Opinião

A proteção de dados pessoais e o direito à desindexação na prática

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15 de setembro de 2022, 21h28

A cada vez mais forte preocupação com a proteção dos dados pessoais, por certo, tem justificativa. As relações pessoais e institucionais estão intimamente associadas ao constante e inevitável fornecimento de dados pessoais, tanto em ambientes físicos, quanto, principalmente, em ambientes virtuais. Como desta realidade não há como se afastar, há que se fortalecer a atenção com a tutela do direito à proteção dos dados pessoais e dos demais valores fundamentais a ele relacionado.

A temática do direito à desindexação é própria do sistema tecnológico e da informação e, dentro deste contexto, decorre do sistema jurídico de proteção de dados. O direito à proteção de dados pessoais, por sua vez, hoje na condição de direito fundamental expressamente positivado no rol de direitos e garantias fundamentais do texto da Constituição brasileira, pode atuar como fundamento para o reconhecimento implícito de outras posições subjetivas dotadas de relevância jurídica e social, sendo exemplo desta possibilidade o direito à desindexação.

Isso porque, efetivamente, o direito à desindexação objetiva a preservação do quadro informacional do seu titular, a partir da imposição de mecanismos de bloqueio nas ferramentas de pesquisa da internet, quando as plataformas desindexam — isto é, desvinculam — de seus bancos um conjunto de dados e informações, restringindo resultados quando preenchidas determinadas palavras-chave em uma consulta [1]. Em verdade, o pedido de desindexação pretende uma espécie de diálogo com a empresa responsável por um provedor de busca, a partir do pedido do rompimento do vínculo entre determinado conteúdo e o nome ou outros dados pessoais que possam identificar um indivíduo [2].

Considerando-se, pois, o imenso número de pesquisas que são feitas todos os dias por meio dos buscadores da internet, e diante da facilidade de procurar — e, de fato, encontrar — todo tipo de conteúdo online, fato é que, inevitavelmente, os provedores indexarão conteúdos que, em algum momento, poderão causar danos a alguém. Aí entra a temática do direito à desindexação na prática e a questão da responsabilização dos provedores de pesquisa da internet no âmbito do ordenamento jurídico brasileiro.

Antes do Marco Civil da Internet, isto é, antes de 2014, a questão da responsabilidade civil pela veiculação de conteúdo gerado por terceiros na internet já despertava debates, mas, inclusive pela ausência de uma legislação específica sobre o ambiente virtual, não havia falar em posições consolidadas para um ou outro sentido. Os entendimentos comumente eram desenvolvidos a partir das noções de defeito no serviço prestado, nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, ou de exploração de atividade de risco, nos termos do artigo 927 do Código Civil [3].

Com o advento do Marco Civil da Internet, a questão foi legislada e passou a ser sistematizada da seguinte forma: como regra geral, o provedor não poderia ser responsabilizado civilmente pelos danos decorrentes dos conteúdos gerados por terceiros (artigo 18), exceto se, após ordem judicial específica, deixasse de tomar providências para tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente (artigo 19).

Nos ensinamentos de Anderson Schreiber [4], porém, a legislação promoveu um retrocesso, uma vez que, ao invés de permitir e regulamentar a responsabilização civil a partir da comunicação do ato lesivo, passou a condicionar a responsabilização à uma ordem judicial específica. Quer dizer, a ação judicial deixou de ser mero instrumento de proteção dos direitos e reparação de dano, e se tornou uma condição sine qua non da responsabilidade civil.

Em razão dos debates que foram cada vez mais surgindo sobre o tema, foi reconhecida, e março de 2018, no âmbito do Supremo Tribunal Federal, repercussão geral relacionada à questão da (in)constitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet (Tema 987 do STF) [5]. A matéria, porém, nos autos do Recurso Extraordinário nº 1.037.396/SP, ainda aguarda deliberação.

