Liberdade provisória

Illinois se torna primeiro estado dos Estados Unidos a abolir a fiança

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19 de setembro de 2022, 14h19

Em de 1º de janeiro de 2023, Illinois se tornará o primeiro estado dos EUA a abolir inteiramente o sistema de pagamento de fiança para o réu responder a processo em liberdade.

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A nova lei "Pretrial Fairness Act", parte da mais abrangente "Safe-T Act", prevê que suspeito de prática de crime terá, em vez de uma audiência de fiança, uma espécie de audiência de custódia, para o juiz decidir se deve lhe conceder liberdade provisória ou mantê-lo na cadeia até o julgamento.

A lei inclui crimes cometidos com violência (forcible felonies), para distingui-los entre os que estão sujeitos à suspensão condicional da pena (ou sursis), se a condenação for provável, e os que excluem essa opção. Condenados por crimes como homicídio de primeiro grau e "estupro criminoso" (como definido na lei local) não têm direito a sursis e, consequentemente, nem à liberdade provisória.

A lista de crimes com possível direito a sursis — e consequentemente, à liberdade provisória sem pagamento de fiança — inclui homicídio de segundo grau, incêndio, homicídio induzido por droga, roubo, sequestro, agressão qualificada, violação de domicílio, intimidação, direção embriagada qualificada, fuga e evasão, tráfico de drogas e ameaça à autoridade pública.

O juiz também irá considerar os quesitos tradicionais para não conceder liberdade provisória, como o de que o réu oferece (ou não) uma ameaça a uma pessoa (ou a pessoas) específica(s), em vez de à comunidade ou classe de pessoas, e de que há uma probabilidade de fuga para evitar o julgamento.

A obrigação de demonstrar que o suspeito representa uma ameaça a uma pessoa específica (ou a um grupo de pessoas), em vez de à sociedade em geral, será dos promotores. E deverão fazer isso, de uma forma convincente, dentro de 48 horas, o que, certamente, será um encargo muito mais alto do que o que enfrentam atualmente.

Justificativas da nova lei
Illinois será o primeiro estado a abolir inteiramente o sistema de fiança, mas Nova York, Nova Jersey e Pensilvânia já tomaram algumas medidas que amenizaram o que diversos estados (normalmente os liberais-democratas) consideram um problema: o de que o sistema de fiança criminaliza a pobreza. E esse é o principal motivo da criação da lei.

Cerca de meio milhão de presos aguarda julgamento nas cadeias do país, às vezes por longo tempo, porque não têm dinheiro para pagar a fiança, segundo o Center For American Progress. Enquanto isso, quem tem dinheiro paga a fiança e é libertado, mesmo que possam representar, às vezes, riscos para a sociedade.

Estudos têm demonstrado, segundo a entidade, que a prisão provisória aumenta a probabilidade de reincidência no crime, "perpetuando o ciclo interminável de prender e encarcerar".

O Brennan Center for Justice, por sua vez, afirma que a prisão provisória exerce efeitos extremamente negativos no resultado de julgamentos criminais: a probabilidade de que presos em prisão provisória sejam condenados é quatro vezes maior do que a de presos que são libertados para responder a processo em liberdade.

Para essa entidade, o sistema de fiança é frequentemente discriminatório: normalmente, a fiança é 35% mais alta para réus negros e 19% mais alta para latinos do que para réus brancos, pelos mesmos crimes. Em Maryland, por exemplo, o valor da fiança para réus negros tem sido o dobro do valor da fiança fixada para todas as demais raças somadas, diz a entidade.

Parte dos réus que não podem pagar fiança recorre a empresas privadas que a financia. Tais empresas recuperam o "investimento" se o réu comparecer a todas as audiências, depois de cobrar uma comissão de 10% a 15% (chamada "bond premium"). Nesse caso, os réus têm de dar uma garantia, tal como uma casa, um carro, joias, etc.

Réus fugitivos, que não comparecem ao fórum nas datas marcadas, são buscados por caçadores de recompensa (bounty hunters), contratados pelas empresas de fiança. Essa é uma profissão com pouca ou nenhuma regulamentação nos estados em que atuam. Os caçadores de recompensa têm autoridade para prender fugitivos e, se o fizerem, recebem uma comissão sobre o "bond premium".

Comparação com o filme "The Purge"
Os opositores da lei fizeram campanhas nas redes sociais e na imprensa conservadora-republicana para desmoralizá-la. Fizeram a comparação do possível efeito da lei com o filme "The Purge" ("O Expurgo", mas cujo título no Brasil foi "Uma noite de crime").

O enredo do filme imagina os EUA como uma distopia, que celebra, anualmente, um feriado nacional, chamado "The Purge", um dia em que qualquer crime, incluindo homicídio, é descriminalizado por 12 horas, com a ideia de que, com isso, haverá um expurgo e o país se tornará livre do crime.

Juristas ouvidos pela NBC e pela AP News declararam que esses opositores estão torcendo a verdade, ao comparar crimes não sujeitos à fiança a crimes não sujeitos à condenação à prisão; e que as pessoas estariam livres para cometer quaisquer dos crimes listados na lei.

Na verdade, o que vai mudar é apenas o sistema: com a nova lei, mandar ou não uma pessoa para a cadeia será função do juiz, apenas, e não mais do pagamento ou não da fiança.

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