Poder de requisição de informações das autoridades fiscais federais
19 de setembro de 2022, 11h12
Este artigo examina o embasamento legal para o poder de requisição de informações das autoridades tributárias e aduaneiras da União (auditores-fiscais da Receita Federal, com fulcro no parágrafo único do artigo 5º da Lei nº 13.464/2017), bem como sua repercussão na prática.
A previsão tem origem no Código Tributário Nacional (Lei nº 5.172/1966), que determina que, "mediante intimação escrita, são obrigados a prestar à autoridade administrativa todas as informações de que disponham […]: I – os tabeliães, escrivães e demais serventuários […]; II – os bancos […] e demais instituições financeiras; III – as empresas de administração de bens; IV – os corretores, leiloeiros e despachantes […]; V – os inventariantes; VI – os síndicos, comissários e liquidatários; VII – quaisquer outras entidades ou pessoas que a lei designe" (artigo 197). Frise-se que, ao utilizar o termo "autoridade administrativa", a lei reporta à única autoridade detentora da competência de lançamento (artigo 142), ou seja, aos auditores-fiscais das Receitas Federal, distrital, estaduais e municipais. O lastro legal para que o lançamento na esfera federal recaia privativamente sobre os auditores-fiscais da Receita é o artigo 6º, inciso I, "a", da Lei nº 10.593/2002.
Outra norma com força de lei, tratando especificamente do Imposto de Renda, prevê a obrigatoriedade de "entidades, pessoas ou empresas que possam, por qualquer forma, esclarecer situações de interesse" agirem de modo a "auxiliar a fiscalização dos tributos sob a administração do Ministério da Fazenda [hoje, Economia], ou, quando solicitados, a prestar informações" (artigo 2º do Decreto-Lei nº 1.718/1979). Um terceiro ato de mesma natureza também trata do assunto ao determinar que "são obrigados a auxiliar a fiscalização, prestando informações e esclarecimentos que lhes forem solicitados […] e permitindo aos funcionários do Imposto de Renda […] colher quaisquer elementos necessários à repartição, todos os órgãos da administração pública federal, estadual e municipal" (artigo 125 do Decreto-Lei nº 5.844/1943).
Baseando-se nas normas supramencionadas, o Anexo do Decreto nº 9.580/2018 (Regulamento do Imposto de Renda), em seus artigos 971 e 981, prescreve que "as pessoas físicas ou jurídicas, contribuintes ou não, ficam obrigadas a prestar as informações e os esclarecimentos exigidos pelos Auditores-Fiscais da […] Receita Federal do Brasil […] no exercício de suas funções" e que "os órgãos da administração pública federal, estadual e municipal […] ficam obrigados a auxiliar a fiscalização, além de prestar informações e esclarecimentos que lhes forem solicitados, de forma a […] permitir aos Auditores-Fiscais da […] Receita Federal do Brasil […] colher os elementos necessários".
Tais comandos, por óbvio, não se adstringem à legislação do Imposto de Renda, encontrando paralelos no antigo Regulamento do Imposto de Consumo (Lei nº 4.502/1964, artigo 97: "mediante intimação escrita são obrigados a prestar às autoridades fiscalizadoras todas as informações de que disponham […] as repartições públicas […]; e […] as demais pessoas naturais ou jurídicas cujas atividades envolvam negócios ligados ao imposto") e no atual Regulamento do Imposto sobre Produtos Industrializados (Decreto nº 7.212/2010, artigo 517: "mediante intimação escrita, são obrigados a prestar aos Auditores-Fiscais da Receita Federal do Brasil todas as informações de que disponham […] os órgãos da administração pública […]; e […] as demais pessoas, naturais ou jurídicas, cujas atividades envolvam negócios que interessem à fiscalização"). Quando exercendo suas atribuições na área aduaneira, o auditor-fiscal da Receita Federal do Brasil também terá prerrogativa equivalente aos seus pares que fiscalizam os tributos internos, na medida em que, "no exercício de suas atribuições, a autoridade aduaneira poderá, sempre que julgar necessário, requisitar documentos e informações e o apoio de força pública federal, estadual ou municipal" (artigo 24, § 2º, da Lei nº 12.815/2013, regulamentado pelo artigo 24, parágrafo único, do Decreto nº 6.759/2009 — Regulamento Aduaneiro).
Faz-se necessário destacar que os auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil (e seus pares nos estados e municípios) são "servidores fiscais", titulares de precedência sobre os demais setores da administração pública dentro de suas áreas de competência e jurisdição (artigo 37, inciso XVIII, da Constituição de 1988). Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal expõe de forma didática o significado de precedência ao dispor que caracteriza condição de primazia ou prioridade, isto é, do que por importância deve estar em primeiro lugar. A Corte Constitucional reconheceu, assim, que a preferência dada à Fazenda Pública denota o sentido de que a atividade dos auditores-fiscais não poderá ser obstaculizada ou sujeita à criação de artifícios ou embaraços ao pleno exercício de suas atribuições (acórdão de 16/6/2010 — Mandado de Injunção 598/PR).
