade de culto e de crença não fosse tolhida ou obstaculizada com a criação e incidência de impostos sobre os templos, sendo, portanto, verdadeira materialização do princípio da liberdade de organização religiosa.

Após a Constituição de 1946, as demais mantiveram tal previsão, pois a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967, em seu artigo 20, III, "b" expressamente regulamentou.

Muito embora mantida a imunidade tributária dos templos de qualquer culto, a então Lei Ápice retirou a condicionante antes existente, qual seja, "desde que as suas rendas sejam aplicadas integralmente no país para os respectivos fins", tornando, portanto, tal instituto ainda mais abrangente e absoluto.

A atual Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 regrou a imunidade dos templos de qualquer culto no artigo 150, VI, "b" e § 4º, conforme abaixo:

"Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
VI – instituir impostos sobre:
b) templos de qualquer culto;
§ 4º – As vedações expressas no inciso VI, alíneas 'b' e 'c', compreendem somente o patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas."

Observe-se que houve a inserção do §4º condicionando tal imunidade às atividades finalísticas da instituição, bem como, de forma expressa, reconhecendo que a imunidade aplica-se ao patrimônio, renda e serviços.

Assim, restou claro que "templo" não significa somente o local ou construção, mas sim a própria instituição, conforme será mais detidamente abordado posteriormente.

Antes, porém, de se adentrar à imunidade tributária dos templos religiosos, contudo, patente que se entenda no que consiste o instituto da imunidade tributária.

A imunidade tributária pode ser entendida como uma limitação prevista na Constituição ao poder do Estado de tributar e, via de regra, assim o é para garantir e preservar outros direitos também constitucionalmente garantidos, tais como educação, assistência social, religiosos, dentre outros.

Na lição do doutrinador Luciano Amaro, "O fundamento das imunidades é a preservação de valores que a Constituição reputa relevantes (a atuação de certas entidades, a liberdade religiosa, o acesso à informação, a liberdade de expressão, etc), que faz com que se ignore a eventual (ou efetiva) capacidade econômica revelada pela pessoa (ou revelada na situação), proclamando-se, independente da existência dessa capacidade, a não tributabilidade das pessoas ou situações imunes" [1].

Retira-se do Estado o poder de instituir e cobrar determinado tributo sobre fatos, atos ou sujeitos, mesmo que estejam estes dentro daqueles que, a princípio, a tributação seria permitida.

O eminente doutrinador Ives Gandra da Silva Martins ensina que "na imunidade, não há nem o nascimento da obrigação fiscal e nem do consequente crédito, em face da sua substância fática estar colocada fora do campo de atuação dos poderes tributantes, por imposição constitucional" [2] .

Para Aliomar Baleeiro a imunidades seriam "disposição da lei maior que vedam ao legislador ordinário decretar impostos sobre certas pessoas, matérias ou fatos, enfim, situações que define. Será inconstitucional a lei que desafiar imunidades fiscais" [3].

Alguns doutrinadores entendem ainda, ser a imunidade uma hipótese de não incidência qualificada constitucionalmente, não penso, porém, ser essa a melhor definição.

No atual texto constitucional as mais importantes hipóteses de imunidades do sistema tributário encontram-se dispostas no artigo 150 e, aplicáveis aos impostos (espécie do gênero tributos), sendo certo, contudo, que existem outros dispositivos na Constituição da República de 1988 que também se traduzem em imunidade seja de impostos ou outros tributos.

Conforme alhures citado, a Imunidade Tributária concedida aos Templos de Qualquer Culto se encontra no artigo 150, VI, "b" e § 4º da Constituição da República de 1988, já acima transcrito.

Muito se discutiu e, ainda se discute, sobre qual seria a abrangência e a definição de "Templos de Qualquer Culto", no dispositivo constitucional em comento.

Tal definição se mostra de extrema importância no campo tributário, uma vez que se trata da linha de largada, do marco para que se aplique ou não a imunidade.

Segundo o dicionário Michaelis [4], dentre outros significados, templo seria:

"1. Na Roma antiga, local elevado e descoberto, consagrado pelos áugures, destinado às atividades sagradas.
2. Edifício público construído em honra de uma ou mais divindades.
3. Edifício onde se realiza culto religioso."

