Opinião

P​ropostas para ampliar participação e reduzir controvérsias na RJ

Autor

6 de setembro de 2022, 19h19

Desde o final de 2020, as recuperações judiciais em trâmite no Brasil vêm sendo impactadas, em maior ou menor grau, pelas novidades advindas da Lei nº 14.112/2020, que alterou e incluiu diversos dispositivos da Lei nº 11.101/2005. Este artigo não pretende discutir os aspectos positivos ou negativos daquelas mudanças. Visa, antes, a apontar outras sugestões que poderiam ser úteis para prevenir ou resolver problemas que perduram mesmo sob a égide da legislação atualizada.

No aspecto procedimental, o legislador avançou ao estabelecer, como exigência da lista de credores que instrui a petição inicial (artigo 51, III, da Lei nº 11.101/2005), a indicação dos seus endereços físico e eletrônico. Entretanto, esse requisito poderia ter levado a um passo adiante, em prol da ampla publicidade e da efetividade da recuperação judicial.

No artigo 52, §1º, foi mantida a previsão, exclusivamente, de expedição de edital com resumo do pedido e da decisão que defere o processamento da recuperação, com a relação nominal de credores, valor atualizado e classificação dos créditos e, por fim, a abertura dos prazos para habilitação e objeção ao plano de soerguimento.

Ora, considerando os avanços da tecnologia e as tendências de mercado, seria razoável ir além do antigo formato do edital existente desde 2005. Se a nova legislação exige que a recuperanda informe o endereço eletrônico dos credores, por que não estabelecer, também, que essa publicação inicial lhes seja enviada por e-mail, de modo a garantir o máximo de conhecimento sobre a existência da recuperação judicial?

Com a mesma finalidade, seria possível ir mais longe, em diálogo com o artigo 196, da Lei nº 11.101/2005, que prevê a implementação de banco de dados público e gratuito, disponível na internet, com a relação de todos os devedores falidos ou em recuperação judicial. A legislação poderia estipular que tal plataforma servisse como um repositório oficial de publicações de editais das "novas recuperações", um local (virtual) que credores pudessem acessar periodicamente para verificar se seus parceiros comerciais ingressaram com processo de reestruturação.

Essas duas sugestões, relativamente simples, contribuiriam para conferir maior publicidade ao processo e para ampliar a participação dos envolvidos (em tese, algo desejável). Lembre-se, nesse sentido, que os credores retardatários, que não apresentam eventual habilitação no prazo daquele edital, não têm direito a voto na assembleia geral de credores (artigo 10, §1º).

Tais sugestões, ao mesmo tempo, evitariam certas discussões  muitas vezes, longas e inócuas  não só no âmbito da própria recuperação judicial, como, também, de ações e execuções movidas contra a devedora, acerca da ciência do feito de soerguimento, da sujeição ou não do crédito etc.

Com os mesmos objetivos, porém para um segundo momento do procedimento, seria conveniente estabelecer, como regra, que o edital com a segunda lista de credores (artigo 7º, §2º) contivesse os nomes e a inscrição na OAB de todos os advogados que, à época de sua publicação, já tenham se habilitado nos autos da recuperação. Essa previsão, inclusive, compatibilizaria a legislação recuperacional com a exigência do artigo 272, §5º, do Código de Processo Civil.

Não há explicação lógica nem jurídica para admitir que um edital originário de um processo judicial e, ainda, que deflagra prazo para fase puramente processual (impugnação de crédito) possa ser publicado no Diário de Justiça e ter eficácia sem contemplar os patronos que já requereram intimação em seus nomes. Mais do que isso: quando os feitos tramitam em sistemas eletrônicos como PJE e Projudi, nos quais há leitura de intimações, seria pertinente que o edital fosse expedido diretamente aos procuradores cadastrados, como ocorre (ou deveria ocorrer) com despachos e decisões.

É verdade que algumas dessas sugestões poderiam ensejar debates sobre o termo inicial dos prazos para habilitação e/ou impugnação de créditos. Contudo, já atualmente, essas discussões existem, ainda que por outros motivos, aos quais nem a lei nem a jurisprudência ofereceu resposta uniforme e satisfatória. Para evitar ou solucionar os "novos problemas", bastaria que se adotassem os próprios entendimentos vigentes. Por exemplo: se determinado credor já habilitou seu patrono nos autos eletrônicos, prevalecerá, para ele, a data da leitura da intimação no sistema (e não da publicação do edital no Diário de Justiça), em linha com a posição do Superior Tribunal de Justiça, exarada, por exemplo, no acórdão do EAREsp 1.663.952/RJ.

Por outro lado, também se pode imaginar que a adoção dessas sugestões abriria margem até mesmo para um maior "endurecimento" das regras processuais características da recuperação judicial. Se o procedimento tramita, desde o início, com ampla publicidade e esforço para conferir ciência aos interessados, é razoável que, em contrapartida, sejam fechadas as portas para discussões extemporâneas ou lançadas por vias inadequadas, ainda frequentes na atualidade. O instituto da preclusão e o formalismo processual (não o exacerbado, mas, sim, aquele que ampara garantias) sairiam ganhando.

Essas propostas, entre outras que poderiam ser apresentadas, estão em conformidade com tendências do Poder Judiciário e do mercado, não representariam um aumento de custos significativo para os envolvidos e contribuiriam para minimizar ou evitar discussões no bojo tanto da recuperação judicial, quanto de outras demandas. Provavelmente, auxiliariam na concretização da segurança jurídica, valor essencial para uma espécie de processo que, talvez mais do que qualquer outra, aproxime o direito da economia.

Por fim, com a ampliação da publicidade e das possibilidades de participação (contraditório), restariam fomentados os espaços de construção consensual e coletiva de soluções e, por outro lado, reduzidas as chances de êxito de estratégias como a tentativa de omitir credores ou créditos, a fim de manipular o quórum das assembleias gerais.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!