Frise-se que, em várias oportunidades, a legislação utiliza os termos "intimação", "requisição" e "obrigação" para não deixar dúvidas de que, ao instar pessoa física ou jurídica (de natureza privada ou pública) a apresentar esclarecimentos e documentos, a recusa em atender o comando, se revestida de nítida intenção de obstaculizar o desempenho da atividade da autoridade fiscal, pode ensejar punições. Diferentemente de solicitar, requisitar é, na linguagem jurídica, requerer com autoridade, ou seja, é a exigência legal, emanada de autoridade competente, para que se cumpra, preste ou faça o que está sendo ordenado, não possuindo o particular ou a autoridade administrativa e seus agentes margem de decisão para negar a requisição do auditor-fiscal, sob pena de responsabilização administrativa e criminal.
Por fim, é necessário destacar que, apesar de a Receita Federal permitir, tal qual ocorre em outros órgãos, que servidores de apoio (analistas tributários, analistas técnico-administrativos, assistentes técnico-administrativos etc.) expeçam comunicações oficiais (ofícios ou memorandos) a organizações públicas e privadas, seu teor nunca estará carregado de poder decisório, já que tais servidores não são autoridades públicas, mas sim figuras auxiliares dentro da instituição, cujas manifestações têm apenas natureza propositiva e sugestiva e não obrigam seus destinatários. O excerto abaixo, extraído da Nota RFB/Sutri/Sucor nº 1/2017, ilustra bem a questão:
"3.2. […] No âmbito administrativo, que inclui as atividades tributárias e aduaneiras desenvolvidas pela […] Receita Federal […], a autoridade […] está intimamente ligada ao agente que tem poder decisório para influir diretamente na situação jurídica de um cidadão. 3.3. Entende-se por decisório o ato que modifica a ordem jurídica, constituindo, declarando, restringindo ou extinguindo direitos à luz dos fatos apresentados e em conformidade com a lei. […] 4.1. A legislação acerca dos cargos de Auditor-Fiscal e de Analista Tributário traz diversas hipóteses em que compete privativamente ao primeiro os atos decisórios que encerram determinado procedimento […], quer dizer, dá a esse cargo especificamente a competência para emissão de decisão, mormente quando os atos são de alta complexidade […]. 4.2. […] [A] Lei nº 10.593, de 2002 […] expressamente dispõe incumbir ao Analista Tributário ‘exercer atividades de natureza técnica, acessórias ou preparatórias ao exercício das atribuições privativas dos Auditores-Fiscais […]’. 4.2.1. A atividade preparatória é aquela que tem por objetivo subsidiar a atividade decisória. 4.2.2. Já a atividade acessória é toda aquela decorrente de um ato principal. 4.3. Note-se que isso não foge à regra de todos os órgãos da administração pública […]. No Poder Judiciário, há um cargo que decide e faz sua atividade finalística (o juiz), e os demais servidores públicos realizam as demais atividades do órgão. No âmbito da polícia judiciária federal, um delegado […] dirige inquéritos policiais e tem o poder decisório […] e agentes realizam a execução de tais atos decisórios".
Assim, encerra-se o presente artigo com as seguintes conclusões:
1) Incumbe às autoridades tributárias e aduaneiras da União, auditores-fiscais da Receita Federal do Brasil, com respaldo na legislação de regência, requisitar (por intermédio de intimação, ofício ou outro meio escrito) informações e documentos de pessoas físicas, pessoas jurídicas de natureza privada e órgãos públicos em geral, não possuindo seus destinatários meio de recusa ao atendimento, sob pena de sofrerem responsabilização administrativa e criminal;
2) Apenas os auditores-fiscais da Receita são dotados de poder decisório e requisitório pelo ordenamento jurídico, não havendo nenhuma obrigatoriedade de resposta a comunicações (por ofícios, memorandos etc.) expedidas por servidores auxiliares, independentemente do exercício de cargo de confiança na Receita Federal (supervisores ou chefes de determinado setor de apoio técnico-administrativo); e
3) Para comunicações recebidas por servidores públicos que não se identificarem pelo cargo efetivo, pode-se pesquisar com facilidade tal condição via Portal da Transparência, sendo que, tratando-se de agente incompetente para a prática de determinado ato, não há qualquer obrigatoriedade de resposta aos questionamentos apresentados, pois os servidores de apoio não são albergados pelas prerrogativas específicas das autoridades fiscais.
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