Partindo-se de tal definição e através de uma interpretação puramente literal, poderia se chegar à conclusão de que somente os locais destinados às atividades sagradas, de realização de cultos ou honras a divindades seriam objeto da imunidade constitucional.

Contudo, dentre as formas de interpretação das leis existentes a literal isolada é a mais pobre e desprovida de significado, e, deste modo, sua aplicação deve ser efetuada em conjunto com as demais técnicas de interpretação, mormente a teleológica e a histórico evolutiva (interpretação progressiva).

Assim sendo, para se chegar ao real significado e abrangência da expressão "templos de Qualquer Culto" para o Direito Tributário, patente que se faça uso de todos os meios de interpretações das leis disponíveis.

O professor Eduardo Sabbag, quando da análise de tal questão menciona que o legislador constituinte "tendeu a prestigiar a teoria moderna, na esteira de uma interpretação ampliativa, pelos seguintes motivos: (a) por tratar, textualmente, do vocábulo entidade, chancelando a adoção da concepção do templo-entidade; (b) por se referir a 'rendas e serviços', e, como é sabido, o templo, em si, não os possui, mas, sim, a 'entidade' que o mantém; (c) por mencionar algo relacionado com a finalidade essencial — e não esta em si —, o que vai ao encontro da concepção menos restritiva do conceito de 'templo'" [5]

E assim deve ser, uma vez que, a imunidade conferida aos templos de qualquer culto possui raízes nos princípios constitucionais da liberdade religiosa e de culto, anteriores inclusive ao próprio princípio da imunidade tributária constitucional objeto do presente estudo.

A análise do §4º do artigo 150, VI, "b" da Constituição da República de 1988, permite claramente ter a certeza de que o legislador constituinte, quando da vedação a se instituir impostos sobre os templos, na verdade, vislumbrou o "templo-instituição" e não de forma simplória somente o local onde se celebram os cultos.

Tanto é assim, que para Flávio Campos, "somente o conceito de templo-entidade permite, assim, que se compreenda adequadamente o art. 150, VI, b, com sua conjunção necessária, que é o parágrafo 4º do mesmo dispositivo constitucional" [6]

E de outra forma não poderia ser, pois do contrário, não se atingiria o objetivo finalístico, qual seja garantir o pleno exercício da liberdade religiosa e de culto.

Uma vez esclarecida a definição e abrangência de Templo de Qualquer Culto, como sendo, em verdade, a própria instituição religiosa, se passa a analisar a extensão da imunidade tributária concedia aos mesmos.

A imunidade tributária concedida teve o principal objetivo de impedir que se criassem embaraços à liberdade religiosa e de cultos.

Deste modo, para que se garanta o pleno exercício de tais princípios constitucionais, que integram as cláusulas pétreas do ordenamento constitucional, a extensão a ser dada à imunidade tributária deve ser a mais ampla e abrangente possível, evitando-se subjetividades bem como embaraços e limitações injustificadas, sendo certo que tal entendimento advém da própria letra da Lei Ápice de 1988, especificamente o §4º do artigo 150, VI, b, já acima transcrito.

O §4º se mostra claro quando de forma expressa menciona aplicar-se a imunidade ao "patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas".

Portanto, a integralidade do patrimônio das entidades religiosas e em sentido amplo vinculado às atividades finalísticas das mesmas, devem ser objeto da aplicabilidade da imunidade tributária.

Importante que se observe que tal interpretação abrangente é entendimento pacificado na jurisprudência pátria, englobando, por exemplo, imóveis de propriedade das entidades religiosas que se encontrem alugados, sendo a renda de tal locação revertida para suas atividades. No caso, tal imóvel estaria abrangido, por exemplo, pela imunidade de pagamento do IPTU.

Deste modo, inclusive se posicionou o colendo Supremo Tribunal Federal, quando da edição da Súmula Vinculante 52.

Muito embora reportada súmula faça menção às entidades contidas na alínea "c", o entendimento e aplicabilidade, por analogia, também deve ser feito às entidades contidas na alínea "b", quais sejam templos de qualquer culto.

Inclusive, esse entendimento já vinha sendo o utilizado do Tribunal Constitucional, quando do julgamento do RE 325.822, relator: Ilmar Galvão, relator(a) p/ acórdão: Gilmar Mendes.