A questão da responsabilidade civil dos provedores, debatida no âmbito da Suprema Corte brasileira, é de extrema importância para a temática do direito à desindexação. Porém, para além da questão que envolve as possibilidades e as formas de responsabilização civil dos provedores, importante se faz o reconhecimento e a admissão de que é possível que pessoas se sintam ofendidas com determinado conteúdo indexado na rede e, por isso, postulem a desindexação de tal conteúdo do buscador.

Na prática, segundo a empresa espanhola Reputation Up, especializada no gerenciamento da reputação online, a desindexação representa "a remoção de um URL já indexado, presente nos resultados da pesquisa" [6]. Assim, uma vez desindexado, o conteúdo é removido do índice do provedor de pesquisa (por exemplo, o Google), de modo que este conteúdo continuará existindo, mas não estará mais disponível na busca e, por isso, só será acessível para quem conheça o link. Quem fará ou determinará este procedimento, e quando ele será permitido, porém, é o que ainda está pendente de definição pelo Supremo Tribunal Federal, o que, por sua vez, não impede que as demandas continuem sendo levadas à apreciação do Poder Judiciário.

No ano de 2018, por exemplo, pouco depois de ter sido reconhecida a repercussão geral da questão constitucional no âmbito do Supremo Tribunal Federal, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 1.660.186/RJ [7], por maioria, reconheceu o pedido de desindexação da autora, relativo aos resultados referentes à vinculação de seu nome com notícias relacionadas à suspeita de fraude no XLI Concurso da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro. O voto majoritário, do ministro Marco Aurélio Bellizze, foi proferido no sentido de reconhecer a viabilidade de que fossem evitadas buscas direcionadas ao resultado correspondente ao fato desabonador, a partir da pesquisa simples realizada com o seu nome como critério de busca.

Esta decisão foi reafirmada muito recentemente, em junho de 2022, quando os autos foram remetidos para análise de eventual retratação, em razão do julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, da temática que envolve o direito ao esquecimento. A decisão de quatro anos atrás, por sua vez, foi mantida, nos mesmos termos, sob o fundamento de que não estaria em desacordo com o que decidido pelo STF no Tema 786 [8].

Efetivamente, no caso, em termos práticos, não foi determinada qualquer exclusão de notícias desabonadoras envolvendo a autora. Isso sequer foi pleiteado por ela na ação. O que foi determinado, sim, foi a desvinculação de buscas feitas exclusivamente com o seu nome em um mecanismo de busca da internet, sem qualquer outro termo, para com as matérias postuladas (relativas à suposta fraude no referido concurso). Quer dizer, o conteúdo foi preservado e continuou existindo. Apenas deixou de aparecer nas buscas realizadas exclusivamente com o nome da autora.

Com base neste caso prático e nas construções que têm sido desenvolvidas pela doutrina e pelos estudiosos, é possível perceber a importância do direito à desindexação para a tutela do direito fundamental à proteção de dados pessoais e dos direitos da personalidade do titular. A temática é nova e ainda carente de desenvolvimento e sistematização. Sua importância, porém, é inegável.


REFERÊNCIAS

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma). Recurso Especial nº 1.660.168/RJ. Relatora: ministra Nancy Andrighi. Redator para o acórdão ministro Marco Aurélio Bellizze. Brasília, DF, 8/5/2018. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1628798&num_registro=201402917771&data=20180605&peticao_numero=-1&formato=PDF. Acesso em: 18 ago. 2022.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma). Recurso Especial nº 1.660.168/RJ. Juízo de retratação. Relator: ministro Marco Aurélio Bellizze. Brasília, DF, 21/6/2022. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2167466&num_registro=201402917771&data=20220630&formato=PDF. Acesso em: 18 ago. 2022.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 1.037.396/SP. Relator: ministro Dias Toffoli. Brasília, DF. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5160549. Acesso em: 18 ago. 2022.