Outro ponto em que havia discussão quanto à aplicabilidade da imunidade seria em relação a imóveis vagos, porém, mais uma vez o Supremo Tribunal Federal de forma acertada, a meu sentir, decidiu por sua aplicabilidade, uma vez que o simples fato de não estar construído templo (prédio), por si só não se mostra hábil para afastar tal aplicação.

O entendimento acima se mostra de maneira cristalina quando do julgamento do ARE n° 658.080/2011 AgR/SP, de relatoria do eminente ministro Luiz Fux.

De relevo que se observe que os julgados acima trazem situações de imunidade de IPTU uma vez que trataram da incidência de tal tributo aos imóveis. Porém a imunidade prevista no artigo 150, VI, b, § 4º da Constituição da República de 1988, aplica-se a todos os impostos incidentes sobre o patrimônio das entidades nele mencionadas, sejam eles de natureza direta ou indireta. O eminente professor e doutrinador Paulo Caliendo, em consonância com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, assim entende:

"A concepção templo atividade entende que a imunidade se estende aos templos entendidos como o conjunto de práticas e atividades dirigidas à realização do culto. Nessa compreensão a imunidade se dirige ao conjunto de bens que viabilizam direta ou indiretamente a prática do culto, incluindo não somente o imóvel aonde está situado o templo, mas também outros imóveis de suporte ao exercício religioso: residência do ministro de confissão, centro de ensino religioso, centro de práticas e reflexões eclesiásticas e os veículos utilizados para este fim (avião, automóvel etc.). Em suma, nesta tese a imunidade se identifica com o actus, ou seja, como se exercita o direito fundamental à liberdade religiosa por meio do culto" [7].

No caso do ICMS, a colenda 8ª Câmara de Direito Público quando do julgamento da Remessa Necessária Cível: 10024401720208260562 SP 1002440- 17.2020.8.26.0562, relator: Leonel Costa, também reconheceu expressamente tal possibilidade.

Da leitura das decisões acima, o que se tem é que, eventual intenção do fisco de se restringir a aplicação da imunidade a patrimônio de entidade religiosa deve ser precedida de prova cabal de desvio de finalidade dos bens, ou seja, deve o ente tributante comprovar de forma irrefutável que determinado bem não está sendo utilizado (de forma direta ou indireta) para as atividades finalísticas da entidade.

Portanto, há presunção de vinculação às atividades finalísticas da entidade religiosa e somente pode ser afastada, mediante comprovação irrefutável de eventual tredestinação.

Recentemente, mais especificamente em 17 de fevereiro de 2022, por força da Emenda Constitucional nº 116/2022, foi criado o §1º-A ao artigo 156 da Constituição da República de 1988, com a seguinte redação:

"Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:
I – propriedade predial e territorial urbana;
§ 1º-A O imposto previsto no inciso I do caput deste artigo não incide sobre templos de qualquer culto, ainda que as entidades abrangidas pela imunidade de que trata a alínea 'b' do inciso VI do caput do art. 150 desta Constituição sejam apenas locatárias do bem imóvel."

Apesar de fora da seção destinada às Limitações ao Poder de Tributar, a meu ver, (do mesmo modo que outras várias existentes na Lei Magna de 1988) criou verdadeira norma de imunização, excluindo do alcance da tributação dos municípios os imóveis locados por entidades religiosas.


[1] AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro, 24ª ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2021. p 177

[2] MARTINS, Ives Gandra da Silva; Sistema tributário na Constituição de 1988, 3ª Ed. São Paulo: Saraiva, 1991. P. 152.

[3] BALEEIRO, Aliomar. Uma introdução à ciência das finanças. 14. Ed. Rio de Janeiro, Forense, 1990. P. 283.

[4] Michaelis on line, 2015. Editora Melhoramentos Ltda.

[5] SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4ª Ed — São Paulo: Saraiva, 2012, p.330.

[6] CAMPOS, Flávio. Imunidade Tributária na prestação de serviços por templos de qualquer culto. Revista Dialética de Direito Tributário, São Paulo, Oliveira Richa – Comércio e Serviços, v. 54, mar. 2000, p. 50

[7] CALIENDO, Paulo; BOHN, Ana Cecília Elvas. Imunidade tributária de templos de qualquer culto: algumas notas sobre as recentes decisões no STF. Interesse Público – IP, Belo Horizonte, ano 17, nº 89, p. 214-216, jan./fev. 2015.

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