MEDEIROS, Carlos Henrique Garcia de. O direito ao esquecimento na atual era digital. In: CAMARGO, Coriolano Almeida; SANTOS, Cleórbete. Direito digital: novas teses jurídicas. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2018.

OLIVEIRA, Caio César de. Eliminação, desindexação e esquecimento na internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020.

REPUTATION UP. Desindexação do Google, um teu direito: como remover link da web. In: Reputation Up. Disponível em: https://reputationup.com/pt/desindexacao-google-guia/. Acesso em: 18 ago. 2022.

SARLET, Ingo Wolfgang; FERREIRA NETO, Arthur M. O direito ao "esquecimento" na sociedade da informação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019.

SCHREIBER, Anderson. Marco Civil da Internet: avanço ou retrocesso? A responsabilidade civil por dano derivado do conteúdo gerado por terceiro. In: LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto; LIMA, Cíntia Rosa Pereira (coord.). Direi­to e Internet III: Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014. Tomo II. São Paulo: Quartier Latin, 2015.

 


[1] SARLET, Ingo Wolfgang; FERREIRA NETO, Arthur M. O direito ao "esquecimento" na sociedade da informação. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2019, p. 66.

[2] Nesse sentido: MEDEIROS, Carlos Henrique Garcia de. O direito ao esquecimento na atual era digital. In: CAMARGO, Coriolano Almeida; SANTOS, Cleórbete. Direito digital: novas teses jurídicas. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2018, p. 53. OLIVEIRA, Caio César de. Eliminação, desindexação e esquecimento na internet. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2020, p. 126.

[3] SCHREIBER, Anderson. Marco Civil da Internet: avanço ou retrocesso? A responsabilidade civil por dano derivado do conteúdo gerado por terceiro. In: LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto; LIMA, Cíntia Rosa Pereira (coord.). Direi­to e Internet III: Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014. Tomo II. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 284.

[4] SCHREIBER, Anderson. Marco Civil da Internet: avanço ou retrocesso? A responsabilidade civil por dano derivado do conteúdo gerado por terceiro. In: LUCCA, Newton de; SIMÃO FILHO, Adalberto; LIMA, Cíntia Rosa Pereira (coord.). Direi­to e Internet III: Marco Civil da Internet, Lei nº 12.965/2014. Tomo II. São Paulo: Quartier Latin, 2015, p. 290.

[5] Tema 987, STF: "Discussão sobre a constitucionalidade do art. 19 da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet) que determina a necessidade de prévia e específica ordem judicial de exclusão de conteúdo para a responsabilização civil de provedor de internet, websites e gestores de aplicativos de redes sociais por danos decorrentes de atos ilícitos praticados por terceiros". BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário nº 1.037.396/SP. Relator: Ministro Dias Toffoli. Brasília, DF. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5160549. Acesso em: 18 ago. 2022.

[6] REPUTATION UP. Desindexação do Google, um teu direito: como remover link da web. In: Reputation Up. Disponível em: https://reputationup.com/pt/desindexacao-google-guia/. Acesso em: 18 ago. 2022.

[7] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma). Recurso Especial nº 1.660.168/RJ. Relatora: ministra Nancy Andrighi. Redator para o acórdão ministro Marco Aurélio Bellizze. Brasília, DF, 8/5/2018. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=1628798&num_registro=201402917771&data=20180605&peticao_numero=-1&formato=PDF. Acesso em: 18 ago. 2022.

[8] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3ª Turma). Recurso Especial nº 1.660.168/RJ. Juízo de retratação. Relator: ministro Marco Aurélio Bellizze. Brasília, DF, 21/6/2022. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ITA&sequencial=2167466&num_registro=201402917771&data=20220630&formato=PDF. Acesso em: 18 ago. 2022.

Autores

  • é mestre em Direito pela Fundação Escola Superior do Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul (FMP-RS), especialista em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e assessora Jurídica no Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul.

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